09 Setembro 2023
O mistério da Eucaristia, para Teilhard de Chardin, está intrinsecamente em relação com o mistério do Universo. Comungar é estar em comunhão com o devir, isto é, estar em comunhão com Cristo por meio de todas as circunstâncias de uma vida que caminha rumo à comunhão total do Universo inteiro reunido na totalidade de Deus, “tudo em todos” (1Cor 15,28).
O comentário é do jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicado em sua edição 3987-3988, 01-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“A meta do caminho do universo situa-se na plenitude de Deus, que já foi alcançada por Cristo ressuscitado, fulcro da maturação universal.” Assim se expressa o Papa Francisco em sua encíclica Laudato si’ (LS), n. 83. Em nota, a referência se torna explícita sobre as raízes desse pensamento: “Coloca-se, nesta perspectiva, a contribuição do P. Teilhard de Chardin”.
Teilhard (1881-1955), jesuíta, antropólogo e figura espiritual de grande destaque, atravessou as fortes tensões de um século XX complexo, marcado por guerras, ideologias e grandes descobertas [1]. Sua história foi singular. Seu pensamento de “fronteira”, capaz de se defrontar com as agitações mais vivas e complexas de sua época, não foi desprovido de mal-entendidos. Mas aquilo que hoje permanece para nós como uma herança é a sua tentativa de unir o conhecimento de Cristo e a ideia de evolução.
Depois de ter apresentado em uma síntese extrema seu pensamento, aqui tentaremos ilustrar o caminho da recepção que ele teve no magistério pontifício de Paulo VI a Francisco. Portanto, vamos nos concentrar em um ponto evidenciado por Bento XVI e implicitamente retomado na encíclica Laudato si’ do Papa Francisco: o sacerdote e sua ação de “salvação universal” que envolve o cosmos. E, de fato, como sacerdote, Teilhard rezava assim: “Eu, ó Senhor, pela minha humilíssima parte, gostaria de ser o apóstolo, e (por assim dizer) o evangelista do teu Cristo no Universo. Eu gostaria, com as meditações, a palavra, com a prática da minha inteira, revelar e pregar as relações de continuidade que fazem do Cosmos em que nos movemos um ambiente divinizado da Encarnação, divinizante da comunhão, divinizável da nossa cooperação” [2].
Não é fácil sintetizar o pensamento de Teilhard. Ele fala da história do mundo nos termos do desenvolvimento de um único desígnio, que, a partir da criação, vai rumo ao Ponto Ômega, o fim da história, indicado por Cristo ressuscitado, e assim nos acompanha para ver a sucessão das diferentes etapas da história do nosso planeta.
Há a formação da litosfera, do núcleo da Terra ainda sem vida; depois, ao redor dela, desenvolve-se a película sutil, mas dinâmica, da biosfera, vegetal e animal; depois, com a hominização e o advento da espécie humana, temos um novo estrato, frágil e sutil, em qual se desenvolve o pensamento: é a noosfera, a esfera do conhecimento.
Comentando o pensamento de Teilhard, o cardeal Christoph Schönborn descreveu esse desenvolvimento como “um imenso movimento ascensional rumo a uma cada vez mais elevada complexidade e interioridade, da matéria à vida, até ao espírito”.
O movimento “ascendente” é completado somente quando chega ao ápice com a aparição de Cristo. Ele, continua o cardeal, “torna-se o centro visível da evolução e também seu fim, o ‘ponto Ômega’. O Logos encarnado, que em certo ponto se manifesta de forma visível no eixo evolutivo, já havia sido anteriormente o invisível ‘motor da evolução’. Cristo, à frente do corpo cósmico, completa todas as coisas, orienta todas as coisas aperfeiçoa todas as coisas. ‘Todo o universo é modelado ipso facto pela sua personalidade, determinado por suas escolhas e animado pela sua forma’”.
Portanto, segundo Teilhard, Cristo se torna “a energia do próprio cosmos”. Com sua ressurreição, ele, desvinculado de toda restrição de sua potência e da eficácia de sua ação, é capaz de guiar o desenvolvimento cósmico rumo à parusia.
O cardeal Schönborn, em sua síntese, observa que essa visão de “Cristo como força diretriz na evolução foi se debatendo com contradições de natureza teológica”. No entanto, apesar das críticas, continua o cardeal, “muitas pessoas conseguiram captar suas preocupações e as apreciaram. Chama a atenção sobretudo o modo como que ele ficou fascinado pelo Cristo. Seu amor por Cristo o fez entrar em uma espécie de ‘mística da evolução’. Nisso, ele está bem distante das concepções materialistas do ‘evolucionismo’ difuso hoje em dia”.
Seu empreendimento está “ao mesmo tempo cheio de riscos e, mesmo assim, é necessário” e, “por meio de sua obra, Teilhard de Chardin ajudou muitos cientistas a superar o preconceito de que a fé obstaculiza a ciência” [3].
Já a partir dessa síntese, compreendemos como o linguagem de Teilhard, entre a científica e a poética, pôde inquietar a tal ponto que o então Santo Ofício publicou, em 30 de junho de 1962, uma “Advertência” que alertava em relação ao pensamento dele.
No mesmo ano, Henri de Lubac, que se tornaria cardeal, escreveu o livro “O pensamento religioso do Padre Teilhard de Chardin”, evidenciando a continuidade de Teilhard com a tradição da Igreja. Obviamente o volume levantou diversas polêmicas.
Mas, ainda poucos anos depois, Paulo VI, visitando um estabelecimento químico-farmacêutico no dia 24 de fevereiro de 1966, disse que “um célebre cientista afirmava: ‘Quanto mais estudo a matéria, mais encontro o espírito’”. Depois, o pontífice revelava o nome do cientista: “Teilhard de Chardin, que deu uma explicação do universo e, entre tantas fantasias, tantas coisas inexatas, soube ler dentro das coisas um princípio inteligente que deve ser chamado de Deus”. Paulo VI compreendia que, se atravessarmos as fantasias e as imprecisões desse pensador, não encontraremos “erros”, mas sim a leitura de Deus “dentro das coisas” do mundo.
Um pouco mais tarde, o teólogo Joseph Ratzinger, na secção cristológica da sua “Introdução ao Cristianismo” (1968), a propósito da relação entre Jesus e a humanidade inteira, dizia sobre Teilhard: “Deve-se atribuir ao grande mérito de Teilhard de Chardin o fato de ele ter repensado essas conexões no quadro moderno do mundo, reorganizando-as de uma maneira nova e, apesar de uma certa tendência não totalmente imune a alguma suspeita de simpatias pelo biologismo, compreendendo-as de maneira exata e também tornando-as novamente acessíveis” [4].
Segundo Ratzinger, o valor da contribuição de Teilhard consiste na compreensão do universo orientado para um ponto transcendente e pessoal, onde o ser humano é “como uma figura que se enquadra em um ‘Superego’, que não o extingue, mas o abraça; ora, é apenas nesse estágio de unificação que pode aparecer a forma do ser humano futuro, na qual o fator humano poderá realmente dizer que alcançou sua meta. Cremos que se possa tranquilamente admitir que aqui, a partir da atual concepção do mundo e certamente com um vocabulário de um sabor às vezes um pouquinho biológico demais, porém, aferrou-se e tornou-se novamente compreensível a abordagem da cristologia paulina” [5].
Para Ratzinger, portanto, é necessário reavaliar a intuição teilhardiana capaz de ver em Cristo-Ômega o ponto de vista unificador e escatológico da humanidade. E, por isso, também se pode “perdoar” a Teilhard a sua simpatia pelo vocabulário “biologista”, e isso porque, do ponto de vista do conteúdo, encontra-se aí uma coerência substancial com a cristologia de Paulo.
A substância da “Advertência” de seis anos antes havia de facto caído. Por fim, notamos que justamente o tema das “conexões”, ao qual Ratzinger se refere, retorna frequentemente na Laudato si’ do Papa Francisco (LS 16; 42; 111; 117; 138).
Sob o pontificado de João Paulo II, temos um documento significativo. Em 1981, precisamente por ocasião do centenário do nascimento de Teilhard, o cardeal Agostino Casaroli enviou, em nome do papa, uma carta a Dom Paul Poupard, mais tarde criado cardeal e então reitor do Institut Catholique de Paris. Essa bela missiva – embora não interviesse sobre os posicionamentos anteriores da Santa Sé – apreciava a tentativa do estudioso jesuíta de conciliar fé e razão, não excluindo “o estudo crítico e sereno, tanto no plano científico quanto no filosófico e teológico, de uma obra fora do comum”.
O próprio João Paulo II posteriormente, em uma carta enviada ao jesuíta George V. Coyne, diretor do Observatório do Vaticano, em 1º de junho de 1988, formulou uma série de perguntas de um sabor plenamente teilhardiano: “Assim como as antigas cosmologias do Oriente Próximo puderam ser purificadas e assimiladas nos primeiros capítulos do Gênesis, a cosmologia contemporânea não poderia ter algo a oferecer às nossas reflexões sobre a criação? Uma perspectiva evolucionista pode contribuir para esclarecer a teologia antropológica, o significado da pessoa humana como ‘imago Dei’, o problema da cristologia e também o desenvolvimento da própria doutrina? Quais são, se houver, as implicações escatológicas da cosmologia contemporânea, especialmente à luz do imenso futuro do nosso universo? O método teológico pode se beneficiar ao assumir as intuições da metodologia científica e da filosofia da ciência?”
Não faltaram pastores que retomaram o pensamento de Teilhard precisamente sobre esses pontos explicitados por João Paulo II. Um deles é, por exemplo, Dom Ägidius Johann Zsifkovics, bispo de Eisenstadt, Áustria, no XIII Sínodo Ordinário dos Bispos sobre “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã” (2012). Em sua intervenção, ele afirmou sobre Teilhard: “Quer gostemos ou não, os fenômenos globais por ele intuídos há mais de 60 anos nos rodeiam hoje. Todos vivemos em um mundo em que se tornou precária a existência não só da pessoa individual, mas também da humanidade inteira. Teilhard via a vida e o universo como um movimento criativo operado por Deus, um movimento que ainda não alcançou sua meta. Estou convencido de que essa visão da Igreja e do mundo pode indicar uma saída da crise e, sobre a divisão existente entre fé e vida, terá um efeito igualmente benéfico quanto sobre os problemas de compreensão entre a razão cristã e a pesquisa tecnológica”.
O bispo continuava assinalando a urgência de uma reflexão sobre o pensamento de Teilhard: “Só uma visão cósmica profunda, abrangente, da Pessoa de Jesus, quando conseguir arrastar consigo a alma do ser humano moderno, não permanecerá individualista, mas constituirá uma comunidade em que esse novo modo de ver seja verdadeiramente vivido, a partir da família e da Igreja doméstica, até às comunidades e às Igrejas locais. E somente quando for vivida é que essa visão poderá constituir um estilo de vida novo, considerado natural e normal, e produzir assim uma nova cultura cristã capaz de permear e de modificar toda a ordem temporal”.
Joseph Ratzinger, tendo se tornado pontífice, citou duas vezes o nome de Teilhard. A segunda vez foi no dia 11 de novembro de 2012, para saudar na Praça São Pedro um grupo de estudiosos que haviam se reunido para estudar seu pensamento: “Estou feliz por saudar os participantes do congresso sobre o Padre Teilhard de Chardin, realizado nestes dias na Gregoriana”.
A primeira vez foi, de forma mais extensa, dentro de uma meditação sobre a oração conclusiva das Vésperas da sexta-feira da VIII Semana do Tempo Comum: “Pai misericordioso, que redimistes o mundo com a paixão do vosso Filho, fazei com que a vossa Igreja se ofereça a vós como sacrifício vivo e santo e experimente sempre a plenitude do vosso amor”. Detendo-se sobre a primeira parte da oração, Bento XVI reconheceu aí uma referência a dois textos da Carta aos Romanos: “No primeiro, São Paulo diz que nós devemos nos tornar um sacrifício vivo (cf. 12,16). Nós mesmos, com todo o nosso ser, devemos ser adoração, sacrifício, devolver o nosso mundo a Deus e transformar assim o mundo. E no segundo, onde Paulo descreve o apostolado como sacerdócio (cf. 15,16), a função do sacerdócio é consagrar o mundo para que se torne uma hóstia viva, para que o mundo se torne liturgia: que a liturgia não seja uma coisa ao lado da realidade do mundo, mas que o próprio mundo se torne uma hóstia viva, se torne liturgia”.
Bento XVI reconheceu que essa era a visão na base do pensamento teilhardiano, afirmando: “É a grande visão que Teilhard de Chardin teve depois: no fim, teremos uma verdadeira liturgia cósmica, em que o cosmos se torna uma hóstia viva. E rezemos ao Senhor para que nos ajude a ser sacerdotes nesse sentido, para ajudar na transformação do mundo, em adoração a Deus, começando por nós mesmos. Que a nossa vida fale de Deus, que a nossa vida seja realmente liturgia, anúncio de Deus, porta na qual o Deus distante se torna o Deus próximo, e realmente um dom de nós mesmos a Deus”.
O Papa Francisco, na sua encíclica Laudato si’, retoma o itinerário de reflexão de seus antecessores, levando-o a cumprimento e inserindo-o na encíclica, um texto que, aliás, foi aprovado por aquela mesma Congregação – então Santo Ofício – que há 53 anos havia emitido a “Advertência”.
Para Francisco, a meta do caminho do universo está na plenitude de Deus, que já foi alcançada por Cristo ressuscitado, fulcro da maturação universal (cf. LS 83). Com sua ressurreição, Cristo guia o desenvolvimento cósmico rumo ao seu cumprimento na parusia.
As reflexões teilhardianas se fazem presentes de forma implícita quando Francisco escreve sobre a Eucaristia: “No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-Lo no nosso próprio mundo. Na Eucaristia, já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito a Eucaristia é, por si mesma, um ato de amor cósmico” (LS 236). E aqui Francisco cita João Paulo II, que expressou o mesmo pensamento teilhardiano em sua encíclica Ecclesia de Eucharistia (2003): “Sim, cósmico! Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja da aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo” (n. 8; LS 236). Aqui João Paulo II citava o célebre livro de Teilhard, “Missa sobre o mundo” (1923), escrito no deserto de Ordos, na China.
A Eucaristia, continua Francisco, “une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação. O mundo, saído das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena adoração: no Pão Eucarístico – continua Francisco citando Bento XVI literalmente – ‘a criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador’ (Bento XVI, Homilia na Missa do Corpus Domini, 15 de junho de 2006)” (LS 236).
Essa conexão entre a Eucaristia e o cosmos está enquadrada no caminho do universo para a plenitude de Deus [6]. Ela destaca a conexão entre o sacerdócio cristão e a “liturgia cósmica”, que inclui Cristo ressuscitado como plenitude, fulcro da maturação universal.
O metropolita de Pérgamo, Ioannis Zizioulas, que foi convidado pelo pontífice para apresentar oficialmente sua carta encíclica Laudato si’, expressou com clareza, em uma das nossas entrevistas, como a figura do sacerdote é a mais pertinente para dizer a tarefa do ser humano diante do cosmos [7].
Precisamente sobre esse tema eucarístico e sacerdotal, Pierre Teilhard de Chardin molda uma linguagem poética, porque, diante daquilo que ele contempla, não silencia sua capacidade imaginativa e representativa, mas curva seu discurso em forma de oração poética, que justamente por isso tem potência especulativa.
Não temos medo de reconhecer Teilhard como irmão de Dante, assim como de um grande poeta cristão como Mario Luzi, que foi um ávido leitor de Teilhard [8].
Em uma meditação intitulada “Le prêtre”, o pensador jesuíta oferece uma visão sacerdotal sobre a realidade que se desdobra como uma obra em quatro movimentos. Depois, ele mesmo a aprofundará várias vezes e em vários lugares. Teilhard escreveu esse texto em 1918, em plena guerra mundial: ele tinha 37 anos, era sacerdote há sete e vivia como padre-soldado no front como maqueiro.
Queremos nos concentrar nessa meditação, cujos conteúdos reencontramos em filigrana em algumas reflexões dos últimos pontífices [9].
A visão se abre com um contraste fortíssimo de vazios e de plenitudes: o sacerdote não tem nem pão nem vinho, mas é precisamente devido a esse vazio de elementos que ele estende as mãos sobre a “totalidade do Universo” (p. 19), por meio das quais a matéria do sacrifício se torna sua dimensão imensa. Teilhard vê essas mãos que se estendem com sua potência consacratória, e a atenção imediatamente se volta para essa matéria.
E o que ele vê? Aquilo que Luzi gostava de chamar de “magma” – é o título de uma de suas coletâneas – e que originalmente para Teilhard é “o cadinho efervescente, em que se misturam e fervilham as atividades de todas as substâncias vivas e cósmicas” (ibid.). As mãos do sacerdote se estendem sobre essa efervescência de forças que fervilham: sobre a vida.
Em Teilhard, há uma tensão ao todo, à síntese, que obriga o leitor dessas páginas a ter um olhar amplo, capaz de abarcar toda a realidade como em um relance. A visão interior deve ser exercitada, e por isso as palavras requerem uma leitura fluida, mas muito calma, para captar a intuição mística que é uma “maneira de olhar o Mundo” (ibid.).
Nisso, há pluralidade e incoerência, mas o olhar sacerdotal vê sua unidade viva, o “círculo infinito das coisas”, que é “a Hóstia definitiva que Vós quereis transformar”, escreve Teilhard; o pulular de suas atividades é “o cálice doloroso que Vós quereis santificar” (ibid.). O título dessa “obra” em quatro movimentos é, justamente, Consagração.
Então, o sacerdote é aquele que sabe dar cumprimento último às coisas. Pronunciar as palavras: “Isto é o meu Corpo” sobre o pão eucarístico significa deixar cair o obstáculo que impede que Deus chegue à Criação. O pão eucarístico é feito de grãos de trigo prensados e moídos; o próprio pão foi partido antes de ser consagrado na Última Ceia. Essas forças de pressão e de fratura são direcionadas ao crescimento, à elevação. A Presença eucarística diviniza o real, e a “potência plasmática” (p. 24) do Verbo desce sobre o mundo para vencer “seu nada, sua malignidade, sua vaidade, sua desordem” (ibid.).
Teilhard conclui: “O Cristo é o aguilhão que incita a criatura no caminho do esforço, da elevação, do desenvolvimento” (p. 26).
Como fica claro, essas páginas oferecem uma visão do mundo e do significado de seu desenvolvimento e das tensões que o agitam. Nessa visão, Deus ilumina as coisas a partir de dentro: é como a luz que faz o nosso olho ver as cores e as nuances do alabastro.
O sacerdote que lê as páginas de Teilhard é fortemente incitado a olhar a realidade de modo diferente, a se por no mundo de uma maneira nova, a compreendê-la com categorias diferentes e a adorar a Deus: esse é o segundo movimento, a Adoração.
Não há migalha de realidade que não possa ser reencontrada na plenitude de Deus. Vice-versa, é possível “procurar e encontrar Deus em todas as coisas”, como escrevera Santo Inácio de Loyola em seus Exercícios Espirituais.
Teilhard reafirma essa convicção com poderosos ecos bíblicos, escrevendo: “Misturado com toda a atmosfera criada, Deus está a meu redor e me cerca” (p. 29). Nessa fulgurante meditação que a poesia e a espiritualidade sempre assumiram – de Pascal dos “Pensieri” ao Foscolo do “Ortis”, a Whitman e ao primeiro Ungaretti – expressa-se a real posição do ser humano sobre a terra. De fato, ela parece ser a resposta ao Foscolo leitor de Pascal, que escreve no “Ortis”: “Não sei porque vim ao mundo; nem como; nem o que é o mundo: nem o que eu mesmo sou. […] Por todas as partes, não vejo nada além de infinidades que me absorvem como um átomo” [10]. Sobre essa meditação, descem as palavras de Teilhard que repetimos: “Misturado com toda a atmosfera criada, Deus está ao meu redor e me cerca” (ibid.).
Só que em alguns autores o caminho a seguir a partir dessa intuição é a ascese, o nada, a via negativa ou até uma retirada petrarquiana ao secretum. Para Teilhard, porém, o caminho é positivo. Sua referência é à terra, em uma tentativa de fazer compreender que todos os seus “gostos mais requintados” (p. 32) não devem ser simplesmente deixados para trás, mas reencontrados em Deus.
Aqui parece que o jesuíta quer se encarregar das reivindicações daqueles que não compreendem o sentido da realidade sem levar em consideração seriamente – e muito além do hedonismo – aquilo que Gide chamava de les nourritures terrestris.
Jesus é “Plenitude” (ibid.), é a plenitude do meu ser pessoal (plenitudo entis mei), não a utopia de algo que se alcança diminuindo, aplacando o impulso vital bom de cada ser humano: “Em Ti, e só em Ti, como em um abismo sem limites, as nossas potências podem se impulsionar e se expandir – dar a sua plena medida –, sem colidir contra nenhuma barreira” (ibid.). Jesus “desperta” (ibid.) a alma e as energias. Seria simplista ler essas palavras de uma forma exteriormente vitalista.
Se levarmos a sério as palavras de Teilhard, com ele chega-se a compreender que gozar das energias fervilhantes da criação – isto é, da nossa vocação como criaturas – significa libertar-nos de sua busca egoísta para alcançar um “rigoroso desapego” (p. 34) dos vínculos e da possessividade: vê-se tudo, porque todas as coisas são iluminadas por dentro pela luz de Cristo. Tudo é diáfano. Aqui está o apelo a levar a sério as palavras do Evangelho de João: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Essa amplitude de visão é circular, de 360 graus, e abre o olhar e a respiração. A vida do sacerdote é uma vida dedicada “a uma obra de salvação universal” (p. 47), não a ser um funcionário ou um burocrata do sagrado. Para Teilhard, o sacerdote é chamado por vocação a respirar Deus e a percebê-lo – segundo a consideração paulina sobre o Pleroma – como Pessoa, mas também como Mundo (cf. p. 35). Teilhard escreve sobre a Eucaristia: “A pequena Hóstia inerte tornou-se aos meus olhos tão vasta quanto o Mundo, tão devoradora quanto um braseiro” (p. 37f).
Quando ele fala em braseiro, ele pensa no fogo, mas seu fogo não se destrói em uma amálgama. Seu pensamento não é hegeliano. Pelo contrário, ele faz existir as diferenças e as individualidades: “Tu não destróis os seres que adotas, ó Senhor. Mas os transformas conservando tudo o que os séculos da criação elaboraram de válido neles” (p. 47).
Somente em Deus é possível essa coincidentia oppositorum entre unidade e diferenças. E é uma unidade que se realiza na pessoa, não apenas no desenvolvimento histórico dos sistemas: “Sinto – confessa Teilhard – o esforço total do Universo agindo no ponto mais secreto do meu ser” (p. 39). “Tu me amassas, ó Senhor; Tu moldas e Tu espiritualizas minha argila informe; Tu me transformas em Ti...” (p. 38).
O mistério da Eucaristia, para Teilhard, está intrinsecamente em relação com o mistério do Universo. Eis o terceiro movimento de sua obra: Comunhão. Comungar é estar em comunhão com o devir, isto é, estar em comunhão com Cristo por meio de todas as circunstâncias de uma vida que caminha rumo à comunhão total do Universo inteiro reunido na totalidade de Deus, “tudo em todos” (1Cor 15,28).
Por esse motivo, a vocação do sacerdote não tem fronteiras nem recintos, supera as dimensões de um rebanho ordenado e composto em um recinto bem defendido do “mundo”, dos “outros” que não são do rebanho. O pastor, na visão teilhardiana, vai até à cova do lobo: “Levar o Cristo, em virtude dos vínculos propriamente orgânicos, para o próprio coração das Realidades consideradas mais perigosas, mais naturalistas, mais pagãs, eis o meu evangelho e a minha missão” (p. 48). Esse é o quarto movimento da reflexão teilhardiana: o Apostolado.
Para maior clareza, eis a indicação que o sacerdote recebe: “Aos que são medrosos, tímidos, pueris ou tacanhos em sua religião, quero recordar que o desenvolvimento humano é exigido pelo Cristo para o seu Corpo, e que existe, em relação com o mundo, um dever absoluto de pesquisa” (p. 49).
O sacerdote é um químico que mergulha nas coisas do mundo e delas “extrai” (p. 52) o que elas contêm de vida eterna. Não é um químico de “laboratório”, mas um químico que mergulha nas reações e faz parte delas. Não é, portanto, um observador nem simplesmente um catalisador.
Mais tarde, Teilhard aprofundaria o senso de dever da pesquisa para o sacerdote. Sentindo-se movido por um apelo do Superior Geral de sua Ordem, ele se perguntaria: “Por que é importante, especialmente para nós, jesuítas, participar da Pesquisa humana até penetrá-la e impregná-la da nossa fé e do nosso amor por Cristo?”. A sua resposta é: “Porque a Pesquisa é a forma sob a qual o poder criador de Deus se dissimula e opera mais intensamente na Natureza ao nosso redor. […] Portanto, o lugar de nós, sacerdotes, é exatamente no ponto de emergência de cada verdade e de cada nova potencialidade: para que Cristo dê forma a cada crescimento do Universo em movimento, por meio do Homem” [11]. Aqui o pensamento de Teilhard torna-se luminoso e vê o sacerdote au point d’émergence de toute puissance nouvelle.
Aqui também se encontra mais bem especificada a vocação sacerdotal de um religioso que fez os votos de pobreza, castidade e obediência: “Quero recuperar na renúncia aquilo que da chama celestial está contida na tríplice concupiscência – santificar, na castidade, na pobreza e na obediência, a potência contida no amor, no ouro e na independência” (p. 52). E a visão da Igreja em Teilhard tende claramente a coincidir com sua missão no mundo: a Igreja é chamada a compreender a si mesma também à luz de sua experiência na história, porque nesse devir Deus está presente de forma sempre operosa.
* * *
Eis então a “função universal” do sacerdote segundo Teilhard, jovem padre-soldado que nas trincheiras – e não diante de paisagens campestres ou idílicas – pretende fazer “a oferenda a Deus do Mundo todo inteiro”. Essa meditação teilhardiana poderá ajudar a compreender melhor o sentido da vocação sacerdotal como parte daquilo que o Papa Francisco apresenta como o caminho de maturação do universo rumo à plenitude de Deus, que já foi alcançada por Cristo ressuscitado (cf. LS 83).
1. Pierre Teilhard de Chardin nasceu em França, em Sarcenat, em 1º de maio de 1881. Entrou na Companhia de Jesus em 1899 e foi ordenado sacerdote em 1911. Participou na Primeira Guerra Mundial como maqueiro e, por seu heroísmo, foi condecorado com a Legião de Honra. Lecionou geologia no Institut Catholique de Paris, mas, devido à sua orientação evolucionista, teve que deixar a França. De 1926 a 1946, sua vida transcorreu na China, onde realizou pesquisas e estudos paleontológicos que lhe deram fama internacional. Depois da Segunda Guerra Mundial, retornou a Paris. Viajou várias vezes para a América do Norte e para a África do Sul. Por fim, mudou-se para os Estados Unidos. Morreu em Nova York em 10 de abril de 1955, no Domingo de Páscoa, como ele desejava. É autor de numerosos estudos científicos. Grande parte de suas obras de conteúdo filosófico-religioso apareceram após sua morte e foram traduzidas para muitas línguas.
2. P. Teilhard de Chardin, Il sacerdote, Bréscia: Queriniana, 2015, 47.
3. Ch. Schönborn, Ziel oder Zufall? Schöpfung und Evolution aus der Sicht eines vernünftigen Glaubens, Freiburg im Breisgau: Herder, 2007 (tradução italiana: Caso o disegno? Evoluzione e creazione secondo una fede ragionevole, Bolonha: Edizioni Studio Domenicano, 2007).
4. J. Ratzinger, Introduzione al cristianesimo, Bréscia: Queriniana, 2003, p. 187, grifo nosso.
5. Ibid., p. 189.
6. A esse propósito, deve-se ler I. Zizioulas, Il creato come eucaristia. Approccio teologico al problema dell’ecologia, Bose: Qiqajon, 1994.
7. Cf. A. Spadaro, “Liturgia cosmica ed ecologia. Intervista al Metropolita ortodosso Ioannis Zizioulas”, in Civiltà Cattolica, 2015 III 164-176.
8. Cf. M. Luzi, Nell’opera del mondo, Milão: Garzanti, 1979.
9. P. Teilhard de Chardin, Il sacerdote, cit. As citações das páginas no texto se referem a essa edição.
10. U. Foscolo, Le ultime lettere di Jacopo Ortis, Carta de 20 de março de 1799.
11. P. Teilhard de Chardin, La scienza di fronte a Cristo. Credere nel Mondo e credere in Dio, San Pietro in Cariano: Il Segno dei Gabrielli, 2002, p. 231.
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O sacerdote e a “maturação universal”. Pierre Teilhard de Chardin sobre a Eucaristia e o cosmos. Artigo de Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU