09 Março 2022
"A Europa deve parar de procurar outros para combater as guerras que - justamente - não quer mais travar. Por outro lado, é inútil procurar outro culpado, geralmente apontando para os EUA, como se houvesse um esquema que nos levou mecanicamente à guerra. A guerra não é inevitável: é sempre uma escolha política dos líderes e pode ser revertida", escreve Mario Giro, vice-ministro do Exterior italiano, em artigo publicado por Domani, 08-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A guerra de Putin nos pegou a todos desprevenidos, muitas vezes nos privando da nossa lucidez. Diante de tanta violência é instintivo tomar partido, polarizando sem aceitar aprofundamentos e reflexões críticas.
É o que está acontecendo na polêmica entre os chamados pacifistas e quem defende que é preciso armar a Ucrânia. Comentaristas respeitados dos principais jornais caem na armadilha da reação impulsiva, acusando de "neutralismo", "espírito de Munique" e assim por diante, quem coloca dúvidas, citando (geralmente sem fundamento) os fatos da Segunda Guerra Mundial.
Infelizmente isso já aconteceu com as guerras do Golfo e não se quer ver as lições da história, principalmente a recente. Que guerra já resolveu alguma coisa, no Oriente Médio, nos Bálcãs, no Afeganistão ou em qualquer outro lugar? Não é bastante evidente que se trata de uma ferramenta obsoleta e que alimentá-la não leva a bons resultados?
Por sua vez, alguns pacifistas também usam uma linguagem antiga, emprestada do tempo da Guerra Fria, que vê todo o mal de um lado só: seria útil se eles entendessem que hoje estamos em uma fase pior do que aquela, porque há menos controle e, acima de tudo, não há comunicação entre leste e oeste.
Uma das coisas que todos nós devemos dizer claramente uns aos outros (pacifistas ou não) é que entre Putin e nossos líderes ocidentais pelo menos desde 2014 (mas talvez também desde 2008) não teve mais nenhuma verdadeira forma de comunicação, muito menos de negociação.
Chegamos a este ponto precisamente por causa da incomunicabilidade, enquanto durante a Guerra Fria havia o telefone vermelho e os dois lados sempre conversavam entre si. Não se deve confundir a negociação comercial (por exemplo, o gás, mas não só) com a negociação política. Isso, no mínimo, foi o erro ocidental pós-Guerra Fria: acreditar que tudo possa ser resolvido com o mercado.
Ter pensando em lidar com Moscou apenas com o comércio foi um engano que humilhou os russos.
Ainda recentemente, a bielorrussa laureada com o Nobel Svetlana Aleksievich lembrava que mais de 60% dos russos continuam a favor de Putin inclusive agora, acreditando que foi ele quem fez seu país levantar a cabeça, ofendido pelos ocidentais.
Aqueles que hoje argumentam que é certo armar a Ucrânia também dizem que "não estamos contra os russos" e "não estamos em guerra". Não basta: devem saber que, aos olhos dos russos, isso alimenta a guerra, mesmo que aparentemente o faça sem sujar as mãos. Devemos honestamente nos perguntar: são os ucranianos que têm que morrer por nós? Estamos chamando a Ucrânia às armas para ganhar tempo egoisticamente para nós, à custa de milhares de vítimas civis inocentes?
É estranho que aqueles que apoiam esta posição sempre se esqueçam de acrescentar que continuamos a comprar gás russo sem tirar o Swift ao banco de Gazprom: hipocrisia absurda. Deveríamos ser mais consequentes: nós também estamos perigosamente indo em direção à guerra.
Mas em vez disso - graças a Deus - não queremos a guerra, muito menos a guerra nuclear que Putin ameaça. Por outro lado, há quem defende que Kiev deveria render-se imediatamente para limitar os danos, pois a Rússia vencerá de qualquer forma e a OTAN não intervirá.
De fato, os estadunidenses (desta vez mais cautelosos que os europeus) negam a zona de exclusão aérea que seria percebida como um ato de guerra por Moscou. A essa altura caberia dizer: e daí?
A polarização de ambas as reações dificulta a reflexão e a desvia para a emotividade.
Assim, a polêmica sobre a guerra se encaixa em um não-diálogo provocado por posições viscerais e irracionais.
Tentando manter-se aos fatos e não ser vítima da propaganda, alguns pontos objetivos deveriam ser estabelecidos:
1. Ao atacar a Ucrânia, a Rússia passou totalmente para o lado do erro: atacou a paz europeia. A OTAN pode ter tido responsabilidades no passado, mas agora há apenas um culpado: o presidente Putin e seu governo da Rússia.
2. A União Europeia e a OTAN não querem entrar em guerra, não desejam alargar o conflito.
Por isso é útil lembrar que toda iniciativa militar, mesmo indireta, pode fatalmente nos fazer escorregar na ladeira que até dizemos não querer. Não é possível ser levianos, emotivos ou instintivo sobre isso, nem mesmo com as palavras.
3. Para voltar à paz é preciso agir politicamente e reservadamente. Esta é realmente a única coisa que importa. Argumentar que hoje não é hora de diálogo é enganoso: é sempre hora de negociação, sobretudo confidencial e certamente não a favor das câmeras. Infelizmente, parece que as classes dirigentes de hoje sejam escravas de um excesso de comunicação. Conversar nesses casos ocorre em negociações secretas: muita luz cega.
4. Em qualquer caso, chegaremos a uma negociação, portanto, é melhor alcançá-la logo para que não seja apenas de rendição incondicional. A negociação é sempre dolorosa: as concessões também devem ser feitas sobre o que foi declarado inaceitável (Crimeia, Donbass, etc.). No compromisso concorda-se em perder algo, de ambos os lados. O que está acontecendo agora entre russos e ucranianos não é uma verdadeira negociação porque é sem observadores e sem mediadores, tornando-se demasiado frágil.
5. A guerra é consequência do fracasso dos acordos de Minsk, que hoje todos esquecem. Perguntamo-nos o que aconteceu de errado e recomeçamos a partir de quem mediou aquele acordo: Angela Merkel, talvez a única que ainda tem a autoridade intacta para falar com Putin.
6. Demonizar o adversário ou chamá-lo de louco é inútil, aliás, torna as coisas ainda mais perigosas e fora de controle. Analisar os acontecimentos em termos psíquicos ou psicológicos é típico do espírito desta época, mas quando se trata de guerra é bom lembrar que tudo gira sempre em torno dos interesses nacionais.
7. Ao atacar a Ucrânia, Putin arrastou a Rússia para um isolamento que durará. Provavelmente teremos que esperar uma nova liderança em Moscou para virar a página e retomar uma plena cooperação. Ninguém confia mais na atual liderança russa hoje e o voto na Assembleia Geral da ONU mostrou isso. Nesse sentido, a história ensina que exagerar ao colocar a Rússia contra a parede é sempre perigoso.
8. As sanções decididas pelo Ocidente são muito pesadas, mas devemos estar cientes de que estão jogando a Rússia nos braços da China. Aqui, também, é preciso lucidez para não reclamar depois.
O interesse da Europa e dos EUA é reconstruir um sistema internacional cooperativo com a Rússia, a partir do continente europeu. Em 2016, Henry Kissinger (não propriamente um pacifista) escreveu: "Arrastar a Ucrânia para um confronto entre o leste e o oeste impedirá por décadas trazer a Rússia para um sistema internacional cooperativo". Estamos neste ponto, mas não devemos piorar a situação, colocando em risco o futuro.
9. Aqueles a favor das sanções deveriam ser consequentes: parar de comprar gás russo imediatamente e aceitar sofrer - pelo menos um pouco - com os ucranianos. Em todo caso, o caminho já está marcado: a guerra acelera o fim da venda de gás russo na Europa e a Itália também terá que se converter a outras fontes de energia.
10. A guerra tem sua própria lógica interna que ninguém - nem mesmo Putin - controla: instigá-la pode levar a graves consequências inesperadas. Todos os nacionalismos europeus, sem exceção, são terrivelmente letais: já causaram duas guerras mundiais. Alimentá-los provoca apenas novos lutos, como sabemos da história.
Por isso, os belicismos e a emotividade com que se reage hoje ao drama da guerra em Kiev só servem para pôr em perigo os ucranianos, prolongando o seu sofrimento. Os aliados davam armas à Resistência, mas eles lutavam enquanto nós não queremos fazê-lo: o paralelo não se sustenta.
A Europa deve parar de procurar outros para combater as guerras que - justamente - não quer mais travar. Por outro lado, é inútil procurar outro culpado, geralmente apontando para os EUA, como se houvesse um esquema que nos levou mecanicamente à guerra. A guerra não é inevitável: é sempre uma escolha política dos líderes e pode ser revertida. A lição de Gandhi nesse sentido ajuda: olho por olho torna o mundo cego.
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Fazer guerra contra Putin significa estender o sofrimento dos ucranianos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU