14 Fevereiro 2019
“A consciência ecológica emergente exige que reaprendamos uma ‘frugalidade feliz’, que reinventemos os reflexos econômicos (...) e façamos prevalecer um princípio exigente: o da precaução”, escreve Jean-Claude Guillebaud, jornalista, escritor e ensaísta, em artigo publicado por La Vie, 12-02-2019. A tradução é de André Langer.
Mas, admite: “Por outro lado, nós, cidadãos, estamos sujeitos a uma injunção contrária. Somos incitados a consumir para fazer girar a máquina e melhorar o crescimento. (...) Todos os dias a mesma injunção nos é apresentada pelo discurso publicitário que define muito bem o espírito da nossa época: trabalhar mais para ganhar mais. E para consumir mais...”.
E alerta: “A contradição é tão grande que será necessário, mais cedo ou mais tarde, encará-la de frente”.
Em quatro décadas, e superando qualquer controvérsia política, a “consciência ecológica global” fez progressos espetaculares: 40 anos após a publicação, em 1979, do livro seminal do filósofo alemão Hans Jonas, O princípio responsabilidade [Rio de Janeiro: Contraponto; Editora da PUC-Rio, 2006] (traduzido para o francês em 1990), nossa visão de mundo transformou-se totalmente. Em sua relação com a história e o desenvolvimento, os povos incorporaram um novo parâmetro: a extrema fragilidade do planeta. Os espíritos operaram sua mudança. Não podemos mais “desperdiçar” os recursos naturais, nem continuar devastando o ecossistema e prostrando-nos diante do “crescimento”.
Os chamados “colapsólogos” vão ainda mais longe. Eles acham que nos arriscamos a destruir nosso próprio planeta. Nesse caso, nós inventaríamos “um outro fim do mundo”, para citar o título de um livro recente (Une autre fin du monde est possible, de Pablo Servigne Raphael Stevens e Gauthier Chapelle, editado pela Editora Seuil). Em todas as partes, iniciativas estão surgindo, ideias estão sendo lançadas, boas vontades estão se manifestando. Deste ponto de vista, certamente, não é loucura acreditar que a “catástrofe” possa ser evitada. O pior nunca é seguro. Mas há urgência.
Resta, no entanto, uma contradição central sobre a qual ainda se debatem e debaterão todas as COP imagináveis. Baseia-se na nossa definição de civismo e de cidadania. Por um lado, a consciência ecológica emergente exige que reaprendamos uma “frugalidade feliz” (1), que reinventemos os reflexos econômicos – separação de resíduos, limitação da velocidade, restrição de pesticidas, retirada do mercado das lâmpadas de baixa intensidade, reciclagem de todos os tipos, etc. – e façamos prevalecer um princípio exigente: o da precaução.
Para isso, temos que romper com a ambição prometeica do desenvolvimento a qualquer custo, da urbanização faraônica, da apropriação ávida das riquezas naturais. Qualquer projeto ecológico, qualquer iniciativa neste campo, está relacionado a este princípio da economia. Será cívico aquele que aceitar impor essa disciplina. E esta restrição: não concretar o nosso país, não artificializar o menor canto da França, não desperdiçar, como fazemos, um bom terço da alimentação produzida (2).
Por outro lado, nós, cidadãos, estamos sujeitos a uma injunção contrária. Somos incitados a consumir para fazer girar a máquina e melhorar o crescimento. O “sistema” é, assim, montado de tal modo que a coesão de nossas sociedades requer crescimento – e, portanto, consumo – sustentado. Será considerado cívico aquele que triunfar sobre sua restrição e concordar em quebrar seu cofre de economias.
Recomenda-se trocar de carro ou de computador sem esperar que sejam obsoletos. Exige-o o deus crescimento. Também medimos o moral dos franceses examinando um parâmetro: seu desejo de consumir. É idiotice, mas é assim. Todos os dias a mesma injunção nos é apresentada pelo discurso publicitário que define muito bem o espírito da nossa época: trabalhar mais para ganhar mais. E para consumir mais... A contradição é tão grande que será necessário, mais cedo ou mais tarde, encará-la de frente.
1.- A encíclica Laudato Si' reflete sobre a "sobriedade feliz" - Laudato Si' no. 224 ss (Nota de IHU On-Line).
2.- Cada brasileiro joga mais de 40 quilos de comida no lixo por ano
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Frugalidade ou consumo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU