10 Março 2020
"Devemos nos alegrar por essa substituição do real pelo virtual? Pode ser, na ausência de alternativas. Mas o fato é que o coronavírus chegou antes das multinacionais dos algoritmos, capazes de inventar essas linguagens substitutas. E, assim, por enquanto, o prefeito Sala, as associações voluntárias, os administradores dos prédios de habitações populares, farão bem em se preocupar também com essa nova forma de emergência, que é a solidão metropolitana", escreve Gad Lerner, jornalista, em artigo publicado por La Repubblica, 08-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Havia nos enganado o sábado de primavera precoce que lotou os parques, fez florescer as violetas selvagens e transferiu para o meio do verde os frequentadores de academias fechadas que não viam a hora de mover os músculos, incentivados pelos treinadores. Nesse cenário idílico, circulavam os cálculos sinistros do aumento das pessoas infectadas, até que despencaram na hora do jantar e nos deixaram com um gosto amargo. A medida extrema, o bloqueio total do coronavírus, sussurrado apenas a meia voz pelas autoridades, por enquanto indecifrável nas concretas modalidades de aplicação, caiu de chofre sobre todos nós. Talvez de forma providencial, quem sabe quando o descobriremos.
Enquanto isso, a Milão que não se via ao sol, a Milão da época da epidemia - quatro séculos depois, não nos permitiremos de chamá-la pestilência - também é uma Milão chamada a fazer as contas com sua dimensão existencial inconcebível no passado: os números da solidão metropolitana. Números que são pessoas. Dos 745 mil núcleos familiares registradas no cartório em 2018, mais de 400 mil são unipessoais. Isso significa que mais da metade dos residentes vive sozinha. Os solteiros são mais que o dobro dos casais (163 mil) e mais que o triplo das famílias de três membros (92 mil).
Agora que o coronavírus impõe medidas brutais de "distanciamento social", a ponto de tornar eventualmente necessário o autoisolamento, isso significa que um número maciço de milaneses será solicitado a não sair do apartamento onde mora sozinho. Uma alta porcentagem deles é de idosos, uma vez que a idade média dos habitantes é de 45,5 anos. Quase em todos os condomínios há pessoas com mais de setenta anos, principalmente viúvas, que precisam de cuidados, que, quando têm sorte, desfrutam apenas da atenção de uma cuidadora e da visita de um filho.
Essa é uma diferença substancial em comparação com a Milão do século XVII, contada por Manzoni. Mais rica e mais equipada com serviços sociais, é claro, dez vezes mais populosa, mas com os cabelos brancos e sem a companhia de uma família. Tanto que nos leva a fazer a pergunta: como seriam os lazaretos contemporâneos? Mais higiênico, é claro, equipados com respiradores e fármacos adequados, temos certeza, e finalmente dividido em unidades habitacionais individuais para os assintomáticos.
Mas esse bem-estar que felizmente desfrutamos impõe imediatamente a seguinte pergunta: como muda a vida daqueles que, embora não sejam submetidos à quarentena, devem manter distâncias do vizinho, por serem mais sujeitos do que outros ao contágio?
Já havia acontecido que a menor quantidade de trabalho necessário e a expansão, até agora considerada benéfica, do lazer, induzissem uma multidão de pessoas solitárias a buscar na esfera virtual tridimensional o principal alimento de suas necessidades emocionais. Bela expressão, "tempo livre". Exceto que, em excesso, o tempo livre começou a se transformar em tempo vazio, fonte de angústia. Depois que a possibilidade ou a necessidade de trabalhar passaram, esse vazio foi preenchido por formas de entretenimento projetadas especificamente para envolver, sem a necessidade de estabelecer relacionamentos pessoais, físicos, com outros indivíduos.
As medidas do estado de emergência sanitária prescrevem agora algo mais: precauções à distância que, para milhares de milaneses, levarão a um inevitável isolamento forçado. Ou seja, longos dias de solidão. Por quanto tempo? Ninguém sabe. Certamente o suficiente para consolidar hábitos de vida marginalizada, tais a modificar não apenas os consumos, mas também os perfis psíquicos dos sujeitos envolvidos. Aqueles que até agora podiam se permitir, destinavam parte do seu tempo livre/vazio ao turismo. Mas viajar se tornou um problema.
As páginas dos jornais analisam filmes emocionantes, mas as crônicas milanesas dos mesmos jornais não publicam mais os anúncios dos filmes, porque nesse período não estão em exibição. O campeonato de futebol a portas fechadas corta os menos abastados, sem a TV paga. A população idosa sujeita ao autoisolamento tem pouca familiaridade com os videogames e as séries de televisão transmitidos pela Internet. Até a missa dominical ficou fora dos limites.
É provável que alguém invente em breve novas formas de diversão virtual destinadas aos solitários, afastadas da possibilidade de viver relações sociais tradicionais. Devemos nos alegrar por essa substituição do real pelo virtual? Pode ser, na ausência de alternativas. Mas o fato é que o coronavírus chegou antes das multinacionais dos algoritmos, capazes de inventar essas linguagens substitutas.
E, assim, por enquanto, o prefeito Sala, as associações voluntárias, os administradores dos prédios de habitações populares, farão bem em se preocupar também com essa nova forma de emergência, que é a solidão metropolitana. Se não queremos na Milão que se tornou uma "zona vermelha", além do Covid-19, uma epidemia de síndrome de abandono também nos assole. Os sintomas são: ansiedade de separação, insegurança sentimental, desconfiança dos outros, recusa da intimidade emocional.
É exatamente o que está acontecendo nos condomínios da periferia, próximos aos parques onde as crianças brincam, treinam os esportistas e passeiam com cachorros. O vocabulário dos sociólogos introduziu uma frase esquisita para descrever a mutação que ocorre nas metrópoles envelhecidas, onde o Ente da Estatística nos diz que os solteiros agora representam uma em cada três famílias italianas, aumentando a uma taxa de + 50% a cada década: a monolocalização da vida cotidiana.
Na época do coronavírus, a Itália encontrou no laboratório milanês um material humano – permita-me a expressão - particularmente exposto ao vírus da paranoia e da depressão. Um desafio cultural que não envolve apenas médicos e enfermeiros na linha de frente. Aqui, não se trata apenas de tranquilizar os que estão em risco ou de fornecer itens de primeira necessidade para os autorreclusos entre as paredes domésticas. Mas reforçar os fundamentos de um edifício social minado pela desproporção entre jovens e idosos e pelo progresso da solidão.
Somos obrigados a parar. Se o tempo estiver bom, Sergio Escobar e Andrée Ruth Shammah, que se queixam compreensivelmente pelo fechamento imposto aos teatros de Milão, poderiam organizar espetáculos nos pátios de Lorenteggio ou de Barona. Não seria a solução, mas certamente um bom sinal.
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Quando Milão se torna o laboratório da nova solidão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU