10 Março 2020
A pandemia de coronavírus colocou de joelhos, entre outras coisas, o "modelo de negócios" da globalização.
Notícias como os problemas da cadeia de suprimentos de muitas empresas em todo o mundo, devido ao “fechamento” da China como fornecedor de matérias-primas, produtos semiacabados e produtos acabados de todos os tipos, ou a questão muito relevante dos medicamentos, dos quais a China e a Índia se tornaram efetivamente monopolistas mundiais e que ameaçam deixar de exportar por tempo indeterminado, uma devido a problemas objetivos de produção e a outra por uma espécie de "primeiro os indianos", obrigam todos a um profundo repensamento do sistema econômico mundial.
A reportagem é de Emanuele Orlando, publicada por Business Insider, 09-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em essência, o modelo da monocultura, ou de fazer produzir bens em locais onde a mão de obra e as matérias-primas custam muito pouco, também porque nos preços dos produtos não são calculados os custos sociais e ambientais necessários para produzir a preços muito baixos, está se mostrando economicamente fraco (que o fosse do ponto de vista da sustentabilidade ambiental e social já estava claro há algum tempo, e Business Insider foi um dos primeiros a falar sobre isso em seus artigos dedicados ao Better Capitalism).
É por isso que nos parece o momento certo para oferecer aos leitores uma série de contribuições sobre esse tema. Pediremos a opinião de especialistas de diferentes disciplinas, não apenas economistas ou políticos, mas também filósofos, ambientalistas, sociólogos, líderes da indústria e do sindicato, de todos aqueles que, em suma, possam oferecer uma reflexão sobre a crise do modelo de negócios mundial.
Para propor alternativas e para tentar também tirar lições positivas dessa emergência que, estamos convencidos, uma vez domada, não poderá deixar de iniciar um profundo repensamento das estruturas sobre as quais nossa sociedade se baseia. Em todos os níveis.
Além de perturbar os hábitos cotidianos de milhões de pessoas, a epidemia de coronavírus está mostrando os seus efeitos também nos mercados financeiros, que durante a semana após a identificação dos primeiros grandes focos da China, viram as piores perdas desde a crise de 2008.
A opinião é de Chiara Merico, em artigo publicado por Business Insider, 09-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em tais situações, é bastante inevitável que os investidores entrem em pânico, mas é precisamente em momentos como esses que as finanças comportamentais podem ajudar. Aprender a gerenciar emoções, também graças à ajuda de profissionais, pode fazer a diferença e limitar as perdas: quem ao contrário arranja-se sozinho tende a ser mais condicionado pelas últimas notícias, correndo o risco de sofrer perdas evitáveis.
"Sem querer entrar demais em detalhes técnicos, as finanças comportamentais se colocam a meio caminho entre a economia e a psicologia e seu objetivo é relacionar mercados financeiros e esquemas de comportamento de cada indivíduo", explica ao Business Insider Italia Andrea Rocchetti, chefe de consultoria de investimentos da empresa de gestão de ativos Moneyfarm. “Por um lado, temos os mercados financeiros e, pelo outro, encontramos os esquemas de comportamento que são condicionados pelas experiências e humores passados de cada investidor. O consultor financeiro atua (ou pelo menos assim deveria ser) como filtro e facilitador".
Como esclarece Rocchetti,
“é preciso lembrar que as ciências sociais clássicas baseiam muitas de suas teorias na ideia de que os indivíduos se comportam racionalmente. A revolução comportamental certamente não é uma novidade, mas muitas de nossas instituições ainda se baseiam no postulado da racionalidade. As finanças, que são um sistema complexo, no qual o resultado é influenciado por uma infinidade de ações coletivas, por sua vez influenciadas pela percepção de qual será a ação de outros atores, está se esforçando para inserir as ciências comportamentais em suas próprias práticas. Se isso é extremamente complexo em nível macro, quando se trata de prever a ação dos operadores, é ao contrário fundamental e de grande impacto quando se trata de gerenciar os erros e as tendências comuns ao investidor de varejo".
A emotividade dos investidores certamente teve seu peso na determinação das recentes quedas dos mercados financeiros, mas esse não é o único aspecto que pode explicar essa tendência.
“Os mercados não são completamente racionais, mas falamos exatamente de um sistema complexo, resultado da interação de muitos atores que tentam tomar decisões racionais da melhor maneira possível a partir de seus conhecimentos. Pois bem, também existem investidores profissionais, os trading algorítmicos. Acredito que a determinar a queda dos mercados que vimos na semana passada foi a grande incerteza relacionada à disseminação do vírus e a dificuldade em prever os cenários, em um contexto de avaliações altas. Talvez o impacto do trading algorítmico também tenha pesado, como muitos argumentam: nos últimos anos, vimos as correções de mercado ocorrerem de maneira cada vez mais repentina, sem que isso seja, inclusive, necessariamente melhor ou pior para os investidores numa visão de médio prazo".
Olhando para o futuro,
“acreditamos que os fatores que realmente importam são os efeitos no crescimento, que prevemos consistentes, mas concentrados, e a resposta das políticas fiscais e monetárias. Como gestores, nosso trabalho é ajudar os investidores a se focalizar nessas tendências de médio prazo. Mais do que ser “causa” do movimento do mercado, o humor dos investidores (principalmente aqueles retail) pode ser um bom exemplo do que deve ser evitado em fases particularmente voláteis, como as das últimas semanas" acrescenta Rocchetti.
Manter a racionalidade, no entanto, é particularmente complicado em momentos críticos como este.
"Os indivíduos têm tendências que foram extensivamente estudadas e catalogadas pelas ciências comportamentais e uma das mais comuns é a aversão à perda (Loss Avertion) que afeta 76% dos investidores de acordo com o estudo de M. Abdellaoui, H. Bleichrodt e O. Haridon, A Tractable Method to Measure Utility and Loss Aversion under Prospect Theory (2008). Estamos seguindo a "Prospect Theory" dos ganhadores do Nobel Daniel Kahneman e Amos Tversky, que foram os primeiros a tirar as consequências que o conceito de aversão à perda tem sobre escolhas individuais, sobre os processos de tomada de decisão e sobre a percepção de utilidade", informa Rocchetti.
Trata-se de sentenças que
“já estão incorporadas em nossos processos de investimento: a maioria dos modelos que usamos para construir nossas carteiras se baseia na hipótese de um investidor avesso a riscos. Outra tendência a não ser subestimada é o excesso de segurança (overconfidence) que, segundo o último relatório do Consob sobre a riqueza das famílias, afeta pelo menos 30% dos italianos. Situações como essa favorecem aqueles que podemos definir como “erros cognitivos”, diretamente ligados a sentimentos e emoções que podem impactar o sucesso do processo de investimento. Para tentar neutralizar (ou pelo menos minimizar) esse tipo de erro a educação financeira pode desempenhar um papel fundamental.
Quem consegue manter a racionalidade pode obter retornos interessantes. O gráfico abaixo mostra o desempenho real alcançado pelas carteiras de clientes que nos últimos dois anos entraram em contato com a Moneyfarm com a ideia de desinvestir na onda de considerações de curto prazo ou da volatilidade, mas que, após a conversa com o consultor, desistiram e, portanto, continuaram o investimento sem perder de vista seus objetivos.
Essa escolha se traduziu em resultados positivos, também do ponto de vista dos rendimentos. O cliente que, durante o período de avaliação [de ~2,5 anos], obteve o melhor desempenho, ganhou quase 12% e, em média, o rendimento foi superior a 2,5% no período (os desempenhos são calculados a partir do momento da chamada, em dezembro de 2019).
“A nossa estratégia de investimento apoia a ideia de que permanecer investido a longo prazo, na maioria dos casos, é a solução capaz de gerar maior valor. Acreditamos que essa é a abordagem mais eficaz para a maioria dos investidores", ressalta Rocchetti.
Que tenta dar um conselho para aqueles que estão preocupados com as consequências dessa epidemia sobre os investimentos.
"Não devemos nos deixar tomar pelo pânico e não devemos perder de vista as pedras angulares do investimento eficiente:
- diversificação (por asset class, geográfica, moeda),
- foco nos próprios objetivos de investimento, mais que nas incertezas de curto prazo e, ao mesmo tempo,
- disponibilidade para aproveitar as oportunidades que podem ser abertas para investidores com visão a longo prazo".
"Estamos enfrentando o outono da globalização, assim como a conhecemos até hoje? É possível uma virada histórica? A epidemia do Covid 19 mudará o nosso comportamento social e o sistema econômico global que, após a derrota do vírus, não será mais como antes?", questiona Vittorio Da Rold, em artigo publicado por Business Insider, 09-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Muitos estão convencidos disso.
Harold James, professor de História e Negócios Internacionais da Princeton University de, autor de um livro de sucesso de 2012 intitulado "The Creation and Destruction of Value: The Globalization Cycle", um dos estudiosos mais interessados sobre o fenômeno da globalização ao longo dos séculos, escreveu recentemente que “o fechamento das fábricas e a suspensão da produção já estão interrompendo as cadeias de suprimentos globais. Os produtores estão adotando medidas para reduzir sua exposição às vulnerabilidades da longa distância".
O paradigma econômico muda: mas não será a primeira vez na história que isso acontecerá. James cita o caso da bolha das tulipas, que em 1637 foi a primeira grande crise financeira desencadeada pelo uso de instrumentos financeiros para fins especulativos e que começou após o fim da epidemia na Holanda. A peste trazida e disseminada pelos soldados durante a Guerra dos Trinta Anos atingiu os Países Baixos em 1635 e atingiu o pico na cidade de Haarlem entre agosto e novembro de 1636, exatamente quando a mania das tulipas decolou.
A corrida à especulação nos bulbos das flores foi alimentada por uma onda de liquidez em dinheiro acumulado pelos herdeiros das vítimas da peste e o desejo de voltar à vida.
As tulipas serviam como uma espécie de mercado futuro, porque os bulbos eram negociados durante o inverno, quando ninguém podia conhecer a natureza da flor. Muitos historiadores viram nessa primeira bolha especulativa o início do capitalismo financeiro.
Depois, há a distorção da ideologia de Milton Friedman, aquela dos Chicago Boys, que colocou como único objetivo da empresa a satisfação dos acionistas em outras partes interessadas (funcionários, clientes e comunidades onde a empresa está localizada). Esse paradigma aplicado à globalização levou à técnica "just in time", ou seja, à redução ao mínimo de estoques e à busca de locais de produção com os custos mais baixos, sem se preocupar com a fragilidade das redes de conexão dos suprimento ou com a proteção de direitos sociais ou ambientais onde os bens são produzidos.
Ian Goldin, professor de globalização e desenvolvimento da Universidade de Oxford e autor de um livro de 2014 que antecipava uma reação ao liberalismo por meio de uma pandemia "O efeito borboleta" disse ao Nyt que a situação atual é o "resultado direto da supremacia dos interesses dos acionistas na economia global", com uma ênfase nos lucros de curto prazo em relação a considerações conservadoras sobre os risco a longo prazo.
"Custa ter um armazém", declarou Goldin, especialista em Oxford. “Você tem a pressão do mercado e os relatórios trimestrais e os analistas ficam fungando no seu pescoço. Você não pode dizer: ‘Bem, temos lucros mais baixos, mas maior resiliência’. Em resumo, precisamos recuperar a visão estratégica de longo prazo, como indicado, entre outros, por Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial de Davos (o local por excelência da globalização) que este ano convidou os três mil participantes a pensar em um capitalismo que leve em consideração os direitos das partes interessadas e não apenas dos acionistas.
Davide Serra, fundador e CEO da Algebris, em entrevista à Bloomberg TV, disse em 5 de março que haverá um reshoring, ou seja, o retorno a casa de algumas deslocalizações da China redesenhando a cadeia de produção global (supply chain) no próximo dois meses e isso levará a um aumento da inflação. Além disso, Serra ainda apontou que o corte nas taxas pode contribuir para reduzir o custo da dívida de famílias e empresas, mas não pode repor em movimento as plantas industriais. Especialmente se for na China.
Segundo Harold James, o historiador holandês Johan Huizinga, mostrou que o período sucessivo à terrível epidemia chamada "Morte Negra" na Europa de 1300 acabou sendo o início do outono da Idade Média. Para ele, a verdadeira história não era construída pelos vieses econômicos de uma pandemia, mas o misticismo, o irracionalismo e a xenofobia que no final haviam posto um fim com uma cultura universalista".
É possível que o Covid 19 ponha um fim à cultura universalista da globalização econômica assim como a conhecemos até hoje e leve de volta algumas produções ao ponto de partida. Basicamente, se deveria apenas voltar a produzir in loco apenas produtos destinados ao mercado local.
Veneza foi por um milênio a cidade dos comércios marítimos com o Oriente e da globalização. Mas uma reflexão tardia também aconteceu na cidade lagunar nos últimos dias. O prefeito de Veneza, Luigi Brugnaro, em 2 de março, durante um encontro com as categorias econômicas da cidade, disse: “Hoje, restaurantes, hotéis e empresas públicas são afetadas, mas amanhã serão envolvidas as empresas industriais. Precisamos repensar as deslocações que foram feitas, na China e em outros lugares, vamos começar a raciocinar a partir daqui quais são as cadeias estratégicas de suprimentos para o nosso país e sobre o fato de reabrir determinadas produções na Itália, porque o que aconteceu nos mostrou que deslocalizando nem tudo funciona bem. Pode ser que dessa crise acabemos saindo ainda mais fortes”.
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O rei está nu. Assim, um vírus colocou em crise o modelo de negócios global. Por onde recomeçar? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU