07 Agosto 2023
Padre Mauro Armanino vive em Niamey desde 2011 onde lida com migrações, comunidade de bairro, formação, além de coordenar a presença local de sua congregação, a Sociedade das missões africanas (Sma). Ele não deixou a Libéria na época da guerra civil e agora permanece no Níger.
A entrevista é de Marinella Correggia, publicada por Il manifesto, 05-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 3 de agosto de 1960, o Níger proclamou a independência da França. Como os nigerinos veem hoje a destituição do presidente Mohamed Bazoum?
Os cidadãos comuns estão preocupados tanto com o contexto regional que ameaça uma intervenção armada para o retorno à "legalidade constitucional”, quanto com o crescimento exponencial do preço dos alimentos cotidianos. Para a maioria dos nigerinos – especialmente aqueles que têm pouco a perder – o que aconteceu é uma relativa boa notícia, porque pode potencialmente embaralhar as cartas em jogo. Aqui, pelo menos, estamos cientes de nossos limites e possibilidades, enquanto em outros lugares se finge que a democracia seja imutável e garantida. Nos últimos anos, se socializou a pobreza, se privatizou a riqueza e se generalizou a gestão corrupta da coisa pública por filiação partidária. A eleição presidencial de 2021 foi vencida por Bazoum de forma fraudulenta. O Níger há tempo figura inexoravelmente no último ou penúltimo lugar no índice de desenvolvimento humano e, recentemente, também naquele da pobreza multidimensional. E aumenta a estratificação de classe.
O descontentamento popular também diz respeito às responsabilidades francesas na difusão do terrorismo após a guerra na Líbia em 2011?
A União Africana e o então presidente Issoufou Mahamadou haviam colocado em guarda os líderes ocidentais sobre atacar a Líbia de Gaddafi. As consequências da guerra pela área foram desastrosas em todos os âmbitos: econômico, geopolítico e de segurança. No Níger a insegurança ligada a grupos armados de vários tipos, embora menos dramática do que em alguns países vizinhos como Mali, Burkina Faso e Nigéria, ainda hoje é grave dentro das chamadas “três fronteiras”, bem como em torno do Lago Chade. A operação Barhkane, liderada pela França após a conclusão de Serval no Mali, encontra a sua base no Chade e sobretudo no Níger. Aqui agora estão presentes os militares dos EUA, com um aeroporto para drones em Agadez e bases militares EUA, francesas, italianas e alemãs. Alguns grupos da sociedade civil tentaram, sem sucesso, expressar seu dissenso (em particular pela arrogante presença francesa), resultando em intimidações e prisões.
Outra questão aguda é aquela migratória.
Por um lado, assistimos à externalização das fronteiras europeias, que chegam até o Níger, de outro, as expulsões de parte das autoridades tunisianas, argelinas e líbias. Isso implica, como é conhecido, o "estacionamento" de milhares de migrantes na fronteira com a Argélia, em Assamaka, Arlit e Agadez.
E muitos outros estão "confinados" à capital Niamey porque a Organização Internacional das Migrações (IOM), cuja missão é facilitar o retorno dos migrantes ao seu país de origem, não tem a capacidade de fazê-lo em tempos razoáveis. Portanto, estes sobrevivem em condições que beiram a mera sobrevivência. E a retaliação econômica pelo Cedeao (Comunidade dos Estados da África Ocidental) corre o risco de tornar a vida dos migrantes ainda mais precária.
Mali e Burkina, bem como Guiné, Argélia, Mauritânia e outros, alertam a França e a Cedeao contra qualquer intervenção militar. O que você espera?
A obstinação da Cedeao com este último golpe depende da pressão de alguns países ocidentais que de fato o financiam. O aspecto dos recursos – urânio e outros – importa, mas é aquele ideológico e geopolítico que me parece mais significativo. Se a autonomia de um país se torna soberania real, então muda o roteiro do teatro em que até o Sahel é ator e coadjuvante ao mesmo tempo.
A área em laranja abrange o território do Sahel (Mapa: stepmap.de)
O que a Itália deveria fazer?
O que nunca fez até agora e que provavelmente, dados os ventos que sopram na península e na Europa, não fará. Colocar-se com humildade a serviço do povo nigerino e não dos ambíguos dirigentes do mesmo, aprender a ouvir com respeito uma outra sociedade, história e cultura. E dissociar-se da perspectiva de qualquer tipo de intervenção armada destinada a restabelecer um regime que de democrático só tinha o nome.
Pode se vislumbrar um novo caminho para o Sahel?
O caminho do Sahel passará pelo árduo caminho do renascimento de uma classe política digna desse nome e capaz de colocar o povo no centro da política e da economia: a maioria nos nossos países. No Níger há uma presença marcante de jovens, é o país mais jovem do mundo: esse é um grande sinal de possível esperança, desde que sejam criados âmbitos educativos que gerem canteiros de transformação da sociedade. A dignidade dos povos terá que se traduzir em soberania real dos cidadãos a quem pertence. Por fim, o âmbito religioso, tão importante nessa porção do mundo, deveria ser capaz de realizar o que é chamado a ser: a profecia de um mundo diferente e não a confirmação do poder dos poderosos.
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“África Ocidental contra golpistas, são pressões ocidentais”. Entrevista com Mauro Armanino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU