22 Setembro 2023
Entrevista de Massimo Franco com o arquivista do Vaticano Giovanni Coco, publicada por la Lettura, ainda em banca de jornal, atraiu a atenção da imprensa internacional. Jornais como o New York Times, Guardian, o Wall Street Journal noticiaram, em particular, o documento mais importante descoberto por Coco: a carta, datada de 14-12-1942, na qual o jesuíta alemão Lothar König informava o secretário do Papa Pio XII, Robert Leiber, sobre os crimes que estavam sendo cometidos em Rava Rus'ka, ou seja, no campo de extermínio de Bełzec, onde, lemos na carta, "6.000 homens, especialmente polacos e judeus", eram eliminados diariamente.
A reportagem é de Antonio Carioti, publicada por Corriere della Sera, 18-09-2023.
Todos sublinham como o documento, tão explícito sobre os horrores da "solução final", contradiz a tese segundo a qual o Papa Eugênio Pacelli evitou condenar a Shoah porque não tinha certas informações sobre o genocídio. Observa Coco no dia seguinte: "Encontramos a carta entre os papéis do secretariado pessoal do Papa. Não podemos ter certeza matemática de que Pio XII sabia disso, mas o contrário seria muito estranho. Leiber era o terminal naquela época das informações que chegam da Alemanha sobre a perseguição à Igreja Católica. A tarefa era precisamente relatar ao pontífice o que estava acontecendo sob o Terceiro Reich. E sabemos que, às vezes, Pio XII, perfeitamente familiarizado com a língua alemã, não se limitava a examinar os relatórios de sua secretaria, mas lia pessoalmente os documentos enviados a Leiber. Infelizmente nós encontramos apenas esta carta de König, mas pelo que ele escreve devemos deduzir que é dele a correspondência com a Santa Sé e que foi intensa".
É surpreendente que o secretário do Papa, quando surgiram as controvérsias na década de 1960 sobre a atitude de Pacelli durante a guerra, defendeu-se apoiando, entre outras coisas, que a informação que chegou ao Vaticano sobre a Shoah era incompleta ou pouco confiável: Observa Coco falando ao Corriere: "Dúvidas na fiabilidade das fontes são sempre possíveis, quando se trata de informações que circulam clandestinamente. Mas as notas de Leiber na lista de padres detidos em Dachau, que acompanha a carta de König, sugere que ele confiava".
Outros historiadores também pensam que Pio XII foi informado sobre o funcionamento da máquina mortífera Belzec. "Leiber contou-lhe tudo", afirma Andrea Riccardi, autor do ensaio A guerra de silêncio (Laterza). E continua: "Estou convencido de que Pio XII conhecia bem o Holocausto, como muitos outros documentos também demonstram. Apenas alguns apologistas alegaram que ele não tinha informações suficientes".
Michele Sarfatti, autora de vários livros sobre a perseguição aos judeus, considera a carta impressionante, tanto mais que "utiliza uma terminologia que lembra os métodos nazistas, como a referência ao 'alto-forno'. Outras passagens evocam as ameaças de Hitler contra os judeus. É claro que König estava ciente do extermínio e pretendia informar o Papa".
Eugenio Pacelli (Papa Pio XII) e Robert Leiber (à direita), 1929. (Foto: Domínio público)
"Este documento", observa Alberto Melloni, secretário da Fundação para as Ciências Religiosas (Fscire), "pertence ao fluxo de informações que chegou à Santa Sé naquele período, do qual se podia deduzir que estava ocorrendo uma ação genocida. Pio XII entendeu bem isto: a partir de uma passagem do diário de Angelo Roncalli, futuro João XXIII, parece que em outubro de 1941 o Papa se perguntou 'se o seu silêncio em relação às ações dos nazistas' não foi 'mal julgado'”.
Aqui tocamos na questão mais espinhosa: por que Pacelli optou por permanecer em silêncio? "Foi difícil para ele", responde Melloni, "distinguir o Holocausto do resto do sofrimento causado pela guerra. Ele acreditava que a posição mais adequada para um pontífice era uma deploração geral pelo destino daqueles que foram condenados à morte 'unicamente por razões de nacionalidade ou linhagem', como disse no discurso de Natal de 1942'”.
Riccardi olha para o contexto diplomático: "Pio XII pretendia manter uma posição de imparcialidade durante a guerra para levar a cabo ações de ajuda humanitária e talvez reservar um espaço para a mediação entre as partes em conflito. Ele não queria correr o risco de parecer esmagado pelas posições aliadas. E então ele temeu pela estabilidade da Igreja Católica alemã, sujeita a pressões cada vez mais pesadas e insidiosas do regime nazista".
A opinião de Sarfatti é mais clara: "Na minha opinião, Pio XII era um prisioneiro. Não dos fascistas ou dos nazistas, mas do seu passado e da Igreja Católica, séculos de preconceito contra o povo judeu. Muitas vezes nos lembramos do discurso de Natal de 1942, no qual ele falou dos perseguidos sem mencionar nem os polacos nem os judeus. Mas recorde-se que alguns meses depois, num discurso proferido em 02-06-1943, Pacelli lamenta o povo submetido a "constrangimentos exterminadores" e numa passagem subsequente recorda o trágico destino do povo polaco. No entanto, ele não faz menção aos judeus. Nos seus discursos a palavra “judeu” não existe, é como uma espécie de buraco negro”.
Talvez ele estivesse com medo de piorar a situação? "É difícil ver", responde Sarfatti, "como poderia ter sido pior para os judeus. O historiador Raul Hilberg demonstrou que 1942 foi o ano mais trágico, com maior número de vítimas do nazismo, reprimida com uma progressão impressionante.
Certamente Pio XII não conseguiu impedir o massacre. E acho que ele ficou muito triste com o que aconteceu. Mas ele permaneceu enredado na teia de uma tradição hostil aos judeus. Entretanto, o antissemitismo racial, diferente do antissemitismo religioso católico que visava a conversão, atingiu o ponto do massacre em massa. A história avançou mais rápido do que a capacidade da Igreja de entender o que estava acontecendo".
O que acontecerá com o processo de beatificação de Pacelli? Responde Melloni: "acredito que seja plausível apenas como um ato de vingança contra uma polêmica percebida como uma revolta contra a Igreja. Certamente Pio XII nunca foi cúmplice de Hitler, mas considerá-lo inconsciente significaria fazer uma injustiça ainda maior. Ele escolheu permanecer em silêncio e isso não pode ser ignorado”.
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O papel do secretário de Pio XII - Instituto Humanitas Unisinos - IHU