12 Setembro 2019
Em ações simultâneas, e possivelmente coordenadas, Trump, Boris Johnson e Bolsonaro radicalizam posições, afastam antigos aliados e ampliam ataque à democracia. Há estratégia por trás deste movimento? Como revertê-lo?
O artigo é de John Feffer, autor da novela distópica "Spllinterlands", diretor do Foreign Policy in focus no Instituto para Estudos Políticos [Institute for Policy Studies], publicado por Outras Palavras, 10-09-2019. A tradução é de Gabriela Leite.
A estupidez não tira férias?
No final de agosto, a troika ultradireitista formada por Donald Trump, Boris Johnson e Jair Bolsonaro provou mais uma vez que os Estados Unidos, o Reino Unido e o Brasil estariam até melhores sem governante algum do que com esses personagens duvidosos que fingem governar os países.
Nos três casos, os governantes intensificaram suas políticas de destruição nacional nos últimos meses, de maneira a afastar até seus apoiadores antigos. Mais uma vez, demonstraram que não têm qualquer interesse em “make America, Reino Unido ou Brasil great again”. Só estão interessados em fazer o maior estrago possível até que sejam arrastados para fora do poder.
Boris Johnson é um malandro trapalhão com uma obsessão única: o Brexit. Prometeu cortar as relações do Reino Unido com a União Europeia até 31 de outubro mesmo que isso signifique fazê-lo sem um acordo que diminua as dores da separação.
A data limite, coincidente com o Halloween, é sombriamente apropriada. Um Brexit sem acordo daria um ótimo filme de terror sangrento. Meta uma máscara de fantasma no primeiro ministro britânico, dê a ele uma faca para decepar o cordão umbilical com a Europa e voilà: “Pânico 5”.
A última tática de Johnson para conseguir o que quer foi suspender o parlamento por cinco semanas, para limitar o debate sobre alternativas à sua opção pelo dia do juízo final. Espera fazer com que seja impossível para o parlamento aprovar até mesmo uma legislação de emergência que impeça o Brexit sem acordo. Parece inacreditável, mas o sistema britânico permite tais manobras. Por isso, a rainha Elizabeth teve que dar a bênção à suspensão.
Quando Trump se envolve em suas atividades antidemocráticas, o Partido Republicano geralmente costuma tolerá-lo. Mas não é assim no Reino Unido, onde até os conservadores estão em pé de guerra por causa do golpe silencioso de Johnson. Depois do anúncio de suspensão ser feito pelo primeiro ministro, o “chicote”[1] do governo na Câmara dos Lordes renunciou, assim como o líder do Partido Conservador Escocês. O ex primeiro ministro Conservador John Major, enquanto isso, atacou Johnson e uniu-se à objeção legal à suspensão.
Essa semana, Johnson perdeu a maioria que tinha no parlamento por um voto, quando o membro do Partido Conservador Philip Lee desertou para o lado dos Democratas Liberais, no momento em que o primeiro ministro falava à câmara.
A maior parte dos membros do parlamento, incluindo alguns Conservadores, opõe-se à saída da União Europeia sem acordo. Não importa: Johnson está seguindo o roteiro de Trump, ao refazer o Partido Conservador de acordo com sua própria imagem, ameaçando banir quem não siga sua linha dura. Após perder um voto, o que permite que o parlamento apresente uma lei para atrasar o Brexit, Johnson expulsou 21 dissidentes, incluindo alguns antigos ministros e o neto de Winston Churchill.
Agora, Johnson fala em realizar eleições relâmpago em meados de outubro. Os Conservadores superam confortavelmente os Trabalhistas, os Democratas Liberais e os Verdes. No entanto, se todas as forças dos que se opõem ao Brexit se unirem contra Johnson, poderão sair vitoriosas. Mas Johnson pode, também, prometer eleições para 14 de outubro e em seguida, de surpresa, adiá-las até depois do Halloween, fazendo do Brexit um fato consumado.
Uma vez Johnson disse: “Brexit quer dizer Brexit, e nós o obteremos com sucesso titânico”. Determinado a fazer a coisa errada mesmo sabendo que está errada, Johnson está conduzindo o Reino Unido em direção a um iceberg. Nigel Farage, seu marinheiro chefe, e o resto do país estão aglomerados na proa, preparando-se para o impacto.
Caso houvesse um segundo referendo, cabeças mais sábias poderiam tomar o controle do leme e evitar desastres, mas Johnson está fazendo de tudo para acelerar a saída, seguindo o princípio de que não importa em que direção você vai, desde que vá depressa.
A estupidez adora companhia.
Jair Bolsonaro chama a si mesmo de Trump dos trópicos. A comparação é adequada. Algum poeta do futuro, ao descrever o inferno do presente, vai meter Trump, Bolsonaro e Johnson primeiro pelos pés na boca do Demônio do nono círculo. Por ter alimentado os incêndios das mudanças climáticas, Bolsonaro certamente merecerá tal destino após a morte.
Como a revista britânica The Economist aponta, Bolsonaro como candidato prometeu acabar com as multas por violações de leis ambientais, diminuir as áreas de proteção que representam metade da Amazônia brasileira e lutar contra as ONGs, pelas quais ele guarda um ódio visceral. Como presidente, seu governo estripou o ministério do Meio Ambiente e o Ibama, agências ambientais semiautônomas. Seis dos dez cargos mais antigos da Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável, no ministério, estão vagos, de acordo com seu website. O governo fala de uma tal “capitalização” da Amazônia, mas sabotou um fundo de 1,3 bilhões de dólares que tinham o objetivo de valorizar a floresta em pé.
Resultado da política de não intervenção de Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia saiu de controle, este ano. Encorajados pelas ações presidenciais, fazendeiros brasileiros organizaram um “Dia do Fogo” para fazer uma limpa na terra, para plantações. “Precisamos mostrar para o presidente que queremos trabalhar e o único jeito é derrubando. Para formar e limpar nossas pastagens, é com fogo”, disse um dos organizadores da ação. O número de queimadas na Amazônia quase dobrou, neste ano, se comparado ao mesmo período do ano passado.
Não é como se o mundo já não tivesse sido avisado. As queimadas da Amazônia foram capa da revista norte-americana Time exatamente trinta anos atrás.
Dessa vez, o impacto é direto. A Amazônia captura enormes quantidades de carbono. Queimá-la significa acelerar o aquecimento global. Também haverá uma perda de biodiversidade irreversível. O “lado bom”? Mais soja, que o Brasil pode vender à China, porque ela não está mais comprando as colheitas de fazendeiros dos EUA.
Ah, e mais lucros no bolso dos amigos de Bolsonaro, das indústrias que estão pavimentando o paraíso da Amazônia e abrindo um estacionamento por cima.
Donald Trump é uma mariposa que não consegue interromper sozinha seu voo em direção às chamas da fama (ou, mais precisamente, ao inferno da infâmia). Podia ficar fora do Twitter, mas ao invés disso, seus tuítes irritam eleitor após eleitor. Poderia manter-se longe da imprensa, mas suas mentiras, gafes e ataques pessoais são amplificados por todo o universo da mídia. Indiscutivelmente, essa é uma estratégia para tornar sua base sólida e reforçar sua falsa imagem de mosca na sopa do establishment.
Mas não há estratégia política por trás de sua guerra comercial com a China e suas ameaças impulsivas do mês passado de aumentar ainda mais as tarifas sobre produtos chineses. O dano à sua base preocupa seus assessores políticos: diga adeus ao voto dos fazendeiros, um bom naco de seus eleitores de colarinho azul jogados no lixo e um punhado de consumidores médios irritados por ter que gastar mais dinheiro com presentes de Natal.
Pode piorar, se houver uma recessão econômica mais geral, trazida por essa guerra comercial sem necessidade, o que condenaria as chances de reeleição do presidente. Sim, a economia dos Estados Unidos deve sofrer uma “correção”, particularmente por causa dos cortes de impostos de Trump e de seus gastos exagerados. Mas se Trump jogasse com segurança, provavelmente conseguiria postergar a crise até depois das eleições de 2020. Ao invés disso, está fazendo tudo que pode para assegurar que ela aterrisse precisamente no momento da corrida presidencial.
Trump não é apenas autodestrutivo. Ele continua, ao longo das duas últimas semanas, a destruir as alianças dos EUA, mais recentemente ao expressar interesse na compra da Groenlândia, que pertence à Dinamarca. O território não estava à venda, como o governo dinamarquês relembrou, o que fez Trump cancelar sua viagem ao país.
Groenlândia? Sério?! Talvez Trump estivesse indiretamente reconhecendo os efeitos das mudanças climáticas, tentando conquistar terras ao norte, para garantir o lugar do palácio de verão de sua filha Ivanka e Jared, seu genro.
Enquanto isso, Trump está acelerando em velocidade máxima na direção do apocalipse climático. O último movimento de seu governo foi remover restrições às emissões de metano, causador de aquecimento global mais potente que o dióxido de carbono. O esforço é projetado para reduzir os custos de empresas de petróleo e gás. Mas adivinhe só? Até algumas das maiores empresas de energia se opõem à medida de Trump.
“Ano passado anunciamos nosso apoio à regulação direta das emissões de metano para instalações de petróleo e gás, novas e existentes”, disse o porta-voz da Exxon Mobil, Scott Silvestri. “Isso não mudou. Nós continuamos insistindo que a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos mantenha as principais características das regras existentes para o metano”. No fim das contas, a Exxon, a British Petroleum e outras estão dizendo que tornarão o gás natural parte da solução às mudanças climáticas, enquanto o governo de Trump ocupa-se de destruir estes argumentos…
As restrições ao metano que Trump está tentando desfazer foram criadas no governo de Obama. Mas o governo atual quer rasgar acordos muito mais antigos. O governo de Clinton criou proteção à Floresta Nacional de Tongass, no Alasca, da exploração madeireira e da mineração. Mas Trump quer abrir esse santuário de 6,8 milhões de hectares aos conhecidos suspeitos das indústrias extrativistas. Não é só um pequeno pedaço de terra. Representa metade da floresta temperada úmida do mundo.
Bolsonaro, pelo menos, só está interessado em destruir uma floresta tropical (apesar de ela ser gigante). Boris Johnson se contenta em destruir apenas um país (apesar de que é um bem rico). Donald Trump, com o ego que lhe é próprio, tem aspirações de destruir o planeta inteiro. Sim, os três vão, em algum momento, arder em chamas. Mas não antes de deixarem a terra em brasas.
Uma ambientalista confessou ao jornalista Alan Weisman que, antes das eleições de 2016, estava considerando votar em Trump. “Da maneira que eu vejo”, ela disse, “ou são mais quatro anos em UTI com Hillary, ou deixar esse maníaco arrasar toda a casa. Talvez então possamos juntar os pedaços e finalmente começar a reconstruir”.
A filosofia segundo a qual “as coisas têm que piorar antes de melhorar” funcionou em algumas vezes, no passado. Mas não é mais assim.
A menos que o paremos, terminaremos tendo que vasculhar as cinzas pós-Trump em vão, à procura de pedaços. A casa não existirá mais. E não haverá nada que possamos salvar para reconstruí-la.
Unless we stop him, we’ll be rooting around in the post-Trump ashes in vain for the pieces. The house will be gone. And there will be nothing we can salvage to rebuild it. (Republished, with permission, from
[1] Segundo a Wikipedia, “whip” é o deputado encarregado de assegurar a comparência e a disciplina de voto dos outros eleitos pelo partido, de acordo com as orientações partidárias
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A ultradireita global tenta o tudo-ou-nada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU