13 Dezembro 2019
"No entanto, o que mais interessava aos primeiros exegetas era sua origem não-judaica, tomada como uma demonstração de como a salvação trazida por Cristo fosse destinada a toda a humanidade".
O comentário é de Marco Rizzi, professor de literatura cristã antiga da Università Cattolica del Sacro Cuore, de Milão, em artigo publicado no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 08-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma curiosa exposição dedicada a Baltasar, um dos três Reis Magos, às vezes representado com pele escura, está acontecendo no Getty Center Museum, em Los Angeles. Mas para quem mora em Milão, não é necessário atravessar o oceano para se encontrar com ele. A uma curta distância do cais do rio, no meio da vida noturna, a torre do sino da igreja de Sant’Eustorgio tem uma peculiaridade: no topo, não há como de costume uma cruz, mas uma estrela de oito pontas. Trata-se do cometa que no Evangelho de Mateus, guia os Reis Magos até a cabana de Belém, para adorar o Menino Jesus. Reis magos cujos corpos teriam sido trazidos a Milão desde Constantinopla no século VI pelo bispo Eustórgio, que os teria depositado na igreja, posteriormente dedicada à sua homenagem. Mas Federico Barbaruiva depois de derrotar Milão em 1162, os teria levado a Colônia, provocando a ira dos milaneses, enquanto no século seguinte na cidade renana seu culto teria se desenvolvido enormemente em torno da catedral fundada em 1249, atraindo massas de peregrinos e promovendo um feira de sucesso. Somente em 1903 o cardeal de Milão Andrea Ferrari teria obtido uma pequena porção das relíquias de seu colega de Colônia, Anton Fischer, ainda hoje conservada em uma capela na igreja de Sant'Eustorgio.
No entanto, Marco Polo, que morreu em 1324, conta ter visto seus túmulos na Pérsia algumas décadas antes, e como ele outros viajantes da época. Como costumava acontecer na Idade Média, a disseminação de um culto aumentava muito as relíquias, as lendas e as representações do santo. Na realidade, apenas o Evangelho de Mateus (capítulo 2) conta a história dos magos (assim em grego) que vieram do Oriente seguindo uma estrela para homenagear o Menino Jesus. Não há informações mais precisas sobre os nomes, o número, a região de origem; apenas a menção dos presentes: ouro, incenso e mirra.
No mundo antigo, o termo "mago" (esta é a tradução correta do grego) tinha um significado ambíguo, indicando quem desempenhava um papel de mediação com o divino, tanto em termos negativos e perigosos, quanto em termos mais positivos e profícuos para os homens. A menção da estrela sugere que Mateus os considerasse nessa segunda acepção, aproximando-os dos astrólogos, categoria igualmente ambígua.
A partir do século III, os autores cristãos se esforçaram para eliminar todos os vestígios de ambiguidade. Aproveitando o Salmo 72 (Os reis de Társis e das ilhas trarão presentes; os reis de Sabá e de Seba oferecerão dons), entendido como um anúncio do Messias, os Magos foram identificados com os reis orientais, enquanto Orígenes foi o primeiro em fixá-los em número de três, com base nos presentes oferecidos a Jesus. Além disso, nas primeiras representações do episódio, seu número varia de dois a doze. No entanto, o que mais interessava aos primeiros exegetas era sua origem não-judaica, tomada como uma demonstração de como a salvação trazida por Cristo fosse destinada a toda a humanidade.
A partir do século VI, no Oriente e no Ocidente, se multiplicam as lendas sobre aqueles que agora se tornaram os três Reis Magos.
No Livro Siríaco da Caverna dos Tesouros, os presentes oferecidos ao Salvador haviam sido encontrados em uma caverna, onde foram colocados por Adão e Eva após serem expulsos do paraíso, em antecipação daquele momento. Nessa história, os Magos são acompanhados por um exército poderoso e muitos servos, tema frequentemente encontrado também na iconografia.
No Ocidente, Agnello de Ravenna, no século IX, foi o primeiro a relatar os nomes com que ainda hoje são conhecidos: Gaspar, Baltasar e Melquior. Os três são considerados os representantes de raças humanas, gerados pelos três filhos de Noé - Sem, Cam e Iaphet - e, portanto, dos três continentes então conhecidos, Ásia, África, Europa. Nos Collectanea atribuídos a Bede, o Venerável, um pouco posteriores, o aspecto de cada um é especificado; de Baltasar, fala-se que era fuscus, ou seja, escuro. A ele cabe representar a África, como confirmado no século XII por uma oração da mística e visionária Elizabeth de Schönau.
A exposição no Getty Center investiga a difusão da iconografia "africana" de Baltasar nos materiais das coleções do museu, manuscritos e iluminuras. Na reconstrução dos curadores, a iconografia de Baltasar como negro africano se espalha na arte europeia, coincidindo com o estabelecimento de relações comerciais entre a Europa e a África. O papel decisivo, no entanto, teria sido desempenhado pelo comércio de escravos das regiões subsaarianas.
A partir de meados do século XV, tornou-se uma prática generalizada e lucrativa com incursões portuguesas na África Ocidental. Assim, os artistas europeus começaram a representar Baltasar como um homem negro, enquanto anteriormente sua origem era mais sinalizada pela presença ao seu lado de um criado de pele escura. Segundo os curadores, essa iconografia refletiria a mercantilização dos negros africanos na Europa do século XV. Em suma, depois de Cristóvão Colombo, os brancos europeus também são culpados pelos Reis Magos: escaparam de Herodes, mas não do espírito do tempo (americano).
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Cultos e fantasias de três “magos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU