10 Março 2022
Não é necessário voltar à Queda da Bastilha para saber que as grandes revoluções são em primeiro lugar guerras de pão. Doze anos atrás, um estopim da primavera árabe que revirou o norte da África e o Oriente Médio foi o aumento do preço do pão. E a guerra na Ucrânia, segundo muitos analistas, poderia provocar um trauma semelhante, primeiro nos países do Magrebe, mas também no Líbano, Egito, Síria ou Líbia, que importam a grande maioria de seus cereais da Ucrânia e da Rússia.
A reportagem é de Tonia Mastrobuoni, publicada por La Repubblica, 09-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na Europa, enquanto isso, o aumento de 50% do preço do trigo nas duas últimas semanas - o maior em 14 anos – e o pico análogo, o mais alto em dez anos, que atingiu o milho, preocupam os agricultores, já angustiados pela ameaça explícita da Rússia de cortar o fornecimento de fertilizantes e pelos aumentos de preços registrados também neste setor.
Tanto que os poderosos lobbies de agricultores poloneses, franceses e irlandeses já estão multiplicando as pressões sobre a UE para reduzir os objetivos do Green Deal, para que dilua a promessa de aumentar a agricultura orgânica para 25% e reduzir pela metade o uso de pesticidas até 2030.
A razão é simples: os agricultores estão alarmados. Para quem produz a matéria-prima para pão, pizza, massa, cuscuz, a guerra já está aberta. A agricultura mundial acabou nas trincheiras da ofensiva russa contra a Ucrânia. E de acordo com analistas do setor, a combinação de escassez de grãos e desabastecimento de fertilizantes pode levar os preços a níveis insustentáveis e se tornar a verdadeira bomba atômica de Putin. A "guerra do pão" do Kremlin corre o risco de ter consequências devastadoras, inclusive no plano geopolítico.
Svein Tore Holsether, presidente da Yara International, um dos maiores produtores de fertilizantes do mundo, resumiu a crise de forma eficaz: “Além de ser um dos maiores produtores de trigo, a Rússia possui enormes recursos em termos de fertilizantes. As plantas precisam de nitrogênio, fosfatos e potássio para crescer. E 25% dos suprimentos europeus de fertilizantes vêm da Rússia”. Uma das consequências da guerra, adverte Holsether, é que "apenas a parte mais privilegiada da população mundial terá acesso suficiente aos alimentos".
Rússia e Ucrânia são conhecidas como a “cesta do pão” do mundo, garantindo mais de cem milhões de toneladas de trigo ao mercado global, mais de um quarto do total. O trigo russo não está diretamente sob embargo, mas as exportações estão fortemente comprometidas nessas semanas de conflito. E quando Moscou anunciou nos últimos dias que poderia cortar suas vendas de fertilizantes ao exterior, também admitiu que as maiores empresas de transporte de carga estão se recusando a receber mercadorias da Rússia, trancando as exportações dos cereais.
Na Ucrânia, o "celeiro da Europa" que até tingiu sua bandeira de amarelo em homenagem ao trigo, as exportações estão congeladas e os campos sob as bombas correm o risco de permanecer desertos, também porque miríades de agricultores foram convocados para defender seu país. "As balas e bombas na Ucrânia podem causar uma crise alimentar global sem precedentes", segundo David Beasley, diretor executivo do Programa Mundial de Alimentos: segundo cálculos da agência da ONU, 283 milhões de pessoas ameaçadas pela desnutrição, outros 45 milhões estão à beira da crise alimentar grave.
Na Itália, foi o Coldiretti quem deu o alarme: importa-se 64% das necessidades de trigo para a produção de pão e biscoitos e 53% de milho para ração animal. E a Ucrânia, em particular, "é o segundo fornecedor de milho com uma participação pouco superior a 20%, mas garante 5% das importações nacionais de trigo".
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Trigo e fertilizantes são a arma secreta de Putin. Especialistas: “Preços em alta, pouca disponibilidade. Crise alimentar a caminho” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU