"As contribuições oferecidas nesta obra servem em primeiro lugar para a revitalização da fé na eucaristia, assim como para inflamar novamente e multiplicar o amor ao Senhor eucarístico", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro A eucaristia, sacramento de nossa fé (Loyola, 2022, 88 p.), organizado por Walter Kasper e George Augustin.
O propósito fundamental das reflexões que compõem a obra A eucaristia, sacramento de nossa fé (Loyola, 2022, 88 p.), organizada por Walter Kasper e George Augustin consiste em “trazer à memória a eucaristia como núcleo central e íntimo da vida cristã e eclesial, e estimular a participação com fé em sua celebração” (p. 10), entendendo que “a celebração da eucaristia é o lugar preeminente para o encontro com Deus; nela, Deus nos torna partícipes da vida divina. Na eucaristia está presente em plenitude o amor de Deus como dom. Essa presença eucarística como dom pleno de seu amor possibilita uma compreensão multidimensional para vislumbrar e experimentar no mistério eucarístico o que supera nossos desejos e pensamentos, pois é próprio Senhor ressuscitado que está presente sacramentalmente na eucarística com toda sua obra redentora e nela atua salvificamente” (p. 7).
Capa do livro A eucaristia, sacramento de nossa fé (Loyola, 2022, 88 p.), organizado por Walter Kasper e George Augustin (Foto: Divulgação | Editora Loyola)
Nesta perspectiva:
1) Walter Kasper, doutor em Teologia Dogmática, em sua reflexão intitulada Mysterium fidei – a eucaristia como centro e cume da vida cristã (p. 11-19), observa que essas duas palavras: mysterium fidei, ou seja, o mistério da fé, exprimem os fundamentos, a essência e a significação da eucaristia como centro e cume da fé cristã. O autor traz inicialmente esclarecimentos em torno da palavra mistério (p. 13-15), é o “eterno desígnio divino, que Deus concebeu para nossa salvação antes da fundação do mundo e que agora, com a mensagem da morte e ressurreição de Jesus Cristo, é proclamado e anunciado em público como evangelho, como boa e alegre notícia que proporciona a todos os seres humanos ânimo, consolo e esperança” (p. 12).
Em segundo lugar traz uma reflexão sobre o que significa a eucaristia como mistério da fé (p. 15-16), esclarecendo que “crer significa saber o que em última análise importa, saber aquilo sore o qual se responde, pelo qual se arrisca e se compromete a vida e pelo qual, se for necessário, se entrega a própria vida, do mesmo modo como Jesus Cristo entregou a sua vida por nós” (p. 15). Considerando que se trata de um mistério de fé, Kasper apresenta em seguida a distinção entre manducatio oralis, a recepção da comunhão com a boca, e munducatio spiritualis, a comunhão espiritual na fé e com o coração (p. 16-18), ressaltando que “na comunhão corporal, sacramental, deve estar implicado também o coração. A mera comunhão com a boa não aproveita nada. Somente na fé é possível comungar realmente, ser um com Jesus. Somente a recepção crente é uma recepção digna e frutuosa” (p. 16-17). Conclui, dizendo que a atual crise sanitária deixará marcas profundas e persistentes não só na vida econômica, como também na experiência total de vida (p. 18), sendo, por isso, um “sinal de alarme, um chamado à conversão, um chamado ao tempo sabático com ordem originária, ao ordenamento sabático da eucaristia como centro e cume da vida” (p. 19).
2) George Augustin, doutor em Teologia e professor de Teologia Dogmática e Fundamental na Escola superior de Filosofia e Teologia de Vallendar (Alemanha) é o autor da segunda reflexão: Crer na eucaristia, amá-la e celebrá-la (p. 21-51). Ressaltando que a eucaristia é “um mistério inapreensível do amor de Deus” (p. 25), a “razão de ser essencial e central da Igreja de Deus em Jesus Cristo, da comunhão eclesial e dos ministérios e serviços da Igreja” (p. 23), tendo-se em conta que deste “sacramento recebemos a força e a graça para a nossa vida cristã” (p. 22), o referido autor coloca-nos diante de oito passos, do significado para a vida cristã: a) a eucaristia como lugar de salvação em plenitude (p. 25-28), b) a presença real de Cristo na Eucaristia (p. 28-30), c) a entrega da vida de Jesus e sua atualização (p. 31- 33), d) a participação ativa na celebração eucarística como nossa entrega a Deus (p. 33-38), e) a celebração da eucaristia como adoração de Deus (p. 39-43), f) a comunhão como encontro com Cristo (p. 43-45), g) a antecipação da consumação final (p. 45-48), h) a missão eucarística ao mundo (p. 48-51).
Estes aspectos apresentados por Augustin lançam luzes para “descobrir novamente o mistério da eucaristia” (p. 25), tornando-se uma “ajuda a superar uma visão puramente horizontal da vida cristã e a abrir caminho à transcendência para não cair, como Papa Francisco expôs com insistência, na tentação de crer em um Deus se Cristo e nos convertermos em uma Igreja sem Deus e sem Cristo, uma Igreja sem mistério, uma Igreja sem a práxis do amor e sem liturgia” (p. 25).
3) Bruno Forte, doutor em Teologia e arcebispo de Cheto-Vasto (Itália), no terceiro capítulo propõe uma reflexão sobre a eucaristia como encontro com o ressuscitado (p. 53-62), articulando-a em três momentos: na primeira parte tece uma série de considerações sobre a experiência do encontro com o ressuscitado, do qual nasceu o movimento cristão na história (p. 53-56), “a experiência pascal inseparavelmente objetiva e subjetiva pela graça do encontro entre o Vivente e os seus se converte em algo como uma experiência transformadora que muda os tementes fugitivos em testemunhas audaciosas e fiéis a entrega de si mesos: nesta experiência tem origem a missão, dela toma impulso o movimento que se ampliará até os confins da terra” (p. 55).
Na segunda parte, o autor destaca como essa experiência se tornou viva e presente na celebração da eucaristia (p. 57-59), destacando que “o encontro como Ressuscitado está presente no tempo simultaneamente culminante e fontal na celebração da eucaristia, memorial da Páscoa de Jesus: nela é onde ele torna a ser apresentar aos seus, vivo, com a força do Espírito. No encontro eucarístico é onde estas três características da experiência pascal das origens se tornam presentes e eficazes na vida do discípulo e de toda a Igreja” (p. 57). Na terceira parte, Forte mostra como essa representação do encontro pascal com o Ressuscitado – o triplo êxodo que caracteriza a vida e missão do Filho na carne passa à vida e à missão do discípulo, chamado a ser testemunha da luz e da esperança, tecelão de unidade em Cristo e em sua Igreja (p. 59-62).
4) Kurt Koch, doutor em Teologia, cardeal e presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos (Roma) é o autor da quarta reflexão intitulada: a Igreja celebra a eucaristia – a eucaristia edifica a Igreja (p. 63-85). Em sua abordagem Koch observa inicialmente que não somente a eucaristia provém da Igreja, como também e principalmente a Igreja provém da eucaristia, ou seja, “o que realmente celebra a Igreja na eucaristia só se trona patente se levarmos em consideração também o que diz a outra frase: que a eucaristia edifica a Igreja. Pois ambas as frases estão indissociavelmente vinculadas e apenas juntas manifestam o mistério inteiro da fé eucarística” (p. 63).
Entendendo que o corpo de Cristo com dom eucarístico e o corpo de Cristo como comunhão eclesial entre os fiéis formam um mesmo e único sacramento, o autor chama a tenção para estes elementos: a) a última ceia de Jesus como ato fundante da Igreja (p. 65-68), b) a eucaristia como sacramento de unidade (p. 68-70), c) dimensão eclesial da eucaristia (p. 70-73), d) a eclesiologia de comunhão como eclesiologia eucarística (p. 73-79), e) eucaristia e comunhão eclesial (p. 79-83), f) a eucaristia como constituição e identidade da Igreja (p. 83-85).
Como se pode ver, os textos exploram temas importantes da eucaristia, sacramento de nossa fé. Um precioso instrumento para a vida espiritual e para a pastoral. As contribuições oferecidas nesta obra servem em primeiro lugar para a revitalização da fé na eucaristia, assim como para inflamar novamente e multiplicar o amor ao Senhor eucarístico. A verdadeira renovação da eucaristia só poderá brotar da fonte eucarística. Frente a isso, os coautores deste volume trazem à memória a eucaristia como núcleo central e íntimo da vida cristã e eclesial, estimulando a participação com fé desta celebração. Estamos certos de que, através, de cada uma das reflexões, muitos cristãos poderão apreciar melhor a eucaristia, sendo também um incentivo para que passe para a vida quotidiana de cada cristão na sua responsabilidade de torná-la crível. Onde quer que floresça uma espiritualidade eucarística, ali irradiará uma Igreja mental e espiritualmente renovada, desdobrando uma nova força de atração divina: a eucaristia visibiliza e realiza o que somos: Igreja – “A Igreja faz a Eucaristia, a Eucaristia faz a Igreja” (H. de Lubac).