24 Setembro 2020
Para explicar o atual modelo de produção alimentar, a melhor forma é compará-lo com a cadeia de montagem de um automóvel. Talvez por isso falamos em agricultura industrial. Peças feitas em diferentes fábricas espalhadas pelo mundo se encaixam em uma última fábrica que, diz, “produz carros”. Se nos carros a peça importante é o motor, no caso da carne barata industrial, uma das peças fundamentais é a soja requerida para a elaboração da “ração para engorda”, conforme me ensinaram a nomeá-la em meus anos de estudos veterinários. Sem a proteína desta leguminosa, toda a cadeia de produção e comercialização atual de carne barata não seria possível.
A reportagem é de Gustavo Duch, publicada por Ctxt, 22-09-2020. A tradução é do Cepat.
O caso é que apenas três fábricas no mundo produzem 80% dos 353 milhões de toneladas anuais: uma fábrica chamada Estados Unidos, outra fábrica chamada Brasil e a fábrica chamada Argentina. A soja é como um canivete suíço, tem diferentes usos: na forma de tofu ou leite para o consumo humano, como biocombustíveis para os depósitos, e, sobretudo, 76,7% do total para a alimentação animal. Destas rações, um terço (cerca de 90 milhões de toneladas) se destina à indústria suína.
A metade desta produção de soja está pronta para viajar até onde tivermos um animal no estábulo para engordar. A China é a maior importadora, lógico, pois este país é a maior potência suína. A segunda é a Europa, onde a Espanha tem um papel de destaque com duas portas de entrada abertas: o porto de Tarragona e o de Barcelona, como foi dito no artigo Los trenes de la soja. Entre os dois terminais circulam anualmente mais de 3,5 milhões de toneladas de soja que, curiosidade, precisariam de 14 a 15 trens diários para a sua distribuição.
Na pesquisa La Relevancia de Catalunya y el Puerto de Barcelona, que proximamente publicaremos pela organização Grain e a Revista Soberanía Alimentaria, explicamos que a soja que entra pelos portos catalães chega em dois formatos, sem processamento, majoritariamente procedente do Brasil, e processada em forma de farinha, em sua maioria vinda da Argentina. Ou seja, podemos muito bem falar de uma estreita conexão catalã com a “República tóxica da soja”, conforme se conhece o conjunto do território que ocupa o cultivo desta leguminosa no Cone Sul do continente americano.
Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia, os países desta República, viram como a expansão da soja modificou definitivamente sua paisagem, chegando ao extremo de dedicar 60% de sua terra cultivável a esta monocultura. Embora o primeiro impulso seja datado em 1997, com a introdução da soja transgênica que retirou milhões de hectares dos cultivos tradicionais destinados à alimentação local e provocou a expulsão de milhões de famílias camponesas para as cidades e vilas miséria, nos últimos anos, a conexão da soja é incrementada pelas mãos da ultradireita política, como é o caso de Bolsonaro no Brasil. Os grandes incêndios que a floresta amazônica sofreu poucos meses após a sua posse explicam a pouca consideração deste político e de sua corte do agronegócio pela vida no planeta.
Mas não é a Amazônia o lugar predileto para o cultivo da soja. Mais da metade da exportação do Brasil nos chega da savana do Cerrado que, como explicam Laura Villadiego e Nazaret Castro, do coletivo de jornalistas Carro de Combate, é um “ecossistema de planalto de dois milhões de quilômetros quadrados (quatro vezes a superfície do Estado espanhol) que está sendo desmatado com uma enorme velocidade”. Bunge, que citávamos em Los trenes de la soja, junto com a Cargill e a ADM são as grandes empresas que promovem este negócio.
Como reflete Baudouin de Bodinat, em La vida en la tierra, isto “não fala que as coisas tenham mudado, mas que desaparecem; que a razão mercantil destruiu inteiramente nosso mundo para se instalar em seu lugar. Não sinto falta do passado. É este presente que considero lamentável”.
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As fábricas da soja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU