30 Setembro 2022
Os debates econômicos ocupam um lugar importante no funcionamento das democracias. Mas, para que haja debate, várias ideias devem ter espaço para poder se expressar. A Associação Francesa de Economia Política – Afep, presidida pela Florence Jany-Catrice, foi criada em 2009 a partir da alarmante constatação da crescente segregação na seleção de professores de economia das universidades, em detrimento de todos aqueles que desejam aderir a uma perspectiva “heterodoxa”.
A entrevista é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 17-09-2022. A tradução é do Cepat.
Ou, para ser mais preciso, uma perspectiva institucionalista que dá todo o seu lugar em sua análise às instituições – a moeda, o Estado, o direito… – da economia para entender como ela funciona. Uma análise intelectualmente exigente que flerta com as outras ciências sociais usando a quantificação, que se interessa pela economia como ela realmente funciona e não como os modelos sonham que ela funcione, e que não hesita em apontar as relações de poder.
Tantas qualidades que, infelizmente, parecem desqualificar a corrente econômica aos olhos dos economistas mainstream. O que deveria ter proporcionado espaço para um debate intelectual transformou-se em vontade de massacrar. Os institucionalistas são vistos como contestadores do direito à cientificidade e cada vez mais marginalizados pelos economistas bem estabelecidos.
A situação começou a evoluir na direção certa sob o mandato de François Hollande e novamente se deteriorou seriamente desde a chegada ao poder de Emmanuel Macron. O pluralismo de métodos e ideias econômicas é rejeitado pelo poder dominante. Uma autocracia intelectual que mina nossa democracia, avalia a economista Florence Jany-Catrice, professora da Universidade de Lille e pesquisadora do Centre Lillois d’Études et de Recherches Sociologiques et Économiques (Clersé).
Há cerca de dez anos, você alertou para a baixa seleção de economistas heterodoxos entre os professores de economia das universidades. E hoje?
A seleção de professores de economia que não se situam no campo mainstream – ou dominante – nunca foi tão baixa. Nós estimamos que representam apenas 4% de todos os recrutamentos de professores desde 2017-18. Em relação ao período anterior, 2013-2017, este número foi quatro vezes maior (cerca de 17%), e em relação ao período anterior (2005-2013), foi ainda três vezes maior (cerca de 12%).
Quatro por cento significa um número ínfimo, e no curto prazo, a extinção, e isso não é exagero aqui, da pluralidade na pesquisa e no ensino em economia. É uma questão de interesse geral, próprio da democracia, saber se aceitamos ou não no nosso país ter várias escolas de pensamento, várias formas de pensar a economia. Infelizmente, hoje a resposta é ‘não’.
No entanto, a situação parecia ter melhorado?
Sim, de fato, quando nos organizamos em associação profissional em 2009, o fizemos porque pensamos que a crise era também uma crise do pensamento econômico, e não apenas uma crise econômica. Apontamos na época a incapacidade dos economistas de pensar o capitalismo como ele é: o regime do capitalismo financeirizado, muito distante da autorregulação dos mercados; as economias territoriais; a economia terciária... Eu acrescentaria hoje a incapacidade de pensar seriamente a crise ecológica. E sobretudo a impossibilidade de desenvolver um pensamento crítico e reflexivo, salvo alguns Prêmio do Banco da Suécia, como Joseph Stiglitz, Paul Romer e Paul Krugman. Mas estes permanecem epifenômenos.
De lá para cá, temos trabalhado arduamente para identificar as travas desse fechamento ao pluralismo: os processos seletivos do ensino superior e o funcionamento do Conselho Nacional de Universidades (CNU) no processo de qualificação, que deram prioridade aos economistas mainstream. E sobretudo o sistema de exclusão dos periódicos: para ser um candidato sério ao cargo de professor, é preciso ter publicado nos “bons” periódicos… que estão em grande parte fechados a qualquer pensamento não ortodoxo!
Conseguimos ter um peso um pouco maior no debate nos anos 2010-2014, sob Nicolas Sarkozy e François Hollande, e às vezes sermos escutados e ouvidos em várias chefias de gabinetes ministeriais, sempre com base na importância de manter uma diversidade de escolas de pensamento na economia. A dinâmica da Afep e esta escuta parcial permitiram durante vários anos que o comportamento do CNU fosse um pouco menos sectário, com uma pressão a mais de abertura sob a ameaça, do contrário, de criar uma nova seção de seleção aberta a abordagens institucionalistas, como pedimos. Isso levou à seleção de cerca de sessenta professores institucionalistas ou heterodoxos desde 2005, em pouco menos de 500 seleções. E representa, obviamente, uma lufada de ar fresco: para montar bancas de teses, comissões de seleção ou para abrir mestrados.
O que aconteceu de lá para cá?
O ritmo não se manteve, e houve uma grande ruptura com a chegada ao poder de Emmanuel Macron. O freio foi espetacular. Nunca conseguimos realmente, exceto uma ou duas vezes, cruzar a porta dos ministérios. E quando o fizemos, fomos recebidos por jovens tecnocratas que, obviamente, não tinham conhecimento das questões do pluralismo nas ciências sociais, ao contrário de todas as nossas experiências passadas. Antes, encontrávamos pessoas experientes em questões acadêmicas, econômicas e até epistemológicas. Desde 2017, caímos na falta de qualidade da escuta. Qualquer diálogo é inútil.
O mainstream é tanto menos aberto quanto estamos em tempos de vacas magras. Já não é nem mesmo uma cura da austeridade, mas uma sangria. As estatísticas nacionais são eloquentes: 53 professores selecionados (juntando todas as correntes) em 2016, depois 33 em 2017, depois 28, 21, 24. Portanto, duas vezes menos em 2021 do que em 2016! Há uma tensão em todas as universidades para que “as vagas restantes” permaneçam nas mãos do campo dominante.
Apesar das mudanças institucionais dos últimos anos, ser economista institucionalista e tornar-se professor continua sendo uma pista cheia de obstáculos?
Mais do que nunca! É preciso começar pela defesa da sua tese e as desigualdades já são extremas neste nível. Hoje, a maioria das teses de economia, no campo mainstream (cerca de 80% do total) são teses que reúnem três ou quatro artigos, sobre vários temas, mais ou menos prontos para serem publicados, ou já aprovados para publicação. O problema é que muitas vezes esses artigos são escritos com membros da banca de tese ou com o orientador da tese!
Os heterodoxos, por sua vez, continuam apegados a um trabalho que exige três a quatro anos de pesquisa, que defendem uma tese real, com material de pesquisa que se valerá de todas as possibilidades das ciências sociais: métodos quantitativos, é claro, mas também pesquisas qualitativas, arquivos, etc., e que também desdobram elementos reflexivos sobre o trabalho realizado. Alguns exploram um autor, por exemplo, na história do pensamento econômico.
Uma vez com a tese em mãos, é preciso inscrever-se no CNU para acessar a vida acadêmica. Em 2019, quando eu ainda trabalhava ali, tínhamos 290 candidatos, sendo apenas 10% heterodoxos. É pouco, por causa do desânimo, da autocensura ou pela migração para outra área do conhecimento (sociologia, planejamento regional, geografia, gestão). No mainstream, 45% dos candidatos foram aceitos, 86% entre os heterodoxos. E ainda, para ser qualificado entre os heterodoxos, as regras são mais rígidas. Há a necessidade de ter uma boa tese e a publicação aprovada de um artigo. Este não é o caso para os mainstream, muitos dos quais são aprovados com base no qualificador de “muito promissor”, mas sem nenhuma peça que possa comprová-lo. Esta é a realidade da seleção na França!
E depois?
Uma vez qualificado para ser professor, você precisa se inscrever em universidades que buscam perfis heterodoxos. Infelizmente, há muito poucas. E para se tornar professor, é necessário ter um sólido histórico de publicações (pelo menos seis/sete publicações além da tese), e ter uma habilitação para dirigir pesquisas (HDR). Uma vez concluída esta etapa de habilitação, é preciso se candidatar novamente às universidades que terão vagas abertas compatíveis com o institucionalismo.
Por que há poucas vagas abertas para economia institucionalista nas universidades? Porque de modo geral faltam os meios. Repito, o período é de vacas muito magras. E há muitos conflitos em torno da constituição de perfis de trabalho: no caso de uma minoria de heterodoxos em um departamento de economia, os ortodoxos não têm absolutamente nenhum problema em tomar a parte do leão se não houver um sobressalto coletivo ou institucional.
Alguns departamentos de economia e laboratórios de pesquisa estão abertos aos heterodoxos na França?
Com exceção do CEPN (Centre de Recherche en Économie de l'Université Sorbonne Paris Nord) em Paris 13, que é um departamento de economia regulado pela seção 37 do CNRS (seção de economia da gestão); todos os outros laboratórios onde se encontram os institucionalistas são laboratórios interdisciplinares, o que é, aliás, muito bom! Temos o Ladyss (Paris 1, Paris 7, Paris 8 e Paris 10), o Clersé em Lille, o IDHES (Institutions et Dynamiques Historiques de l'Economie et de la Société) em Nanterre ou laboratórios não CNRS que têm menos recursos.
Esta situação é totalmente insustentável. No mínimo, deveria haver pelo menos três ou quatro laboratórios na França, afiliados ao CNRS, de economia institucionalista. Os economistas mainstream são muito rápidos em defender a concorrência como o melhor método de coordenação dos atores, exceto no que diz respeito ao seu próprio funcionamento!
A situação é melhor em outros países?
Francamente não. Atacar o monopólio do pensamento na economia, denunciar a neoliberalização do mundo acadêmico, é bater de frente no muro dos maiores interesses econômicos – o mercado, o business, a tecnofilia, as injunções ao progresso técnico – e acadêmicos, com as posições simbólicas de alguns colegas.
Realizamos um belíssimo colóquio em 2019 em Lille com várias outras associações internacionais e estivemos reunidos em 850 pessoas durante quatro dias. Os colegas, principalmente estadunidenses, ficaram até francamente impressionados com a dinâmica coletiva que conseguimos colocar em movimento. É trabalhoso criar esta dinâmica. É igualmente trabalhoso mantê-la.
Para que haja economistas heterodoxos, ainda é necessário que a formação oferecida permita essas aberturas. Quando um estudante termina a licenciatura, tem-se confrontado com um pluralismo de métodos e de ideias?
Sob a coordenação de Arthur Jatteau, acabamos de realizar um grande trabalho sobre isso. Resultado: 15% das disciplinas de economia são institucionalistas, sendo 40% opcionais, ao passo que apenas 18% das disciplinas mainstream são opcionais. Em Limoges, Toulouse, Tours, a economia institucionalista está praticamente ausente do modelo de licenciatura em ecogestão.
Quanto à importância das disciplinas aplicadas e “por objeto” (economia das desigualdades, o comércio internacional, desenvolvimento sustentável, economia social e solidária), varia de 25% do total de disciplinas em determinadas licenciaturas a 5% em Toulouse. A mesma observação vale para a abertura disciplinar (direito, sociologia, ciência política, história, demografia, etc.): é muito baixa ou inexistente em certas universidades, por exemplo Paris 2, muito forte em outras, por exemplo Valenciennes.
Os métodos são pouco diversificados em todos os lugares e quanto à reflexividade, desaparece completamente de muitas universidades como Tours, Toulouse, Poitiers, Franche-Comté, mas está muito presente em Paris 1 (com um grande polo de história do pensamento econômico), Corte, Valencienne, Amiens, etc. A economia ambiental? Um assunto sem importância na formação de um economista com apenas 0,7% das disciplinas oferecidas. Em suma, grandes disparidades entre as universidades, poucas ofertas institucionalistas e, de modo geral, nenhuma formação em questões ecológicas.
Quais são as soluções para reequilibrar a seleção de professores de economia na universidade?
Dado o estado das nossas forças, é imperativo que tenhamos uma real vontade política para restabelecer as condições do pluralismo no pensamento. Aceitar que nem todos os economistas pensam da mesma forma. Que todos os métodos de pesquisa são legítimos, desde que implementados com rigor. Que as revistas de economia nas quais os economistas institucionalistas publicam não sejam mais desqualificadas como são agora.
Podemos imaginar conferências nacionais sobre o assunto. Vários economistas proeminentes, a priori próximos de nós intelectualmente, poderiam nos ajudar, mas continuam muito tímidos na defesa coletiva do retorno ao pluralismo na economia. Há ainda um longo caminho a percorrer. E de maneira urgente: é a nossa democracia que está em jogo.
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“Estamos nos encaminhando para a extinção da pluralidade de ideias na economia”. Entrevista com Florence Jany-Catrice - Instituto Humanitas Unisinos - IHU