03 Outubro 2020
Dipesh Chakrabarty (71 anos) é um historiador bengali, nascido em Calcutá e residente nos Estados Unidos. Integra o Grupo de Estudos Subalternos e focado em estudos pós-coloniais. É professor de História, Linguagens e Civilização do Sudeste Asiático na Universidade de Chicago. Pesquisa história ambiental e as implicações da mudança climática para a história humana.
Em 2014, recebeu o Prêmio da Fundação Toynbee por suas contribuições à história global. É autor de The Crises of Civilization. Exploring Global and Planetary Histories (2018) e, em 2021, publicará The Climate of History in a Planetary Age (University of Chicago Press).
A entrevista é de Mariano Turzi, publicada por Clarín-Revista Ñ, 26-09-2020. A tradução é do Cepat.
Você elaborou um grande leque de temas políticos globais como modernidade, identidade, teoria pós-colonial e historiografia crítica. O que quer dizer com um marco de análise planetário?
O planetário é diferente do global. O global, relativo à globalização, existe para solucionar problemas bilaterais ou multilaterais dos 193 estados membros da ONU. Mas até agora esses temas que chamamos de “globais” foram problemas que afetaram os seres humanos que estavam divididos nesses mesmos estados-nação. Esse concerto internacional funcionou até que surgissem problemas que esse mecanismo não pode resolver. Porque não resta tempo. Esta é a dimensão chave.
Se perguntarmos à ONU quando haverá paz entre israelenses e árabes, o horizonte de tempo para essa conquista pode ser infinito. Mas a mudança climática, que pode extinguir a civilização humana, não pode ser resolvida “mais tarde”. É este componente de imediata urgência que nos faz pensar em uma escala planetária.
Os temas planetários superam as divisões Norte-Sul e Leste-Oeste?
Os impérios, o colonialismo e a produção mundial mantém a divisão Norte-Sul. Aqueles que não provocaram a mudança climática a sofrem mais. Mas a acidificação dos oceanos nos une. É aqui que entra a multiplicidade de narrativas. O capitalismo conectou o mundo, possibilitando nos desenvolver como nenhuma outra espécie. Se essa conectividade desaparecesse, a população mundial cairia para 11 milhões. Nesse sentido, a tecnologia seria uma condição, mais do que uma consequência da biologia humana. Continuamos sendo parte de uma história darwiniana.
Como enxerga, com essa lente planetária, a pandemia global de Covid-19?
A pandemia é global e planetária. Global no modo como o capitalismo global destrói o habitat natural de animais e o desenvolvimento das classes médias globais da Ásia alimentou o gosto por animais exóticos. Agora, entram em contato próximo com os humanos. Eles não nos procuram. É planetária porque não há mecanismos de governança para lidar com problemas de escala planetária.
A OMS não pode anular o estado-nação para evitar que a pandemia se expanda. A China não compartilhou informação, os Estados Unidos disseram que era um “vírus chinês”, a Índia incriminou os muçulmanos. Estamos produzindo problemas em escala planetária que demandam uma ação coletiva sincronizada, em tempos de urgência planetária.
Então, qual é o futuro do mundo posterior à pandemia?
Acredito que algumas mudanças vão acontecer: a conexão destas plataformas eletrônicas de comunicação substituirá viagens desnecessárias. A pandemia terá várias ondas de abertura e quarentena, tudo depende das mutações do vírus e da vacina. Mas a Covid é apenas uma doença zoonótica.
Enquanto construirmos estradas, explorarmos minas, urbanizarmos matas e mantivermos o tráfico ilegal de animais, a crise de biodiversidade que criamos será potencializada. E o coronavírus não irá corrigir isso. Virão mais vírus e mais pandemias.
Esta tendência que leva à destruição do planeta é reversível?
Está enraizada na estrutura geoeconômica. As classes médias asiáticas que estão impulsionando o desenvolvimento do capitalismo global experimentaram o prazer do consumo. E não acredito que renunciem a isso. Em nome do desenvolvimento, o fim da pobreza e das ambições de status superpotência, os países manterão a trajetória destrutiva.
A pandemia é parte de um problema ambiental que reflete uma etapa do capitalismo global. Irá nos forçar a pensar em modos de governança que transcendam o global? Em minha opinião, o planetário é uma visão que está emergindo no horizonte.
Vê, então, surgir um limite planetário ao capitalismo global?
O capitalismo global está produzindo a necessidade de uma governança planetária. Está produzindo crises em uma escala massiva. O homo sapiens está no mundo há 300.000 anos. E levou quase todo esse tempo para chegar aos bilhões, em fins do século XIX. Em fins do século XX, éramos 6 bilhões. Hoje, somos 7,5 bilhões, com projeção a 9. Existem 2 bilhões de novas pessoas na classe média global empurrando o consumo.
O capitalismo considera o planeta como dado. Mas o planeta está dizendo: “estou aqui, tenho recursos limitados”. Estamos impactando a história do planeta. O ritmo das extinção de espécies é 1.000 vezes mais rápido do que o normal. Por isso, alguns consideram que estamos nas primeiras fases de uma extinção em massa – a primeira na história do planeta causada por uma espécie –, nos próximos 300 a 600 anos.
O que quer dizer com a ideia de que vivemos uma era “zoocêntrica”?
Acredito que devemos recentrar o ser humano de uma forma diferente da que conhecemos da modernidade iluminista. A humanidade como indivíduos separados e independentes é a visão antropocêntrica, que é consistente com a tecnologia, a política e a economia modernas.
O capitalismo nos permitiu ser a espécie dominante. Em nossa necessidade de proteína fizemos com que a ave com maior população na Terra seja a galinha. Mas precisamos nos enxergar por fora desse marco dominante, como uma espécie entre as espécies. Pensadores como Kant acreditavam que podíamos superar ou suprimir nosso lado animal. Mas a pandemia mostra que continuamos sendo animais, primos dos , orangotangos, chimpanzés...
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“A crise do capitalismo global está produzindo a necessidade de uma governança planetária”. Entrevista com Dipesh Chakrabarty - Instituto Humanitas Unisinos - IHU