14 Junho 2022
Na semana passada, encontrando-se com crianças europeias, o Papa conversou com uma ucraniana a quem disse estar prestes a receber uma delegação de autoridades ucranianas para discutir sua possível visita a Kiev. O evento ainda não aconteceu como anunciado pelo Pontífice e os nomes e cargos dessas autoridades não são conhecidos.
Mas enquanto isso, dias atrás, Francisco recebeu amigos argentinos e ucranianos e por quase duas horas ouviu essas pessoas e respondeu a inúmeras perguntas, críticas e dúvidas sobre suas posições em relação à guerra de agressão da Rússia de Putin contra a Ucrânia.
A reportagem é publicada por Il Sismografo, 13-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa contou alguns detalhes pouco conhecidos e outros totalmente desconhecidos.
Aqui está uma tradução automática do que um dos participantes, o ucraniano Myroslav Marynovych, vice-reitor da Universidade Católica Ucraniana de Lviv (UCU), conta sobre esse importante encontro:
No dia 8 de junho deste ano, o Papa Francisco recebeu uma pequena delegação da Ucrânia. Esse encontro foi informal e exclusivamente privado. O encontro foi organizado por um amigo de longa data do Papa, o argentino Alejandro, que convidou dois de seus amigos: Yevhen Yakushev de Mariupol e Denys Kolyada, consultor para o diálogo com as organizações religiosas. Sendo eu um graduado da UCU, Denys me convidou como Vice-Reitor da UCU a me juntar a essa delegação.
Sendo um bom amigo do Papa, entristece Alejandro que a sociedade ucraniana perceba algumas passagens de Sua Santidade de forma ambígua. Então ele decidiu criar uma plataforma de comunicação informal sobre o assunto. Além disso, através dele, o Papa recebeu várias cartas de algumas instituições públicas e de responsáveis religiosos e comunitários. Entre essas cartas estava uma do mencionado Denys Kolyada. Essa carta agradou particularmente ao Papa, sendo escrita com grande sinceridade e entusiasmo juvenil. O Papa respondeu-lhe pessoalmente e com grande humildade. Foi assim que cresceram a simpatia e a confiança, tornando o encontro possível.
Os encontros oficiais com o Romano Pontífice não duram mais de 25 minutos. A natureza informal do nosso encontro permitiu-nos falar durante 1 hora e 45 minutos. O Santo Padre iniciou o encontro com as seguintes palavras: "Podemos falar sobre tudo o que precisamos"; palavras que testemunharam inequivocamente que o Papa queria nos ouvir e compreender todas as peculiaridades da percepção ucraniana. Assim, nós, ucranianos, nos revezamos para falar respeitosamente, ao mesmo tempo em que analisamos abertamente as razões da atitude crítica de muitos ucranianos em relação à posição do Vaticano sobre a atual guerra russo-ucraniana, bem como em relação a alguns passos de solidariedade do próprio Papa.
Falamos, entre outras coisas, sobre o fato de a Rússia usar tanto armas quanto informações falsas. A Ucrânia por muito tempo tem sido vista pelo prisma russo, particularmente no Vaticano. No entanto, a escolha cristã em favor dos ofendidos significa que é injusto olhá-los pelo prisma da propaganda informativa do agressor. Portanto, chegou a hora de o Vaticano desenvolver uma própria política ucraniana, não derivada de sua política russa.
Por muito tempo, o povo ucraniano viveu no crepúsculo. Hoje pedimos ao Papa que nos ajude a ser um povo de luz. O povo ucraniano não podia ser o sujeito de sua própria história, mas agora está lutando para isso, pagando um alto preço. Até recentemente, outras nações viam os ucranianos como aqueles que causavam os problemas, enquanto nós exortamos o Papa a ver que podemos ser determinantes na solução desses problemas.
Também acenamos ao fato que muitos europeus compassivos cometem o grave erro de tentar responsabilizar os russos culpando Putin. Sim, a culpa por esta guerra criminosa é principalmente da liderança russa. No entanto, os crimes de guerra na Ucrânia são cometidos por soldados russos e o povo russo, que em maioria aprova a guerra, também é responsável. É por isso que amar os russos significa revelar-lhes a verdadeira extensão de seu crime, permitir-lhes sentir o horror do que fizeram e acompanhar suas almas ao sincero arrependimento aos olhos de Deus e das pessoas.
Pedimos ao Santo Padre que apoiasse o pedido da Ucrânia de aderir totalmente à União Europeia, pois os ucranianos mostraram sua lealdade aos valores europeus com o sangue. O Papa respondeu que teria a próxima oportunidade de fazê-lo durante um encontro com a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen (o encontro se realizou em 10 de junho).
Sabendo pela imprensa que o Papa tem dificuldade em aceitar a importância do fornecimento de armas letais à Ucrânia, lembramos a ele que a Ucrânia foi o primeiro país a desistir de armas nucleares. A Rússia devia garantir a nossa segurança e integridade territorial, mas depois declarou guerra contra nós. Em 2014, a Ucrânia reduziu seu exército de meio milhão para 150.000, o que também nos prejudicou. É por isso que a Ucrânia hoje tem o direito de se defender. O Papa confirmou que o povo, como todo indivíduo, tem direito à autodefesa. Caso contrário, poderia parecer um suicídio.
É impossível listar todos os temas abordados durante a nossa conversa, e sempre encontramos no Papa um ouvinte atento. O Pontífice ouviu também o relato da tragédia de Mariupol e seus defensores, símbolo do sofrimento dos ucranianos durante esta guerra. Ele prometeu que faria todo o possível para conseguir uma troca de sucesso dos defensores internados.
Depois de nos ouvir, o Santo Padre tomou a palavra e enumerou todos os seus passos dados com base no seu desejo inequívoco de apoiar os ucranianos vítimas desta guerra brutal e injusta. Ele lembrou, em particular, o seguinte:
• no primeiro dia da guerra ele ligou para Zelensky; depois ele fez mais duas ligações;
• foi à embaixada russa para atrair a atenção do mundo;
• tentou ir a Moscou para falar com Putin e pedir o fim da guerra, mas foi gentilmente recusado;
• mais de uma vez acolheu crianças ucranianas e apelou aos italianos sobre a sua obrigação moral de apoiar as mães refugiadas ucranianas;
• enviou cardeais duas vezes à Ucrânia, não porque não quisesse ir pessoalmente, mas para mostrar que está atento aos problemas da Ucrânia;
• recusou-se a encontrar o Patriarca Kirill de Moscou em Jerusalém, como acordado anteriormente.
Pedimos ao Papa que fortaleça os contatos com a Igreja Ortodoxa Ucraniana, que também sofre com a propaganda russa.
Levou tempo para discutir a possibilidade da visita do Papa à Ucrânia, que todos nós pedimos. O Santo Padre enfatizou repetidamente que deseja fazer isso. Seus problemas no joelho são o maior obstáculo e os médicos o aconselham fortemente a não viajar. Sua viagem ao Congo em julho já foi questionada (sabemos agora que o encontro foi adiado). No entanto, se uma viagem à Ucrânia se tornar tecnicamente possível, o Papa Francisco quer vir a Kiev e não à fronteira ucraniana, como alguns aconselhariam.
Ao final do nosso discurso, levantamos a questão da ambiguidade na doutrina católica sobre os conceitos de “guerra justa” e “paz justa”. Seria importante para o mundo inteiro se a Igreja prestasse uma atenção especial ao esclarecimento desse problema. O Papa reagiu ativamente a essa proposta e concordou que tal esclarecimento era necessário. Acontece que ele já havia instruído alguns cardeais a aprofundarem mais o assunto.
Em conclusão, devo observar que o clima durante a conversa foi muito amigável e despreocupado. O Papa brincava com frequência e sinceridade, encorajando nossa própria abertura. Em particular, sentindo essa atmosfera, Denys Kolyada convidou o Papa a vir à Ucrânia com as seguintes palavras: "Lembre-se de que todos os papas que visitaram a Ucrânia se tornaram santos logo a seguir!". Todos riram de seu comentário.
Não nos esquecemos da oração. Primeiro, a pedido de Denys, Alejandro leu nossa oração comum pela rápida recuperação do Papa, depois o Santo Padre rezou conosco pela paz na Ucrânia.
Todos saímos do encontro gratos ao Papa pela oportunidade de compartilhar nossos pensamentos e ficamos realmente inspirados. Essa conversa foi muito significativa para todos nós. Claro, isso não significa que a partir de agora o Papa verá o mundo através do prisma ucraniano. De fato, no futuro, poderia ser importante para os ucranianos ouvir o ponto de vista do Vaticano sobre algumas questões. No entanto, hoje há uma coisa de que podemos ter certeza: as crises de comunicação devem ser resolvidas por meio de uma comunicação amigável. E foi isso que tentamos fazer enquanto estávamos no Vaticano.
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O Papa Francisco ouve por duas horas amigos ucranianos e argentinos e responde às críticas sobre suas posições sobre a guerra contra a Ucrânia e conta detalhes inéditos. Muitas novidades e surpresas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU