Humanidade rebelde em Auschwitz. As vítimas não foram dóceis

Auschwitz. | Foto: Pixabay

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05 Agosto 2020

Precisamos, 80 anos após sua construção, de um livro que conte o que foi Auschwitz? Esse nome se tornou um símbolo de um dos eventos mais trágicos da história, a personificação da política racista do nacional-socialismo e a tentativa – em grande parte bem-sucedida - de eliminar os judeus da Europa perseguidos por ele. No entanto, se perguntássemos não apenas a jovens estudantes, mas também a professores e historiadores, para nos contar o que realmente foi Auschwitz, provavelmente receberíamos respostas superficiais.

O comentário é de Marcello Flores, publicado por Corriere della Sera, 03-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Frediano Sessi dedicou grande parte de sua vida como historiador ao estudo da questão e conseguiu propor, no 80º aniversário da abertura do campo de concentração na cidade polonesa de Oswiecim (14 de junho de 1940), o livro Auschwitz (Marsilio), uma ampla e abrangente síntese que permite a qualquer pessoa entender quanta história existe por trás desse nome, desse símbolo, dessa referência a uma tragédia sobre a qual filósofos e teólogos, políticos e cientistas sociais se questionaram, sem jamais conseguirem penetrar - de maneira convincente, coerente, completa – no drama desse evento histórico. A força do livro de Sessi reside na simplicidade da narrativa factual: como foi construir o campo, quando foi decidido, com que etapas, com que finalidade, como foi ampliado, como foi utilizado para diferentes propósitos, quem ficou preso, quem eram as vítimas, como trabalhavam, viviam e morriam, quem eram os carrascos, que tarefas tinham, que organização existia no campo, o que se comia, como eram as punições, que informações havia sobre a natureza do que aconteceu lá.

É incrível perceber que, quando um evento histórico é contado em sua complexidade - e isso pode ser feito com simplicidade e linguagem acessível -, abordando cada um de seus aspectos, a interpretação do que foi e significou parece improvisamente clara e evidente, sem necessidade de elucubrações teóricas que muitas vezes são a justificativa para um baixo conhecimento e entendimento da realidade. E é por isso que o livro de Sessi deveria ser lido por todos. À medida que a história avança, na primeira parte, sobre a fundação e a estrutura organizacional do campo, sobre o pessoal, sobre as unidades administrativas, a vida cotidiana (alimentação, roupas, trabalho, doenças), descobre-se uma realidade complexa, que ilumina aspectos pouco conhecidos (os médicos detentos, as visitas da Cruz Vermelha, a sexualidade) e que nos leva a entrar com a imaginação na "normalidade" do universo do campo de concentração.

A segunda parte, por outro lado, fala do extermínio, dos locais e as formas de eliminação, do pessoal da SS e dos últimos momentos da vida das vítimas, das muitas e diferentes categorias em que são divididas, o destino das mulheres e das crianças. Entre os muitos temas já conhecidos aos especialistas, Sessi persegue tenazmente a realidade do Sonderkommando, dos judeus destinados à operação das câmaras de gás e dos fornos crematórios, cujo papel foi definido por Primo Levi falando em "crime mais demoníaco" inventado pelo nazismo. É graças a alguns deles que temos as poucas fotografias parcas que não são aquelas oficiais tiradas pelos executores e a história daquela ação controversa termina com a tentativa de rebelião que levou à eliminação da maioria deles em 7 de outubro de 1944.

É precisamente através dessa imersão na vida cotidiana do campo de concentração que se percebe o quanto seja falso um lugar comum que sempre acompanhou o Holocausto, ou seja, a docilidade com a qual os judeus teriam ido ao encontro da morte. O capítulo sobre as "resistências", múltiplas e diferenciadas, mesmo que muitas vezes individuais ou de pequenos grupos, embora quase sempre destinadas ao fracasso, mostra-nos quanto, mesmo dentro do sistema de desumanização criado nos campos de extermínio, sempre estivessem presentes o desejo de rebelião, de liberdade e o espírito de solidariedade, muitas vezes esquecidos para lembrar o egoísmo da sobrevivência de que Primo Levi e os outros grandes sobreviventes nos contaram repetidamente tão dramaticamente.

O capítulo sobre os processos e as sentenças é de grande utilidade, e nos permite entender por que a Alemanha só começaria a acertar as contas com o seu passado genocida apenas na década de 1960. A última parte, sobre a memória de Auschwitz, com a ajuda das contribuições de Enrico Mottinelli, Carlo Saletti, Claudio Gaetani e Fulvio Baraldi, completa a história falando sobre o museu, as memórias das vítimas e dos carrascos, a representação que foi dada de Auschwitz pelo cinema, literatura e música.

 

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