30 Novembro 2022
"A reforma da Igreja deve partir justamente da opção da fraternidade, que exige uma verdadeira conversão eclesial! Caso contrário, não tem sentido reunir-se no mesmo lugar para a Eucaristia, não tem sentido a pregação do Evangelho, resulta desprovido de autoridade e fecundidade o testemunho. É justo que se insista tanto na escuta, mas em vista da fraternidade, aquela que torna tão 'bom e suave que os irmãos vivam juntos" (Sl 133,1)'", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, dezembro de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 27 de outubro de 2022 foi apresentado numa coletiva de imprensa o Documento para a etapa continental do Sínodo sobre a Sinodalidade, com o tema: Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. O cardeal Mario Grech ressaltou que o documento é uma restituição fiel das sínteses das várias conferências episcopais, enquanto outros tentaram ilustrar sua estrutura e intuições. As Igrejas podem assim colocar-se à escuta uma da outra, tendo em vista das assembleias continentais que se realizarão no próximo ano.
O documento é o testemunho de uma novidade absoluta na história de todas as Igrejas, e não só da católica: pela primeira vez foi ouvida a voz do povo de Deus antes de tomar decisões para a vida da Igreja. Algumas paróquias, comunidades e grupos, lugares de pesquisa teológica e pastoral, bispos, presbíteros e fiéis puderam tomar a palavra na ecclesia, e manifestar o que o sensus fidei que os habita lhes sugere na força do Espírito Santo. Não que tudo tenha acontecido com aquela plenitude de envolvimento que o Papa Francisco esperava, mas a participação registrada continua sendo notável, apesar do desinteresse de algumas parcelas eclesiais; continuam importantes a escuta e o diálogo, apesar da ausência dos jovens e dos tradicionalistas em algumas Igrejas.
Não era fácil elaborar um documento desse tipo, que não se propunha ser uma síntese de todas as instâncias, mas devia apresentar um conjunto de instâncias expressas, estas sim, sinteticamente. Pode-se ler nele também a vontade de não esconder, de não calar as vozes que poderiam parecer inaceitáveis pelos padres sinodais como decisões no final do percurso: mas se trata de vozes ousadas, diversas, que, mesmo não expressas por maiorias, tinham que ser registradas e compartilhadas em nível de Igreja universal. Além do Papa Francisco, à frente do Sínodo, por enquanto, estão um Relator, o Cardeal Hollerich, e um Secretário, o Cardeal Grech, que aderiram de modo inteligente a essa iniciativa profética.
No entanto, permitam-me também fazer algumas observações. Em primeiro lugar, também nesse documento foi seguida uma tendência dominante há décadas, a de propor o chamado "ícone bíblico". Infelizmente, isso é feito de modo superficial em muitas ocasiões. No nosso documento recorre-se a uma profecia de Isaías que, no tempo do final do exílio, convida Jerusalém a alegrar-se e a alargar o espaço da tenda para a libertação e o renascimento que Deus lhe concede.
Já aplicar essa imagem à Igreja hoje, numa fase de diminuição e de recessão da fé, certamente causa estranheza. Mas, além disso, ler a Igreja até como tenda da reunião ou do encontro é errado porque nela, que contém a presença-Shékinah de Deus, o povo não entrava, nem mesmo os sacerdotes, exceto Moisés e mais tarde o sacerdote dos sacerdotes uma vez por ano no Dia da Expiação. Até mesmo afirmar que a Igreja, antes dessa convocação sinodal, estava no exílio me parece temerário: a Igreja está sempre no exílio, até a vinda do Reino e daquele que Virá, o seu Senhor!
Confesso também que o ponto 2 do Documento, Na escuta das Escrituras, continua sendo decepcionante, porque não põe em evidência o primado e a hegemonia da Palavra na vida da Igreja. Tal primado já havia sido afirmado nos documentos conciliares e na Verbum Domini de Bento XVI, mas aqui merecia uma clara proclamação. Há meio século, nossas palavras parecem dobrada à lógica eclesiocêntrica, quase como se houvesse uma incapacidade de colocar Jesus Cristo, o Senhor, no centro, e isso deveria nos questionar também sobre o caminho do Sínodo!
Passemos, porém, a ler algumas indicações proféticas do documento. A primeira é a fraternidade, que aparece como a tarefa primeira da vida cristã na história e no mundo. Infelizmente, esquecemo-nos de que entre os nomes que o Novo Testamento atribui à Igreja está adelphótes, fraternidade (cf. 1Pd 2,17; 5,9), que é a sua essência. Se os cristãos querem levar a sério o seguimento do Senhor e a missão, devem absolutamente viver a fraternidade, que exige o encontro, a escuta, o reconhecimento, a troca de dons e, portanto, o amor fraterno. Uma fraternidade que não conhece fronteiras e limites, mas só pode ser concebida, gerada por crentes que participam do único corpo do Senhor!
A reforma da Igreja deve partir justamente da opção da fraternidade, que exige uma verdadeira conversão eclesial! Caso contrário, não tem sentido reunir-se no mesmo lugar para a Eucaristia, não tem sentido a pregação do Evangelho, resulta desprovido de autoridade e fecundidade o testemunho. É justo que se insista tanto na escuta, mas em vista da fraternidade, aquela que torna tão "bom e suave que os irmãos vivam juntos" (Sl 133,1). Se fosse procurada, em primeiro lugar, a fraternidade que é afeto recíproco, fim do isolamento, acolhimento do outro, então também aqueles que escolheram por não participar no processo sinodal se deixariam envolver, atraídos por essa forma de viver a Igreja, tão procurado e desejado em um mundo desgastado e anônimo.
No capítulo 3 ilustra-se a missão da Igreja, concebida como encontro com a humanidade evitando a tentação de excluir, erguer muros, marcar fronteiras. Uma Igreja que acolhe sem julgar, que discerne os excluídos e os procura; uma Igreja dotada de particular sensibilidade para reconhecer os necessitados, os que sofrem no corpo e no espírito; uma Igreja que anuncia o perdão aos que pecaram sem emitir condenações. Infelizmente, desde o seu nascimento, a Igreja viveu a exclusão de parte dos judeus e, posteriormente, assim que recebeu um reconhecimento do mundo, tornou-se excludente. Pecadores, divorciados, hereges, pessoas com histórias de amor não conformes com a moral cristã... conheceram apenas o rosto de uma Igreja madrasta e de um Deus espião, que anota os pecados, pronto para sancioná-los em nome de uma justiça elaborada com rigidez por servidores da lei e por algozes eclesiásticos.
Mas a voz do Espírito, que fala através do povo santo de Deus, eleva-se de todas as terras, das culturas diversas e faz-se ouvir em todos os lugares com posições diversificadas e, ao mesmo tempo, capazes de convergir para algumas urgências, como o pleno reconhecimento da subjetividade das mulheres na Igreja, a participação dos fiéis nas responsabilidades e no governo através do discernimento comunitário, a possibilidade de anunciar o Evangelho reconhecida aos fiéis que têm o dom da pregação. Também o pedido de uma leitura da sexualidade, que seja fiel à palavra de Deus, mas também capaz de acolher a antropologia emergente, não deve assustar, mas ser levada a sério, para que se possa oferecer uma palavra convincente aos homens e às mulheres de hoje.
Outra instância muito difundida, bem expressa pelos bispos franceses, diz respeito à liturgia, que seja inculturada nas diversas Igrejas, capaz de envolver os fiéis com palavras e sinais forjados para o homem de hoje. Assim como muitas vezes é celebrada, a liturgia eucarística afasta, não atrai, não cria fraternidade. O povo de Deus almeja que bispos e presbíteros inaugurem uma nova forma de se relacionar com os fiéis, superando o clericalismo e aquela lógica sutil de quem está sempre no centro da comunidade, obscurecendo sem querer a centralidade primacial do Senhor Jesus Cristo.
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A verdadeira reforma da Igreja se dá a partir da fraternidade. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU