31 Agosto 2022
Embora um comunicado oficial ao final do encontro de dois dias, 29 e 30 de agosto, do Papa Francisco com os cardeais de todo mundo afirmasse que os participantes “discutiram livremente sobre muitos aspectos”, alguns participantes disseram à reportagem que as discussões estiveram centradas em até que ponto indivíduos leigos podem ter autoridade na governança da Igreja, os tempos de mandatos das autoridades vaticanas e as finanças da cidade-estado.
A reportagem é de Christopher White, publicada por National Catholic Reporter, 30-08-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Embora tenham se reunido a portas fechadas, participantes de quatro diferentes continentes disseram em entrevistas que muito do encontro se deu em pequenos grupos, formato similar ao usado pelos encontros do Sínodo dos Bispos. E que outras informações foram confirmadas ao NCR por pelo menos duas fontes que assistiram à reunião.
A lista formal de participantes, que também foi obtida pelo NCR, incluía 197 participantes, entre cardeais, patriarcas e autoridades da Secretaria de Estado do Vaticano.
Os participantes foram divididos em um total de 12 grupos por idioma (quatro em inglês, quatro em italiano, dois em francês e dois em espanhol) – sendo que dois dos grupos de língua inglesa os porta-vozes foram os cardeais Timothy Dolan, de Nova York, e Wilton Gregory, de Washington D.C.
Segundo os relatos dos entrevistados, o papa encorajou a todos os participantes a falar com o coração.
Francisco disse que a nova constituição apostólica do Vaticano, Praedicate Evangelium, a qual reformou a burocracia central do Vaticano, era o resultado das discussões com vários escritórios vaticanos. Na liderança do processo esteve o Conselho de Cardeais, que foi criado por Francisco em 2013 e se encontrava trimestralmente desde então, com muitas reformas sendo implementadas gradualmente nesses últimos nove anos.
No início da reunião, Francisco disse aos cardeais que falassem de coração enquanto discutiam a nova constituição, que entrou oficialmente em vigor em 5 de junho.
Uma grande mudança da nova constituição é declarar explicitamente que “qualquer membro dos fiéis” pode liderar a maioria dos escritórios do Vaticano. A constituição anterior, o documento Pastor Bonus de 1988 do Papa João Paulo II, afirmava que os principais escritórios do Vaticano deveriam ser chefiados por um “cardeal prefeito ou arcebispo presidente”.
Os participantes da reunião dos cardeais notaram que uma quantidade substancial de tempo foi dedicada a essa mudança, incluindo discussões sobre especificamente quais escritórios do Vaticano podem ser liderados por um leigo.
O notável canonista jesuíta e recém-criado cardeal Gianfranco Ghirlanda havia dito anteriormente a repórteres após o lançamento da nova constituição que o “poder de governança na Igreja não vem do Sacramento da [Santa] Ordem”, significando ordenação, mas sim, de “missão canônica”.
Em julho, o cardeal canadense Marc Ouellet publicou uma reflexão no jornal diário do Vaticano, L'Osservatore Romano, que examinou precedentes históricos para separar a jurisdição, ou autoridade dentro da Igreja, do sacramento da Ordem.
“O que funda a unidade inseparável do poder de ordem e jurisdição é a figura do Sucessor de Pedro como chefe do colégio dos bispos, que mantém em comunhão com eles a unidade máxima do poder de ordem e jurisdição e que pode, consequentemente, aplicar seus efeitos em todas as esferas sacramentais como nas esferas jurídicas ou administrativas”, escreveu Ouellet na época. “Ele também pode delegar e assim tornar os membros do povo de Deus participantes de seu poder de jurisdição”.
De acordo com os participantes, esses escritos e comentários de Ghirlanda e Ouellet serviram como base para muitas das discussões de acompanhamento sobre o papel dos leigos durante a reunião.
Questões também foram levantadas durante os procedimentos sobre a exigência da constituição de que os chefes de cada dicastério vaticano tenham mandatos de cinco anos, renováveis apenas uma vez.
Enquanto alguns participantes questionaram se um indivíduo seria capaz de compreender adequadamente o funcionamento interno de seu escritório no Vaticano e executar seu mandato em um período tão limitado, outros notaram que isso era necessário para ajudar a manter sob controle qualquer mentalidade clerical ou carreirista. Outros também defenderam limites para encorajar as dioceses globais a não hesitarem em enviar padres para servir no Vaticano, por medo de que nunca mais voltassem para casa.
Durante o segundo dia de reuniões, uma breve discussão foi realizada sobre o processo em andamento para o Sínodo dos Bispos de 2021-23 e a ênfase de Francisco na governança da Igreja por meio da sinodalidade, que prioriza uma maior escuta, diálogo e participação dos leigos.
Enquanto alguns participantes alegadamente argumentaram que o conceito teológico de sinodalidade não foi suficientemente desenvolvido, outros bispos o defenderam como tendo raízes que podem ser atribuídas à Igreja primitiva e, mais recentemente, ao Concílio Vaticano II de 1962-65.
O próprio Francisco teria intervindo nessa discussão para dizer que a prática da sinodalidade não é uma novidade na vida da Igreja.
Aplausos generalizados também foram oferecidos pelos esforços para limpar as finanças do Vaticano. No início deste mês, o Vaticano tornou públicas suas demonstrações financeiras e, no início deste verão, publicou novas diretrizes para todos os investimentos financeiros.
Após a conclusão dos dois dias de reuniões – que marcam a primeira vez desde 2015 que Francisco convocou o Colégio de Cardeais – o papa presidiu uma missa com quase 200 dos 226 membros do colégio na Basílica de São Pedro.
Durante a missa, que incluiu os 20 novos cardeais criados por Francisco em 27 de agosto, Francisco alertou contra o que ele descreveu como a tentação de pensar em si mesmos como possuindo “posições eminentes na hierarquia” e vendo seus papéis em um “mundo da moda”.
Ser ministro da Igreja, disse Francisco durante sua homilia, é “admirar-se diante do plano de Deus” e estar a serviço da missão da Igreja “onde e como o Espírito Santo escolher”.
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“Liderança leiga no Vaticano”, teria sido este o tópico principal do encontro do Papa Francisco com todos os cardeais do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU