12 Fevereiro 2021
"A pandemia que estamos enfrentando nos ensinou o quanto dependemos uns dos outros". Do primaz anglicano Welby o apreço pela última encíclica de Francisco.
“Comecei meu ministério em março de 2013, assim como o Papa Francisco, e nos encontramos várias vezes. Compartilhamos muitas aspirações. Uma das experiências mais marcantes do meu mandato foi o retiro organizado pelo Papa em Roma para os líderes políticos do Sudão do Sul”. Com estas palavras, o Arcebispo de Canterbury Justin Welby, líder da "Igreja da Inglaterra" e setenta milhões de anglicanos em todo o mundo, conta a relação que o liga ao Papa Francisco. Carinho, amizade e sintonia que se consolidaram ao longo dos anos desde que eu dois pastores se conheceram em Roma em junho de 2013, três meses depois de serem eleitos, com apenas alguns dias de intervalo. Nesta entrevista ao Avvenire, o primaz anglicano fala sobre sua experiência com o lockdown e a pandemia, explica por que decidiu tirar um período sabático de três meses e expressa a esperança de poder visitar o Sudão do Sul em breve, junto com Francisco.
A entrevista com Justin Welby é editada por Silvia Guzzetti, publicada por Avvenire, 11-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que o senhor pensa que a pandemia está nos ensinando?
Quando a vida muda tão rápida e dramaticamente quanto no ano passado, devemos nos adaptar e aprender rapidamente. A coisa mais importante que a pandemia nos ensinou é o quanto dependemos uns dos outros e como são essenciais a amizade e os contatos humanos. Este também é o caso da vacinação. Ninguém estará seguro enquanto todos não estiverem seguros. O poeta John Donne, que também foi decano da Catedral de Saint Paul em Londres, escreveu: “Nenhum homem é uma ilha, autossuficiente. Cada homem é uma parte do continente, uma parte de um quadro maior”. Deus nos criou para as relações e a pandemia nos ensinou isso.
Também nos mostrou que não podemos continuar vivendo como antes. As mudanças climáticas e a disparidade entre ricos e pobres ficaram evidentes de uma nova maneira. A melhor maneira de lembrar as pessoas que perdemos é aprender as lições do passado e trabalhar juntos para construir um mundo mais humano e justo. Também vivenciei pessoalmente a minha necessidade de Deus. Nos últimos meses, tenho meditado muitas vezes nas palavras do sétimo capítulo do livro de Isaías, versículo 9: “Se não estiveres enraizado na tua fé, não sobreviverás”.
O senhor usou palavras muito fortes para encorajar os cidadãos britânicos a se vacinarem, dizendo que “a vacina faz parte do chamado de Jesus Cristo para amar o nosso próximo como a nós mesmos”. Por que escolheu sustentar a campanha de vacinação no Evangelho?
Estou convencido de que as vacinas são a resposta às nossas orações e uma prova da esperança gerada pela promessa de Deus de que a luz derrotará as trevas. Eu também fui vacinado porque sou capelão voluntário no hospital Saint Thomas e encorajo a todos a fazê-lo o mais rápido possível. As vacinas nos lembram que precisamos ter certeza de que nosso próximo no resto do mundo, em situação de vulnerabilidade, também tenham direito a esse medicamento o mais rápido possível.
Qual foi a sua experiência pessoal com o lockdown?
Acho que este terceiro lockdown na Inglaterra é o mais difícil de todos. A mudança que vivemos abala todas as nossas certezas. Encorajo qualquer pessoa que sinta que não está mais aguentando, a falar com um amigo ou parente ou um profissional com experiência em dinâmica de relacionamento. Pessoalmente, me ajuda muito sair e fazer algum esporte ao ar livre e também falar com Deus, através da oração, e contar a ele minhas preocupações. Se vocês estão se sentindo em dificuldade, peçam ajuda a Deus. Tenho muita esperança nas pessoas ao meu redor, especialmente durante minhas horas de trabalho como capelão voluntário no hospital Saint Thomas em Londres.
Por que o senhor decidiu tirar um período sabáticos de três meses durante o verão, justamente nessa situação de emergência?
Todo sacerdote anglicano tem o direito de tirar um período sabático em um intervalo de tempo que varia de sete a dez anos. A última vez que fiz isso foi em 2005. É uma ideia que vem diretamente da Bíblia, do exemplo de Jesus que decidiu se isolar para ficar um tempo com Deus, é também uma oportunidade de aprender a humildade. Uma forma de reconhecer que a obra que Deus está fazendo continua mesmo assim, graças ao Espírito Santo que opera de maneiras milagrosas e não depende do Arcebispo de Canterbury ou de nenhuma outra pessoa. Aproveitarei estes meses para trabalhar sobre a reconciliação, um tema crucial no Evangelho ao qual dediquei boa parte da minha vida. Estou convencido de que a morte de Cristo na Cruz e sua Ressurreição sejam um chamado para que todos os cristãos falem a verdade e trabalhem pela paz e pela justiça e esses são os argumentos que explorarei durante o período de estudo. Espero encontrar tempo para orar, refletir e retomar minha tarefa renovada, com uma nova perspectiva e mais energia em vista da importante "Conferência de Lambeth", onde toda a comunidade anglicana se reunirá, em 2022. (A "Conferência de Lambeth" é a assembleia dos bispos anglicanos que se reúne a cada 10 anos, ndr)
O senhor é muito próximo do Papa Francisco e vocês pensaram em visitar o Sudão do Sul juntos. O que acha da encíclica "Fratelli tutti"?
Comecei meu ministério em março de 2013 como o Papa Francisco, e nos encontramos várias vezes. Compartilhamos muitas prioridades. Uma das experiências mais marcantes do meu mandato foi o retiro oferecido pelo Papa em Roma para os líderes políticos do Sudão do Sul. O empenho de Francisco com a paz e a reconciliação resplendece em tudo o que fala e faz. Esperamos que o processo de paz e a abertura das fronteiras, que neste momento se encontram fechadas devido à pandemia, nos permitam visitar o país juntos também com o moderador da Igreja da Escócia, Jim Wallace. Na encíclica "Fratelli tutti", Francisco destaca como alguns temas importantes na vida do planeta estão ligados entre si. Não pode haver verdadeira fraternidade sem justiça. O sofrimento de uma pessoa afeta a todos e os seres humanos têm o poder e a oportunidade de realmente mudar as coisas. A mudança climática, por exemplo, é um momento em que as preocupações com o planeta se sobrepõem a problemas de justiça e pobreza. São os mais pobres os que mais sofrem as consequências dos danos ambientais. Esse desejo de que os seres humanos possam viver plenamente dentro de uma Criação transcende os limites nacionais e religiosos. Uma ampla gama de vozes e encontros fazem parte da encíclica "Fratelli tutti", desde o grande imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, ao patriarca ecumênico de Constantinopla Bartolomeu I, ao batista Martin Luther King ao bispo anglicano Desmond Tutu. Os temas escolhidos pelo Papa Francisco e a paixão que ele demonstra em "Fratelli tutti" têm um respiro universal.
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“Frágeis, mas todos irmãos”. Entrevista com Justin Welby - Instituto Humanitas Unisinos - IHU