29 Agosto 2022
Em conversa com o jesuíta de 80 anos, ex-reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana. “Não me chame eminência. Pretendo ser apenas o Padre Gianfranco."
A reportagem é de Filippo Rizzi, publicada por Avvenire, 26-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ama se definir como um "simples" jesuíta e canonista ao serviço da Sé Apostólica. É o cartão de visita com o qual se apresenta o futuro Cardeal Gianfranco Ghirlanda, jesuíta romano nascido em 1942. No dia 5 de julho completou 80 anos. E do domingo à tarde na Basílica de São Pedro, durante o Consistório, receberá - junto com outros 19 novos cardeais - o solidéu do Papa Francisco.
Em 1966 obteve o doutorado em direito pela Universidade La Sapienza de Roma. No mesmo ano ingressou no noviciado da Companhia de Jesus e em 24 de junho de 1973 foi ordenado sacerdote. Em 1978 obteve o doutorado em direito canônico na Pontifícia Universidade Gregoriana. Foi professor e decano da Faculdade de Direito Canônico da Gregoriana. Foi reitor da mesma universidade romana da Companhia de Jesus de 2004 a 2010.
Entre as curiosidades, é o quinto jesuíta ex-reitor da Gregoriana (herdeiro do prestigioso Colégio Romano) a se tornar cardeal nos últimos tempos depois do equatoriano Pablo Muñoz Vega, Carlo Maria Martini ("Um verdadeiro superior também por sua capacidade de escuta", diz o religioso), Paolo Dezza, ex-confessor de Paulo VI, e o espanhol Urbano Navarrete.
"Esta designação - é a sua confidência – eu a vivi como um reconhecimento indireto pelo serviço à Sé petrina da nossa universidade, mas também da Ordem de onde venho, a Companhia de Jesus. E o próprio Santo Padre confirmou-me, em um recente encontro, que a minha indicação a cardeal também teve essas motivações.” Em seguida, ele observa um detalhe: “Interpreto a indicação como uma homenagem do Papa a um antigo professor da Gregoriana. Um pouco como aconteceu anos atrás quando Bento XVI quis indicar como cardeais dois de meus coirmãos, o grande teólogo alemão Karl Joseph Becker e Urbano Navarrete que era um canonista como eu.”
O padre Ghirlanda também é conhecido por ter sido, ao longo dos anos, consultor de várias congregações vaticanas que desde junho passado se tornaram dicastérios da Cúria Romana, como, por exemplo, o da doutrina da fé, para o clero ou para os bispos. Colaborou na redação de algumas constituições apostólicas, como a Anglicanorum coetibus (2009) com "o venerado Bento XVI", afirma, e recentemente a Praedicate Evangelium, que levou a uma reorganização total da Cúria Romana desejada por Francisco.
“Não fui eu o inspirador desta Constituição - assinala com um toque de ironia o futuro cardeal de seu gabinete na Gregoriana - mas trabalhei nos esquemas e rascunhos preparatórios. Acredito que o princípio inspirador de Francisco é o do espírito missionário que deve ser valorizado. O Bispo de Roma, depois de ter indicado a urgência de ser uma Igreja 'em saída', pede agora que toda a 'máquina do Vaticano' se torne um instrumento de ajuda e apoio ao Pontífice e aos Bispos para reapresentar e repropor o Evangelho onde está perdendo terreno. Estou pensando em particular em nosso Ocidente secularizado e pós-cristão.” E continua: “Um dos objetivos da reforma é basicamente também contribuir para levar a Boa Nova aos cantos mais remotos do planeta onde ela ainda não chegou.”
Na opinião do estudioso e religioso inaciano, que é também um experiente guia dos Exercícios Espirituais ("Concluí o Mês Inaciano há poucos dias...", confidencia), a Praedicate Evangelium tem como base programática "o impulso missionário à evangelização", assinala. Em seguida, o padre Ghirlanda se detém nos aspectos mais organizacionais da nova Constituição Apostólica.
“Não se trata apenas de agilizar e simplificar alguns papéis do governo dentro da Santa Sé, mas também de melhorar o sentido de serviço em sua especificidade. Por exemplo, o documento visa promover a realização de uma autêntica sinodalidade – muitas vezes citada por Francisco nos atos de seu magistério e em sua pregação – para envolver as pessoas na vida ordinária dos dicastérios para uma unidade comum de ação. É necessário que todos colaborem desde o topo até os que cobrem os degraus mais baixos na formação, em certo sentido, das decisões finais dentro de cada dicastério.”
O futuro cardeal jesuíta identifica dois aspectos entre as novidades da Praedicate Evangelium: a abertura aos leigos e a centralidade do "discernimento" como critério para a aplicação das normas. O caminho indicado pela Constituição Apostólica – aos olhos do padre Ghirlanda – ajudará “a melhorar a formação daqueles que são chamados a desempenhar um papel dentro da Santa Sé”. “Este ato legislativo do Pontífice - continua - nos diz que, por força das circunstâncias, os prefeitos dos dicastérios não devem ser cardeais, mas também não necessariamente bispos. Muitas das funções decisórias também poderiam ser desempenhadas por simples sacerdotes.”
E acrescenta um detalhe: “Em muitos casos não se exclui, obviamente respeitando o poder e as competências, que também leigos e leigas sejam chamados a dirigir um dicastério. Acredito que isso representa um dos aspectos mais dinâmicos da atual Constituição. Assim, o Santo Padre quer não só celebrar, mas também promover o conceito de competência. Até dos leigos.”
Também no domingo, junto com o padre Ghirlanda, será indicado como cardeal o primeiro membro vindo das fileiras dos Legionários de Cristo, o arcebispo e presidente do Governatorato da Santa Sé, o espanhol Fernando Vérgez Alzaga. Nos últimos anos, o padre Ghirlanda, na qualidade de canonista, ocupou os cargos de conselheiro do delegado pontifício, o cardeal escalabriniano Velasio De Paolis, e depois como assistente canônico dos Legionários de Cristo.
"Estou obviamente satisfeito com esta nomeação - revela - e posso confirmar que, apesar das sombras em torno da figura do fundador, o mexicano Marcial Maciel Degollado, pude apreender no decurso da minha ‘investigação’ a autenticidade do carisma doado pelo Espírito à Igreja e do serviço que o Instituto presta à Igreja.” Por fim, qual é o seu desejo? “Espero que a indicação não mude nada na minha vida. E gostaria de continuar a ser chamado simplesmente de ‘Padre’."
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Ghirlanda: “Eu, cardeal jurista. A nova Cúria? Mais missionária” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU