12 Julho 2017
“O que pão e vinho são em uma dada cultura não pode ser definido pela Igreja. Ela recebe, na cultura, a mediação do Corpo de Cristo. A pretensão de definir teológica, doutrinal e disciplinarmente a matéria contradiz a lógica complexa da revelação em Cristo.”
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Sant’Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua, em artigo publicado por Come Se Non, 11-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As reações à carta que a Congregação para o Culto Divino escreveu no dia 15 de junho a propósito do pão e vinho eucarísticos revelam algumas coisas importantes, sobre as quais é bom refletir com cuidado.
E quero começar com uma consideração que diz respeito a uma condição – a dos celíacos – que a carta considera apenas indiretamente, ou seja, ao definir como “matéria válida” para a Eucaristia aquele pão que contém pelo menos um certo nível de “glúten”. Os sujeitos não são considerados, senão indiretamente, de acordo com a “definição da matéria”.
Esse estilo é clássico para o magistério eclesial. Ele tinha amadurecido no esquema da sociedade fechada, que precisava de certezas imediatas e imediatamente aplicáveis. Uma definição clara de “pão” permitia separar drasticamente dois campos, sem mediação, que distinguem entre “matéria válida” e “matéria inválida”.
Isso reduz as variáveis, simplifica as articulações pastorais, assegura o controle do povo. Essa configuração, se não for calibrada hoje na “sociedade aberta”, produz contínuas injustiças e perde ocasiões valiosas de reconhecimento. Tentemos entender o porquê.
Uma coisa é evidente na tradição cristã. Que a teologia do corpo e sangue de Cristo é mediada pelo pão e pelo vinho dados, oferecidos, recebidos, comidos e bebidos, tomados e assimilados. Mas a competência da Igreja e do teólogo não abrange toda a realidade.
O que pão e vinho são em uma dada cultura não pode ser definido pela Igreja. Ela recebe, na cultura, a mediação do Corpo de Cristo. A pretensão de definir teológica, doutrinal e disciplinarmente a matéria contradiz a lógica complexa da revelação em Cristo.
Na Eucaristia, como ensina Tomás de Aquino, o pão e o vinho são “espécies incontornáveis”. Por isso, a cultura humana, a história e a simbólica do homem são assumidas na narração e no rito central da fé cristã.
A Igreja já se habituou, ao contrário, a definir também aquilo sobre o qual não tem competência absoluta. Ela não pode definir de modo absoluto nem o pão nem o vinho. No pão e no vinho, falam uma cultura e uma história que a Igreja recebe e não pode antecipar. Mas não é o suficiente.
A Igreja deveria ter aprendido, a partir da história dos últimos 200 anos, que identificar o “status quo” com a vontade de Deus é um perigo grande demais. Esse é um típico defeito da sociedade fechada ou pré-moderna: ela sempre pode correr o risco de identificar a vontade de Deus com um mundo sem ferrovias, sem mulheres que praticam esporte, sem mulheres juízas ou sem escolas públicas obrigatórias. Essa tendência se mostrou muito forte também no modo de interpretar as formas de “deficiência” ou “limitação”.
Atribuir “direitos” às pessoas com deficiência foi um grande esforço, que a Igreja teve que aprender com o mundo tardo-moderno. Pareceria ser mais fácil e mais devoto, simplesmente, aceitar o status quo.
Aprendemos que essa via não é nem a primária nem a única. A diferença entre sociedade fechadas e sociedade aberta está precisamente aqui: não se aceita mais a própria condição como um “destino de discriminação justificada a partir de cima”. Aqui, volta a ser reler a Summa Theologica de Tomás, quando ele lista um dos “lugares-comuns” da sociedade fechada, que o ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé considerava como um texto fundamental para a teologia do ministério ordenado, enquanto se trata apenas da honesta fotografia da estrutura injusta da sociedade fechada.
Quando Tomás lista os “motivos de exclusão da ordenação”, ele faz uma lista das pessoas que não podem exercer a autoridade. Ei-las: mulheres, menores e incapazes, escravos, assassinos, filhos naturais, deficientes. Na categoria dos deficientes, também se inserem, embora de uma forma particular, os celíacos.
Com uma definição rígida do pão, a Congregação para o Culto mostrou ainda não ter saído da lógica de uma sociedade fechada, que não é, de fato, societas perfecta. E na qual o ser celíaco continua sendo “causa de exclusão da ordenação”.
Como sair dessa condição de minoria? Como parece ser evidente, a partir do breve raciocínio proposto, aceitar que a Igreja não tenha uma autoridade absoluta para definir o que é pão e vinho ajudaria a considerar com um mínimo de atenção algumas coisas:
- o pão, do ponto de vista objetivo, se dá em formas diversas, de acordo com culturas diversas. Isso não é principalmente um perigo, mas uma riqueza para a tradição;
- os sujeitos que se relacionam com o pão o transformam a partir da sua cultura ou da sua natureza. E essa relação não pode ser nem perdida nem posta de lado;
- pão e vinho trazem à Eucaristia não só uma “matéria física”, mas também uma história e uma simbólica que devem se enriquecer com as lógicas do feminino, do menor, do louco, do preso, do filho natural e da pessoa com deficiência.
Considerar esses como títulos de mérito e de privilégio, em vez de títulos de minoria ou de exclusão, não seria talvez um dos significados mais altos da Eucaristia? E quem deveria falar sobre tudo isso senão a Congregação para o Culto Divino? Que, ao contrário, prefere a rigidez da sociedade fechada às riquezas da sociedade aberta?
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Eucaristia: os infortúnios dos celíacos e a definição de pão. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU