05 Outubro 2023
Na nova exortação Laudate Deum (“Louvado seja Deus”), o papa adverte que a comunidade política global pode perder credibilidade se a cúpula do clima da ONU deste ano fracassar.
A reportagem é de Christopher White, publicada por National Catholic Reporter, 04-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em meio a um ano de aumento recorde de temperaturas, incêndios florestais e inundações, e antes de uma importante cúpula do clima da ONU neste ano, o Papa Francisco divulgou nessa quarta-feira, 4 de outubro, um novo documento visando diretamente aos negacionistas das mudanças climáticas e repreendendo as nações ocidentais, especialmente os Estados Unidos por um “estilo de vida irresponsável”, provocando danos irreparáveis ao planeta.
“Este mundo que nos acolhe está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura”, alerta Francisco em uma carta de 73 parágrafos intitulada Laudate Deum (“Louvado seja Deus”).
O documento surge apenas oito anos depois da histórica encíclica do papa de 2015, Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum, na qual o papa endossou o consenso científico sobre a necessidade de esforços globais para enfrentar as mudanças climáticas e alertou que a humanidade estava criando um mundo de “ruínas, desertos e lixo”.
No novo texto, Francisco diz que está escrevendo de novo porque “não estamos reagindo de modo satisfatório”. E lança um olhar particular para a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023, ou 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, mais conhecida como COP28, que ocorrerá de 30 de novembro a 12 de dezembro em Dubai.
Embora o papa dirija a carta a todas as pessoas de boa vontade e apele a ações individuais concretas em resposta à crise climática, ele diz que acima de tudo devem ser tomadas decisões políticas urgentes, tanto em nível nacional quanto internacional, para evitar a catástrofe ambiental iminente.
“Se considerarmos que as emissões per capita nos Estados Unidos são cerca do dobro das de um habitante da China e cerca de sete vezes superiores à média dos países mais pobres, podemos afirmar que uma mudança generalizada do estilo de vida irresponsável ligado ao modelo ocidental teria um impacto significativo a longo prazo” [n. 72], escreve Francisco.
Embora a carta seja breve – especialmente em comparação com o documento de 246 parágrafos de 2015 – o papa dedica uma atenção significativa tanto aos progressos quanto aos fracassos no combate às mudanças climáticas em nível internacional nos últimos 30 anos.
Francisco elogia o progresso alcançado nas cúpulas anuais da ONU no estabelecimento de mecanismos para os países mais ricos compensarem os países mais pobres pelos danos que as mudanças climáticas lhes infligem (vulgarmente conhecidos como programas de “perdas e danos”), e os compromissos dos países para diminuir as temperaturas globais para níveis inferiores aos da Revolução Industrial.
Mas também alerta que o progresso não está ocorrendo com a rapidez suficiente e que os acordos anteriores careceram dos meios necessários de monitorização e aplicação.
“Se há sincero interesse em fazer com que a COP28 se torne histórica, que nos honre e enobreça enquanto seres humanos, então só podemos esperar em fórmulas vinculantes de transição energética que tenham três caraterísticas: eficientes, vinculantes e facilmente monitoráveis”, escreve ele. Isso “a fim de se iniciar um novo processo que seja drástico, intenso e possa contar com o empenho de todos” [n. 59].
“Isso não aconteceu no caminho percorrido até agora, mas só com tal processo é que se pode restaurar a credibilidade da política internacional, pois só dessa forma concreta será possível reduzir significativamente o dióxido de carbono e evitar a tempo males piores”, alerta ele.
O cardeal Michael Czerny, conselheiro próximo de Francisco e chefe do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, disse ao NCR por e-mail que, na nova exortação, o papa “desafia os nossos líderes a nos guiarem nas mudanças reais que são urgentemente necessárias para que que a crise climática não piore ainda mais”. Ele acrescentou que a exortação também “convida todas as pessoas a pressionarem ativamente nosso(s) governo(s) nessa direção”.
Embora o lançamento da Laudato si’ de 2015 de Francisco tenha sido intencionalmente programado para obter apoio para a histórica reunião climática de Paris – sua arquiteta, Christiana Figueres, disse ao Earthbeat que Francisco é “um dos líderes mais fortes do mundo, senão o mais forte” em relação às preocupações ambientais – na nova exortação apostólica de 4 de outubro o papa indica que está exasperado com a resistência e a confusão por parte de quem alimenta a desinformação sobre as realidades das mudanças climáticas.
“Nos últimos anos, não têm faltado pessoas que procuraram minimizar essa observação. Citam dados supostamente científicos, como o fato de que o planeta sempre teve e continuará tendo períodos de arrefecimento e aquecimento” [n. 6], escreve Francisco, com uma linguagem incomumente direta para um papa. “Elas transcuram outro dado relevante: aquilo que estamos assistindo agora é uma aceleração insólita do aquecimento, com uma velocidade tal que basta uma única geração – e não séculos ou milénios – para nos darmos conta.”
Embora o documento ofereça um alto nível de análise técnica e científica para um documento papal, ele também se baseia em reflexões sobre as mudanças climáticas feitas por uma série de conferências episcopais de todo o mundo, incluindo os bispos católicos dos Estados Unidos, e cita até uma estudiosa feminista estadunidense, Donna Haraway.
O objetivo da carta, escreve o papa, é “sublinhar que já não se trata de uma questão secundária ou ideológica, mas de um drama que nos prejudica a todos” [n. 3]. Citando um decreto de 2022 dos bispos africanos, ele diz que a inação em relação ao clima para os católicos é “um exemplo chocante de pecado estrutural”.
A data de lançamento, 4 de outubro, da Laudate Deum – a sexta e mais curta exortação apostólica lançada durante seu papado de uma década – foi programada para coincidir com a festa católica do homônimo do papa: São Francisco de Assis, o santo do século XII conhecido por sua preocupação com os pobres e com o meio ambiente.
É também a data do último dia daquele que é conhecido como o “Tempo da Criação”, uma iniciativa ecumênica de um mês que visa a inspirar um maior esforço de oração e de ação ambiental entre os cristãos – e, na frase final do documento, o papa oferece um alerta específico às pessoas de fé.
“‘Laudate Deum’ é o título desta carta”, escreve Francisco, “porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo” [n. 73].
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Em nova carta sobre o clima, Francisco enfrenta negacionistas do clima e estadunidenses “irresponsáveis” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU