05 Janeiro 2024
"A parte mais importante do relato dos Magos não tem nada a ver com a própria estrela. Depois de deixarem as suas casas e depois de terem encontrado Aquele que reconheceram como rei, eles fizeram uma coisa totalmente inesperada: voltaram para casa. Mas, como nos diz Mateus, voltaram por outra estrada. O encontro os mudou".
A opinião é do irmão jesuíta estadunidense Guy Consolmagno, diretor do Observatório do Vaticano, em artigo publicado no jornal L'Osservatore Romano, 06-01-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O texto foi publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, 07-01-2016.
A festa da Epifania é especial para nós, astrônomos. Dentre todas as pessoas que acorreram para ver o Salvador recém-nascido, somente os pastores e os astrônomos são lembrados de modo específico.
Naturalmente, essa fama tem um custo. A Epifania também é um tempo em que nós, astrônomos, somos bombardeados por pedidos para "explicar" a estrela de Belém. Johannes Kepler tentou, como se sabe, explicar a estrela como uma "nova" produzida pela conjunção de planetas.
No dia 9 de outubro de 1604, ele calculou uma conjunção de Marte, Júpiter e Saturno; na noite seguinte, de repente, naquela parte do céu, entre Júpiter e Saturno, apareceu uma estrela luminosa. Kepler chegou à óbvia mas errada conclusão de que, de algum modo, era a conjunção de planetas que causava a nova estrela.
Hoje nós identificamos aquela nova estrela como uma supernova, a última avistada na nossa galáxia. Entre outras coisas, essa supernova inspirou em Galileu uma série de lições sobre a astronomia e, no fim, levou-o à primeira utilização de um telescópio para estudar as estrelas. Era 1609, o mesmo ano em que Kepler publicou a primeira das suas famosas leis sobre o movimento planetário.
A ideia de utilizar essa supernova para explicar a estrela de Belém veio para Kepler depois de ele ter se deparado com um livro do polonês Laurentius Suslyga, que colocava o nascimento de Jesus em torno do ano 4 antes da era cristã. Presumindo que as grandes conjunções como aquele que ele tinha acabado de observar levariam a "novas estrelas" luminosas, ele decidiu procurar tal conjunção no tempo indicado para o nascimento de Jesus.
Não é de se admirar que ele a tenha encontrado. E ele não foi o último a fazer isso. Desde então, milhares de estudiosos amadores examinaram as tábuas das conjunções – e hoje os programas planetários dos computadores – para encontrar prováveis explicações.
O fato é que existe um número infinito de disposições planetárias possíveis ou de cometas ou de planetas que explodem que podem coincidir com os cálculos (igualmente numerosos) para determinar a verdadeira data do nascimento de Jesus. O resultado de uma pesquisa recente por "estrela de Belém" feita no site Amazon.com foi de mais de 4.000 livros e vídeos à venda sobre o assunto. E praticamente todos convencidos de que a sua argumentação é a correta.
Sem dúvida, a maioria dessas explicações – e talvez até mesmo todas – são meras coincidências, assim como a fortuita disposição dos planetas e da supernova que, em 1604, enganou Kepler.
Um livro que expressamente não tenta dar uma explicação astronômica é o escrito pelo colega jesuíta do Observatório do Vaticano, Paul Müller, e por mim. Em vez de discutir sobre qual conjunção funciona melhor, nós fazemos uma pergunta diferente: por que é tão importante? Não o fazemos de maneira impertinente. É interessante observar o que exatamente nessa história fascinou tanto inúmeras gerações de astrônomos e apaixonados.
Talvez, em parte, se trata da esperança de que a ciência possa "demonstrar" que a Bíblia diz a verdade; trata-se de uma falsa esperança, porque, falando como cientista, eu mesmo sei como essas provas podem ser frágeis (eu também não confiaria em qualquer religião pela única razão de que a ciência a "demonstrou").
Mas, em parte, certamente, deve ser por causa do nexo entre a glória das estrelas à noite e a glória do Salvador no meio de nós. É essa, estou certo disso, a conexão que Mateus tentava estabelecer. De fato, a minha experiência como cientista me faz aproximar o relato dos Magos com uma série completamente diferente de perguntas sem resposta. O que os levou a se pôr em viagem e a se afastar tanto das comodidades das suas casas? O que procuravam, na realidade?
Observando as motivações que animam muitos dos meus colegas cientistas, não é difícil para mim crer que os Magos poderiam ter sido movidos por razões diferentes, tanto profundas quanto profanas. Talvez, eles tentavam verificar a precisão das suas previsões astrológicas. Talvez, eles queriam se afastar de um chefe irritante e de uma vida familiar infeliz. Talvez, eles buscavam um rei digno da sua veneração.
Outro mistério para mim é como eles o reconheceram Jesus quando O encontraram. Na época, assim como agora, também, as pessoas imersas nos estudos, de acordo com um estereótipo, tendiam e tendem a estar menos em sintonia com as realidades da vida comum. Pelo menos para mim, um recém-nascido parece igual ao outro. Mesmo assim, eles souberam deixar os seus presentes para um menino pobre em uma manjedoura.
E, talvez, a parte mais importante do relato dos Magos não tem nada a ver com a própria estrela. Depois de deixarem as suas casas, por qualquer que tenha sido a razão, e depois de terem encontrado Aquele que reconheceram como rei, eles fizeram uma coisa totalmente inesperada: voltaram para casa. Para aquele chefe irritante ou para a vida familiar infeliz. Para aqueles chatos cálculos astronômicos.
Voltaram da sua busca de um rei, embora tendo-o encontrado. Mas, como nos diz Mateus, voltaram por outra estrada. O encontro os mudou. No entanto, não mudou a sua vida ou o seu trabalho, nem o modo em que eles descobriam a verdade. Os "sábios" eram estudiosos, assim como aqueles que hoje trabalham no observatório vaticano. Mas o estudo não é o único caminho para a verdade. Até mesmo os pastores descobriram o menino na manjedoura. Eles foram inspirados pelo canto dos anjos. E é estranho que hoje ninguém peça que os pastores "expliquem" esse canto!
O Pe. James Kurzynski, sacerdote da diocese de La Crosse, no Wisconsin, EUA, escreveu sobre esse contraste no blog do Observatório do Vaticano. O Pe. Kurzynski é um astrônomo amador, isto é, um sábio, mas também um sacerdote, um pastor de almas. No fim da sua reflexão, ele pergunta aos leitores: "Como vocês chegam à verdade? Vocês são um dos 'magos' que gravitam em direção à razão natural? Vocês são um 'pastor' submisso à revelação divina? Ou talvez um pouco de ambos?".
O relato dos Magos nos inspira a olhar para o nosso caminho. O que estamos buscando? Por que o buscamos? Como o reconheceremos quando o encontrarmos? E somos corajosos o suficiente para levá-lo de novo para casa quando o encontrarmos?
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Os astrônomos e a epifania. Magos ou pastores? Artigo de Guy Consolmagno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU