29 Novembro 2022
Para implementar a sobriedade, como devemos agir e por onde começar? As respostas das sociólogas Dominique Méda e Sophie Dubuisson-Quellier para esta parte do nosso dossiê Sobriété, ça va faire mal? (Sobriedade, isso vai doer?)
Dominique Méda é socióloga (Paris Dauphine) e copresidente do Fórum para Outros Indicadores de Riqueza (FAIR).
Sophie Dubuisson-Quellier é socióloga e trabalha no Centro de Sociologia das Organizações (CNRS-Sciences Po Paris).
A entrevista é de Céline Mouzon, publicada por Alternatives Économiques, 26-11-2022. A tradução é do Cepat.
Sair de uma sociedade do hiperconsumo significa mudar os desejos de toda uma população. Como se faz isso?
Dominique Méda: O desafio é conseguir orientar os nossos desejos para algo diferente daquilo em que se concentram hoje: em vez de bens materiais de consumo com vocação ostensiva, devemos ser capazes de desenvolver atividades estimulantes, úteis e com uma forte dimensão coletiva. Não conseguiremos isso sem uma mudança radical em nosso sistema de valores, à semelhança do que ocorreu com a Modernidade. Se desde a Antiguidade a temperança era uma virtude, individual e coletiva, o século XVIII a desacreditou, promoveu a ultrapassagem dos limites e passou a venerar a produção. Produzir e consumir tornaram-se as marcas da civilização.
Hoje, precisamos de outra mudança: de novos modelos, novos estilos e personalidades exemplares. Mas também substituir o objetivo do crescimento (do PIB, dos lucros, do volume de negócios, etc.) por objetivos mais concretos: emprego, saúde, qualidade dos produtos, satisfação das necessidades de todos. É o que chamamos com Florence Jany-Catrice de sociedade pós-crescimento.
Sophie Dubuisson-Quellier: Fazendo a pergunta dessa forma, temos a impressão de que se estamos hoje em uma situação aberrante, é por causa dos desejos descontrolados dos consumidores. O ponto de partida, portanto, não é este, mas está em uma organização social e econômica baseada na fartura que se impôs com a revolução industrial. Como sociedade, considerávamos que a única forma de alcançar níveis de riqueza suficientes para os indivíduos e os Estados era ter níveis de produção muito elevados, possibilitados pelo acesso fácil aos combustíveis fósseis e pela não consideração dos danos causados à natureza.
O crescimento contínuo da produção e, portanto, do consumo é uma necessidade da nossa economia. Os indicadores macroeconômicos no nível do Estado e os indicadores de direção nas empresas travam esse sistema. Inclusive indicadores individuais: “Tenho acesso a um imóvel”, “Parto de férias” são sinais de sucesso social. Nosso superconsumo é apenas o corolário do sistema produtivo que implantamos. Uma parte considerável do preço dos produtos é consagrada às atividades que permitem vendê-los. Fabricar mais permite economias de escala nesses custos de venda. O sistema embala e se reproduz.
A sobriedade consiste em mudar a arquitetura geral. Hoje, temos políticas de sobriedade que são injunções à moderação pontual com um apelo à responsabilidade dos cidadãos. No entanto, precisamos de políticas que criem as condições sociais e econômicas para a sobriedade: permitir que todos tenham acesso a moradias isoladas de maneira correta, a modos de transporte livres de carbono para evitar a dependência do carro. Estas políticas afetam o ordenamento do território, a regulação da expansão urbana, os investimentos nos transportes coletivos e a renovação energética das construções. Elas exigem planejamento, com uma trajetória, marcos e meios para verificar se estamos no caminho certo.
Uma das alavancas da mudança diz respeito a modelos econômicos alternativos. Sabemos recriar regimes de valor que não dependam de economias de escala? Hoje, nos setores de bens de consumo, produzimos mais do que sabemos consumir, o que resulta em desperdício de recursos e em altos níveis de emissões. Mas como este desperdício não tem custos e estes níveis de emissão não estão integrados como um risco para a sustentabilidade destas atividades, nada muda. Podemos imaginar outra economia capaz de levar em conta esses impactos e garantir níveis de prosperidade e bem-estar coletivos e individuais?
Precisamos, para isso, mudar nossas instituições?
Sophie Dubuisson-Quellier: O desafio é coletivo. Precisamos de espaços de deliberação coletiva que funcionem. Apesar de exemplos como o Conselho Econômico, Social e Ambiental ou a Convenção Cidadã do Clima, essas questões não são debatidas em nossas instituições parlamentares. Isso não significa que elas não possam lidar com esses problemas. Tentemos fazê-los trabalhar nisso. Quais são os nossos objetivos comuns? O que valorizamos? Como o integramos em nossas decisões políticas e cotidianas?
Dominique Méda: É impossível implantar políticas de sobriedade no contexto da atual organização social. Nossas estruturas cognitivas e intelectuais, nossos sistemas de contabilidade, nossas instituições políticas e econômicas nos impulsionam a produzir e consumir cada vez mais. Com as nossas contas nacionais e a nossa referência incessante ao produto interno bruto (PIB), consumir é um dever social. O consumo é um dos principais motores do crescimento. Além disso, o capitalismo, com sua lógica de acumulação e busca do lucro máximo, está em total contradição com a autolimitação que a sobriedade exige.
A concorrência e a competição cada vez mais acirradas reforçam a lógica da rivalidade e da ostentação que o economista americano Thorstein Veblen havia destacado e dificultam a indispensável cooperação. A questão é saber, por um lado, se será suficiente mudar os indicadores e regular fortemente o capitalismo e, por outro lado, se isso é possível em um único país. Na atual organização, onde prevalece a globalização desregulada e a livre circulação de capitais, o risco é que as empresas saiam dos países que ensaiarem tal mudança e estes sejam colocados em dificuldades.
Como levar em consideração a globalização? Devemos optar pelo protecionismo?
Dominique Méda: Podemos, sem dúvida, adotar algumas medidas em nível nacional. Os 157 bilhões de euros de ajuda pública às empresas deveriam ser condicionados e reservados àquelas cuja produção seja social e ecologicamente adequada. Podemos também implantar as políticas públicas ecológicas já mencionadas. Mas isso requer investimentos massivos, o que significa aumentar nosso déficit ou aumentar os impostos sobre as famílias mais ricas e tributar os lucros corporativos inesperados. Mas certamente precisaremos criar mecanismos de proteção, preferencialmente a nível da Europa, sob pena de sofrermos represálias de outras regiões.
Sophie Dubuisson-Quellier: Houve momentos de audácia política no passado. Não podemos insultar o futuro excluindo esta opção. Hoje, o que impede os chefes de Estado europeus, se quiserem deixar um rastro na história, de acordar diferentes políticas, por exemplo, no campo agrícola? O Tribunal de Contas Europeu demonstrou que a política agrícola comum financia majoritariamente medidas com baixo potencial de mitigação das alterações climáticas.
Como garantir que uma política a favor da sobriedade não aumente as desigualdades?
Dominique Méda: A luta contra as desigualdades é uma das principais políticas ecológicas. Se não apoiarmos a reconversão ecológica, haverá resistências. Já podemos ver que a extrema direita está tirando proveito disso. É por isso que é imperativo consagrar quantias volumosas a investimentos e apoios para o que se assemelha a uma reestruturação gigantesca, a ser realizada em muito pouco tempo. Dos 30 a 60 bilhões de euros por ano necessários para a transição, uma parte deve dizer respeito a apoios, quer se trate de organizar a reconversão de empresas e postos de trabalho, quer de ajudar as famílias a enfrentar os aumentos dos preços. Esses valores devem ser direcionados aos mais modestos, sendo um dos desafios ter sucesso nessa identificação.
Sophie Dubuisson-Quellier: As desigualdades sociais são um obstáculo às políticas de sobriedade. Muitas destas famosas mudanças de estilo de vida não são acessíveis a todos: instalar uma bomba de calor, adquirir um veículo elétrico ou ter uma alimentação saudável e ecológica têm um custo. Se os objetos devem durar mais, seu preço aumentará. A sequência dos coletes amarelos mostrou isso: o debate não é tanto sobre contribuições desiguais para as emissões, mas sobre contribuições desiguais para os esforços.
Os mais ricos, mas também boa parte da classe média, podem reduzir mais facilmente seu consumo de energia do que os 20 milhões de precários em energia que não atingem os 19°C. A noção de sobriedade, na literatura científica, refere-se à questão da justa distribuição dos recursos e dos esforços, muito mais do que a pequenos gestos da população para gerir uma situação de escassez. Daí a importância de contar com espaços democráticos para responder à questão da distribuição dos esforços.
O que fazer com a publicidade?
Sophie Dubuisson-Quellier: Este mundo profissional é, pelo menos desde a Grenelle do Meio Ambiente, questionado pela responsabilidade que tem na aceleração do consumo. No entanto, a publicidade também deve ser considerada em um sistema mais global e complexo. Nós produzimos em excesso. A publicidade é o braço forte para vender essa produção em massa. Agir apenas sobre a publicidade pode não ter efeitos significativos se continuarmos produzindo em grandes quantidades. No entanto, isso não impede que esses atores reflitam sobre seu papel.
Dominique Méda: A publicidade desempenha um papel central em despertar desejos. Um relatório recente do Instituto Veblen coloca seu custo em 34 bilhões de euros por ano, um custo que é repassado aos consumidores. É preciso ser muito mais intervencionista. As medidas propostas pela Convenção Cidadã do Clima, que previu a proibição da publicidade de alguns produtos altamente poluentes, como os utilitários esportivos, são necessárias. Também se faz necessário reduzir sua distribuição, a começar pelo número e tamanho das telas luminosas.
A necessária sobriedade nos dispensa de acelerar em tecnologias que permitam descarbonizar, como as turbinas eólicas ou o carro elétrico?
Sophie Dubuisson-Quellier: Ainda precisamos de tecnologias, por exemplo, para a mobilidade. Mas as soluções não serão apenas tecnológicas. As ciências sociais são pouco mobilizadas quando falamos de transição, embora forneçam uma compreensão detalhada dos mecanismos sociais e políticos para desencadeá-la. Por exemplo, o fato de a insustentabilidade das decisões hoje tomadas se dever, em grande parte, aos nossos instrumentos de medição macroeconômica e de gestão do desempenho empresarial.
Dominique Méda: Com muita frequência, os modelos desenvolvidos pelos economistas deram lugar de destaque às soluções tecnológicas, à crença no gênio humano. Lembremo-nos de como o economista americano William Nordhaus rejeitou o relatório Meadows (1972), argumentando que seria mais barato intervir quando a mudança climática estivesse acontecendo e nos ajudou a desperdiçar cinquenta anos.
Hoje, não temos o direito de apostar que o hidrogênio ou a fissão nuclear nos salvarão, como no cenário 4, “Aposta na reparação”, da Ademe. O desafio é muito grande. Devemos trazer pesquisadores de outras disciplinas e cidadãos para a discussão para abrir as caixas-pretas dos modelos econômicos.
Os movimentos sociais são o ponto de partida para deslocar as linhas?
Dominique Méda: Novas formas de ação estão emergindo: atacar os quadros dos museus, e, para os cientistas, rebelar-se, ou seja, aceitar ser considerado militante e denunciar a falta de ação do Estado na questão climática, postura que recusaram até recentemente. Além disso, as organizações e as organizações não governamentais fazem um trabalho notável na explicitação dos problemas. O papel deles é essencial.
Sophie Dubuisson-Quellier: O movimento ambientalista adotava desde a década de 1980 uma postura de expertise, próxima dos espaços de decisão. Parte do movimento, em nome da urgência, não se conforma mais com isso hoje e considera que essa institucionalização está freando a causa. Esses novos modos de ação são produtivos ou contraproducentes? Hoje é impossível responder a essa pergunta, mas eles contribuem para colocar essas questões na agenda pública.
Historicamente, a mudança social vem das mobilizações coletivas.
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“Como fazer a sobriedade acontecer?” Entrevista com Dominique Méda e Sophie Dubuisson-Quellier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU