07 Janeiro 2022
"A história dos Magos não perdeu o interesse porque, então como agora, aquela fábula nos lembra que, para além da Babilônia dos códigos e das línguas, o cosmos se comunica numa linguagem que está sempre aberta a quem está disposto a se pôr em caminho e deixar de lado as próprias certezas. Para chegar à soleira da casa de Deus, os magos não fizeram nada além de confiar na lógica das mecânicas celestes", escreve Antonio Rocca, em artigo publicado por La Repubblica, 06-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Entre os evangelistas, o único a fornecer informações sobre os magos foi Mateus, que descreveu a chegada de alguns magos a Jerusalém sem especificar seu número, nome ou características físicas. Na realidade, quase tudo que sabemos sobre esses sábios vem dos evangelhos apócrifos e da tradição popular que, ao longo dos séculos, definiu seu papel de rei, listou seus dons e estabeleceu que Melchior tem feições europeias, Gaspar orientais e Baltazar é negro.
As fontes também carecem de qualquer referência à caça, um silêncio digno de nota porque a razão está amplamente documentada na iconografia e tem sido, entre outras coisas, objeto de estudos importantes como os realizados por Marco Bussagli ou Franco Cardini. O tema venatório conheceu uma difusão considerável, embora não seja uma constante e não haja vestígios dele em casos famosos, como nos afrescos de Giotto ou na obra inacabada de Leonardo. Associados aos magos, os cães de caça já aparecem no púlpito do século XIII esculpido por Nicola Pisano para a catedral de Siena ou, no século seguinte, na fachada da catedral de Orvieto.
Durante o Renascimento, os cães de caça apareceram tanto no norte italiano, com Stefano da Verona, como no centro da Itália, por exemplo em Perugia com Benedetto Bonfigli, mas também na França, com os irmãos Limbourg.
Na análise desta variação iconográfica específica, a principal dificuldade é constituída pela impossibilidade de isolar o seu âmbito de difusão e, consequentemente, de especificar os motivos que determinaram a sua origem. Referências de caça aparecem e desaparecem nos mais diversos contextos e linguagens, aparecem no sumptuoso retábulo de Gentile da Fabriano como na linguagem austera do camaldulense Lorenzo Monaco.
Nem mesmo é possível identificar um momento privilegiado no ciclo dos Magos, porque cornetas de caça e cães de caça podem ser vistos nas Adorações, nas Procissões ou no Encontro na porta de Jerusalém. Certamente poderia ter havido alguma influência exercida pelo mecenas, ricos senhores que adoravam ser representados exibindo sua opulência, mas mesmo neste caso, olhando em detalhes, algo não bate. Levando em consideração o mecenato dos Médici, o mais significativo tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo, verifica-se facilmente que o tema da caça está ausente nos afrescos de Beato Angélico em São Marcos, no convento da família, bem como no painel de Botticelli, que é o emblema das ambições da dinastia, enquanto retorna com toda a força na capela de Benozzo Gozzoli no Palazzo Medici.
Avançando ainda mais a pesquisa, pode ser útil descentralizar temporariamente a atenção dos magos e ampliar o campo de investigação, questionando outras figuras de caçadores aristocráticos. Entre os mais conhecidos está Huberto de Liège, pertencente à dinastia real dos merovíngios. Tendo se embrenhado na floresta para caçar, Huberto se deparou com um veado que tinha um crucifixo entre os chifres, exatamente o mesmo encontro milagroso feito pelo nobre romano Eustáquio. Ambos foram canonizados e personificam, nas áreas germânica e latina, o arquétipo do sagrado caçador. Como podia ser lido no Timeu ou nas Etimologias de Isidoro de Sevilha, a Idade Média havia transformado o mundo material em uma selva, a figura do santo caçador respondia à exigência de encenar a epopeia da salvação em um horizonte que se tornara escuro e insidioso.
A narrativa da selva, entretanto, precisava de um anti-herói, um papel atribuído ao bíblico Ninrode. No Gênesis, Ninrode é um valente comandante e caçador, mas durante a Idade Média o personagem foi carregado com uma aura negativa e se transformou em um gigante arrogante que da Babilônia lança seu ataque ao céu.
O principal intérprete desta versão da lenda foi Dante, que mergulhou o pérfido rei nas profundezas do inferno, culpado de ter causado a separação e a incompreensão entre as estirpes descendentes de Noé. Favorecido pela fortuna da Comédia, o mito de Ninrode teve longa vida e é testemunhado, no final do século XV, no mais antigo baralho completo de tarô conhecido atualmente: o Sola Busca. No Sola Busca, Ninrode prefigura o arcano da torre, uma carta que assumirá forma canônica apenas no século XVII, quando a torre se torna La maison Dieu. A carta é interpretada como "A casa de Deus", embora literalmente seja "A casa Deus". Para justificar a queda da preposição de, Alejandro Jodorowsky considerou a frase como pura matéria sonora. Rearranjado e desconstruído o som, La maison Dieu sofre uma metamorfose e reaparece como L'âme et son Dieu (a alma e seu deus). Se aceitarmos a hipótese de que o título do arcano XVI não seja um erro, mas sim o resultado da errância da língua, portanto de uma estratégia coletiva usada para encontrar o que se perde na diferente manipulação de uma mesma metáfora, então podemos nos aproximar da raiz que liga Huberto, os magos, Ninrode e Eustaquio: a busca do sagrado ou, em outras palavras, a relação entre a alma e seu Deus.
É uma caça nas trevas, como aquela que Pisanello pintou na Visão de Santo Eustaquio e que Nicola Cusano descreveu em De venatione sapientiae, é uma aventura com um desfecho incerto guiada apenas pela utopia de uma estrela. Poderíamos talvez parar por aqui, mas o poder de atração operado por outras figuras de nobres caçadores parece demasiado fraco para impor uma variação iconográfica em um tema tão difundido, então deve ter havido algo mais, algo que está presente na própria tradição popular e que pode ter determinado e harmonizado diversas variantes complementares.
Vamos retomar o tema desde o início: seguindo o que foi delineado até aqui, parece que a tradição tenha redesenhado e interconectado Ninrode e os magos. O gigante separou os filhos de Noé, que devem ser reunidos: Batazar, Melchior e Gaspar, portanto, tornam-se os descendentes ideais de Cam, Jafé e Sem. Por esta razão, os sábios de Mateus devem manifestar características morfológicas tão marcadas e devem ser reis, porque somente assim terão a autoridade para unir as nações dispersas na Babilônia. Eles são magos, é verdade, mas sua magia antes de ser divinatio é venatio.
Se na narração entre a história de Ninrode e aquela dos magos há distância cronológica, no imaginário os dois eventos são contemporâneos porque ligados a modelos opostos de conduta diante da mesma condição. Os cães de caça que Pisano esculpiu em 1265, ano do nascimento de Dante, são a resposta ao desafio lançado por Ninrode.
A história dos Magos não perdeu o interesse porque, então como agora, aquela fábula nos lembra que, para além da Babilônia dos códigos e das línguas, o cosmos se comunica numa linguagem que está sempre aberta a quem está disposto a se pôr em caminho e deixar de lado as próprias certezas. Para chegar à soleira da casa de Deus, os magos não fizeram nada além de confiar na lógica das mecânicas celestes.
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Caça aos três Reis Magos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU