31 Agosto 2020
"A globalização tem sido eficiente para o investimento de capital, mas o ecossistema natural foi massivamente destruído", escreve Cho Hyun-chul, jesuíta sul-coreano e professor da Escola de Pós-Graduação em Teologia da Universidade Sogang em Seul, Coreia do Sul, em artigo publicado por La Croix International, 28-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
A Covid-19 é um problema de saúde, mas é fundamentalmente um problema de desenvolvimento e economia, ou seja, de sociedade. Se você abordar a Covid-19 apenas como um problema médico, você perderá a essência e a raiz do problema.
A fim de examinar o desastre da Covid-19 em um contexto social, é necessário prestar atenção à estreita relação entre o surto de doenças infecciosas virais e a globalização.
Em primeiro lugar, no mundo interconectado de hoje por redes de transporte de alta velocidade, as doenças infecciosas virais se espalham rapidamente pelo mundo assim que ocorrem.
Em segundo lugar, constatou-se que a destruição dos ecossistemas naturais pelos humanos promove a infecção viral de várias formas.
A economia global tem sido desregulamentada em todo o mundo para um investimento eficiente de capital, e, como resultado, o ecossistema natural foi massivamente destruído por projetos de desenvolvimento e extração negligentes.
À medida que a produção se desloca para lugares com regulamentação ambiental mínima, as emissões de gases do efeito estufa aumentaram significativamente, e as mudanças climáticas se aceleraram. Nesse contexto, devemos imaginar o período após o coronavírus no que diz respeito à própria globalização.
Charles Perrow argumentou que existem acidentes que ocorrem inevitavelmente devido à natureza do sistema de complexidade interativa e de acoplamento forte, e ele chamou esse tipo de acidente de “acidente normal”.
Pode-se entender que, com o processo de globalização, o mundo se tornou um sistema composto por inúmeros subsistemas de alta complexidade e de acoplamento forte. Se assim for, a pandemia da Covid-19, que está intimamente relacionada à globalização, pode ser vista como um acidente normal.
A lição mais importante dos acidentes normais é que os dispositivos de segurança não podem prevenir acidentes.
Para evitar acidentes normais, você deve mudar o próprio sistema.
A única contramedida fundamental para os desastres causados pela globalização é escapar da globalização. A contramedida fundamental está na “localização”, que transforma o acoplamento forte em acoplamento fraco.
As economias localizadas não pretendem ser completamente autossuficientes, mas buscam uma autossuficiência em grau considerável, produzindo e consumindo produtos locais sempre que possível.
As criaturas de Deus estão conectadas umas às outras por um vínculo invisível e profundo.
Essa é a ordem da criação que Deus implantou no mundo, e essa ordem exige respeito e consideração pelo bem das outras pessoas e da natureza.
Nesse sentido, enquanto a globalização foi o processo de destruição da ordem da criação, a localização é o processo da sua recuperação. Se a economia global exigia crescimento, a economia localizada exige “moderação”.
A localização requer que nos convençamos de “reduzir um determinado ritmo de produção e consumo pode dar lugar a outra modalidade de progresso e desenvolvimento” (Laudato si’, n. 191). A localização requer a mudança de consciência dos indivíduos, junto com mudanças institucionais (LS 71, 237).
O sábado, em que a pessoa deixa de trabalhar intencionalmente no sétimo dia, é um ato de autolimitação voluntária para si mesmo e para os outros.
Para os cristãos, o exemplo de autolimitação voluntária é Jesus Cristo. A encarnação e a cruz são eventos de “autoesvaziamento” (Fl 2,6-8) e são o nível mais alto de autolimitação. A vida de Jesus foi uma continuação fiel da encarnação e resultou na morte de cruz.
Nas realidades do surto do vírus e da crise ecológica, os cristãos devem perceber que uma vida de autolimitação voluntária é a maneira mais fiel de seguir Jesus hoje.
A conversão ecológica é a determinação de respeitar e proteger o próximo e a natureza pelo ato de uma autolimitação voluntária para seguir Jesus (LS 217).
Essa conversão ecológica deve ser realizada como uma vida de simplicidade e moderação (LS 222). Uma vida de frugalidade e de parcimônia será a resistência à globalização e o impulso para a localização.
Leia mais
- Coronavírus: “Esta é uma oportunidade ímpar para fazer uma verdadeira transição ecológica”
- Devemos aprender com a crise para iniciar a transição ecológica!
- Coronavírus: o fim da globalização como a conhecemos
- O vírus põe a globalização de joelhos. Artigo de Luigi Ferrajoli
- O coronavírus marcará um ponto de virada para a globalização?
- “Depois do vírus nascerá uma globalização regional”. Entrevista com Parag Khanna, cientista político indiano
- A globalização e a Covid-19. Artigo de Arthur Soffiati
- A globalização como a conhecemos esgotou seu ciclo. Emerge uma globalização em menor grau
- Rifkin: “A globalização está morta e enterrada: a distância social será a regra”
- “Penso que a globalização 2.0 será diferente, mais regionalizada”. Entrevista com Nathalie Tocci
- A globalização em tempos de Rodrik
- A relação entre o meio ambiente e a saúde em tempos de pandemia
- Efeitos das mudanças no clima global e a ocorrência do novo coronavírus: teria uma coisa a ver com a outra?
- Como as lições do Covid-19 podem impedir o colapso ambiental
- A pandemia da Covid-19 é uma vingança da natureza?
- Coronavírus e o meio ambiente
- Especialistas alertam para a relação entre ação humana no planeta e surgimento de pandemias
- Os efeitos que já podemos ver da pandemia sobre o meio ambiente
- A natureza no mundo pós-Covid-19
- A crise climática irá aprofundar a pandemia; um plano de estímulo verde pode enfrentar ambos
- Covid-19 exacerba os impactos socioeconômicos das mudanças climáticas, que se aceleraram nos últimos 5 anos
- Pandemia, Meio Ambiente e a Sociedade
- A Terra contra-ataca a Humanidade pelo coronavírus
- “A COVID-19 é um exemplo a mais de nossa relação tóxica com a natureza”. Entrevista com Pedro Jordano
- Fatos sobre coronavírus e meio ambiente
- Pesquisa relaciona a disseminação de vírus, a extinção da vida selvagem e o meio ambiente
- “O coronavírus está diretamente vinculado à saúde do planeta”. Entrevista com Juan Carlos del Olmo
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Covid-19 e ecologia: da globalização à localização. Artigo de Cho Hyun-chul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU