24 Março 2020
Antonio Bulbena fundou e dirigiu o Instituto de Neuropsiquiatria e Dependência Química do Hospital del Mar, em Barcelona, onde agora conduz a unidade para o tratamento de transtornos de ansiedade, tema para o qual dedicou anos de pesquisa, sendo autor da obra Ansiedad (Tibidabo). Está preocupado com o alto risco a que os profissionais de saúde estão expostos: “Eu já tenho dois colegas na UTI, e na China 10% apresentaram sintomas depressivos”. Está convencido de que, após a pandemia, nada será como antes: “Esse tipo de ano novo que a primavera nos trouxe representa uma mudança completa de paradigma em nossas vidas. Aprenderemos a passar com menos e nos identificaremos mais com o natural e com nós mesmos. Os objetos diminuirão o valor e ficarão em alta a pessoa e seus valores”.
A entrevista é de Ima Sanchís, publicada por La Vanguardia, 23-03-2020. A tradução é do Cepat.
O medo é uma reação saudável e necessária que nos alerta para o perigo.
E se dura semanas?
Quando o alarme é impreciso no espaço e no tempo, como ocorre com este vírus, o corpo usa uma grande quantidade de energia física e mental para enfrentar uma ameaça que não pode interromper e isso se traduz em mais tensão, mais ansiedade e mais susceptibilidade.
Isso esgota.
As queixas e broncas em família e entre vizinhos estão aumentando consideravelmente, e é um efeito do medo, devemos estar conscientes.
Mas o medo nos espreita.
O cérebro se vê atraído e fixa com muito mais força o negativo que o positivo. A adversidade das Torres Gêmeas nos demonstrou que diante de maior exposição informativa há mais estresse, mais ansiedade, mais violência, mais alcoolismo. É preciso estarmos informados, mas não presos.
Multas por sair de casa, ameaças de prisão... Isto piora as coisas?
Serve para que cumpramos, mas psicologicamente não nos ajuda, porque somos nós que devemos nos governar, compreender que é preciso ficar em casa e nos comprometer.
Precisamos de mais tempo de reflexão individual?
Sem dúvida. O medo da infecção, a incerteza, a frustração e a informação muito saturada de ameaças, despertam nosso cérebro primitivo que, uma vez e outra, nos sustenta com alarido continuado. É preciso romper esse círculo.
Qual é a lição do passado?
As epidemias que a humanidade sofreu nos mostram o que o medo pode desencadear. Atribuições acusatórias a outros como ocorreu com o Holocausto ou na gripe espanhola. Encontros desaforados e egoísmos insuspeitos.
O medo suporta mal a incerteza.
Sim, e isso pode nos levar a uma busca insaciável de culpados e de conspirações. Devemos aceitar que a incerteza é inerente à nossa condição humana.
Certo.
E também não se deve esquecer a certeira observação de Victor Frankl: o medo provoca o que se teme.
Como o impedir?
Comunicando-se com qualidade e não com quantidade. Refletindo sobre os nossos hábitos, automatismos, dimensões que evitamos, sensações que aspiramos e desejos que postergamos. Descubramos a riqueza humana das pessoas: gestos, olhares, atitudes daqueles que estão perto de nós.
Valorizar o bom.
E alimentar o humor que permite nos distanciar do problema, mas não de forma permanente, nem frívola.
Quais são as consequências do confinamento?
Durante a gripe suína na Áustria, em 2008, foi preciso confinar 2.700 pessoas, durante várias semanas, 34% sofreram importantes sintomas psicológicos de ansiedade e depressão.
Como o confinamento nos afeta?
O espaço se reduz, para muitos drasticamente. O tempo perde referências e horários e a convivência ou a solidão se extremam. Ainda que existam poucos estudos, todos coincidem em que a partir do décimo dia de confinamento começa o período crítico.
E?
Quando o cérebro mais primitivo toma o comando, passamos aos extremos: o frenesi hiperativo ou bloqueio exaustivo. Esse circuito se torna circular: mais hiperatividade, mais esgotamento e mais ineficiência, que por sua vez volta a ativar o frenesi. Necessitamos de momentos de silêncio.
O que devemos levar em conta?
Estar atentos a que nossos mecanismos de adaptação restringidos não comecem a tropeçar com intolerâncias, inconformismos, frustração e bloqueio.
Como podemos crescer como sociedade?
Habilitando uma comunicação mais serena. É curioso, mas nosso cérebro mais primitivo, o da sobrevivência, comanda muito. O outro, o que pensa, o que nos leva ao gozo de viver, de compartilhar e à calma, apenas propõe.
A empatia se imporá?
Se você não se coloca no lugar do outro, a relação fica vertical e o salve-se quem puder assume o lugar, é o egoísmo do medo. O medo reduz a empatia. Dar-se conta do outro é fundamental.
Acreditamos que quando controlarmos o vírus, tudo voltará a ser como antes.
É uma fantasia, seremos muito mais pobres, teremos que renunciar a muitas coisas, mas também será uma oportunidade.
Para o planeta, acredito.
E para nós esta crise nos confere a oportunidade de mudar o ter pelo ser. Haverá escassez e mesquinhez, mas depois virá um período de reconstrução no qual já saberemos que somos natureza e que um vírus não faz distinção entre classes sociais, países, nem raças.
Teremos a oportunidade de revalorizar a relação direta com os outros, com o ambiente e com nós mesmos. Devemos aproveitar este tempo para estar com nós mesmos e esclarecermos o que queremos na vida. Temos que declarar paz a esta guerra, estendendo a ela a mão e a olhando profundamente de frente.
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“É o momento de saber o que queremos na vida”. Entrevista com Antonio Bulbena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU