Epifania do Senhor – Ano B – A manifestação universal do Filho de Deus na fragilidade de uma criança

Imagem: Divulgação

05 Janeiro 2024

"Tendo seguido a estrela, sinal do nascimento de uma pessoa importante, os magos imaginaram encontrar o rei recém-nascido na corte de Herodes em Jerusalém (lugar onde se espera encontrar o filho de um rei). Sem encontrá-lo ali, e recebendo a informação dos sumos sacerdotes e escribas que, pelas escrituras, o menino nasceria em Belém, continuaram a buscá-lo. Orientando-se ainda pela estrela, vão encontrá-lo com sua mãe Maria, numa casa em Belém. Entraram na casa e, prostando-se, reverenciaram-no.

Reverenciar é dobrar-se humildemente diante de algo ou alguém admirável. Eis os magos, estudiosos orientais, respeitáveis sábios, dobrados diante de um frágil menino, filho de uma família simples, numa casa em Belém. O relato dos magos, afirma Pagola (2013, p.28), é para nós um modelo de autêntica adoração: 'Estes sábios sabem olhar o cosmo até o fundo, captar sinais, aproximar-se do Mistério e oferecer sua humilde homenagem a esse Deus encarnado em nossa existência'. "

A reflexão é de Ceci Maria Costa Baptista Mariani é professora do PPG em Ciências da Religião na Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas e da Faculdade de Teologia. É bacharel e licenciada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora de Medianeira. Possui graduação e mestrado em Teologia Dogmática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora de Assunção. É doutora em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Com Breno Campos e Claudio de Oliveira Ribeiro, organizou o livro Rubem Alves e as contas de vidro: variações sobre teologia, mística, literatura e ciências (Loyola, 2020)

Leituras do dia

Is 60,1-6
Sl 71(72),1-2.7-8.10-11.12-13 (R. cf. 11)
Ef 3,2-3a.5-6
Mt 2,1-12 (Visita dos Magos)

Eis a reflexão.

Epifania quer dizer manifestação. Hoje, a Igreja celebra a Epifania do Senhor e nos convida a contemplar a manifestação universal do Filho de Deus na fragilidade de uma criança. A liturgia nos propõe a meditação sobre a narrativa evangélica da visita dos magos.

Estamos tão acostumados/acostumadas com a figura dos três reis magos no presépio, que não nos damos conta da novidade que representa o “inesperado aparecimento de ‘alguns magos’” (Maggi, 2023, p. 31). O que Mateus deve ter querido anunciar com a narrativa desta presença estrangeira no nascimento do messias?

Conforme a narrativa de Mateus, esses pagãos vindos do oriente, ignorantes da escritura e adeptos da astrologia, receberam a revelação do nascimento do Messias por meio de um sinal da natureza: “Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Vimos surgir sua estrela e viemos reverenciá-lo” (Mt 2,2). Segundo este evangelista, os Magos foram os primeiros a reverenciar o nascimento de Jesus menino.

O significado desta presença estrangeira, em certo sentido incômoda, comenta Alberto Maggi (2023), tem relação com os presentes oferecidos por eles a Jesus: “ouro, incenso e mirra” (Mt 2, 11). Para um melhor entendimento desta palavra evangélica, é importante ter em conta que os evangelhos da infância não são memória histórica da vida de Jesus, mas narrativas pós-pascais que antecipam ao ouvinte da palavra elementos teológicos da existência de Jesus, já tendo presente sua morte e ressurreição.

A experiência da ressurreição transformará a expectativa messiânica dos seguidores de Jesus, ampliará o sentido do messianismo que tinha, para os judeus, um sentido político, e estava associado à relação com o Império. O messias esperado seria aquele que viria para libertar Israel do domínio romano. O episódio dos Magos ensina a comunidade de Mateus e a nós que escutamos esta palavra hoje, que o Senhor se manifesta como luz para todas as nações, e não apenas para um povo escolhido.

O ouro, símbolo da realeza, interpreta Maggi, indica que os Magos reconhecem o Senhor como rei deles, isto é, que o Reino de Deus anunciado por Jesus não está limitado aos judeus, mas é estendido a todos os que acolherem a Boa Nova. A oferta de incenso, que era uma prerrogativa da função sacerdotal, vai indicar também que o privilégio de ser povo sacerdotal, com Jesus, é estendido a todos os povos. Colabora com a mesma mensagem, a oferta da mirra que, por seu perfume, simboliza o amor. O amor esponsal entre Deus e o povo já não se restringe a um povo escolhido, mas se estende até as nações pagãs representadas pelos magos.

Isto quer dizer que Deus não prefere um povo em detrimento de outro, a eleição não é privilégio, mas responsabilidade, é um chamado ao compromisso com o anúncio da Boa Nova de Deus para todos e todas. É neste sentido que podemos entender o profeta Isaías quando exalta Jerusalém por ser receptora do brilho de Javé (Is 60, 2), luz a ser oferecida a todas as nações. E também o ensinamento de Paulo aos Efésios, quando diz que a ele foi dado compreender que “os gentios são coerdeiros, membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesus por intermédio do Evangelho” (Ef 3, 6).

A Boa Nova, conforme reza o Salmo 71, consiste na vinda do Senhor que veio para socorrer o pobre que pede auxílio e o miserável que não tem amparo. O rei que os magos vieram adorar “terá compaixão dos fracos e os pobres e defenderá a vida dos oprimidos” (Sl 71, 13). Este é um questionamento importante que a narrativa evangélica nos coloca: Que luz estamos seguindo? Diante de quem nos ajoelhamos?

Tendo seguido a estrela, sinal do nascimento de uma pessoa importante, os magos imaginaram encontrar o rei recém-nascido na corte de Herodes em Jerusalém (lugar onde se espera encontrar o filho de um rei). Sem encontrá-lo ali, e recebendo a informação dos sumos sacerdotes e escribas que, pelas escrituras, o menino nasceria em Belém, continuaram a buscá-lo. Orientando-se ainda pela estrela, vão encontrá-lo com sua mãe Maria, numa casa em Belém. Entraram na casa e, prostando-se, reverenciaram-no.

Reverenciar é dobrar-se humildemente diante de algo ou alguém admirável. Eis os magos, estudiosos orientais, respeitáveis sábios, dobrados diante de um frágil menino, filho de uma família simples, numa casa em Belém. O relato dos magos, afirma Pagola (2013, p.28), é para nós um modelo de autêntica adoração: “Estes sábios sabem olhar o cosmo até o fundo, captar sinais, aproximar-se do Mistério e oferecer sua humilde homenagem a esse Deus encarnado em nossa existência”.

A epifania do Senhor é uma festa que ganhou uma importância grande na devoção popular. Na Festa do Santos Reis, o povo canta, dança e oferece presentes. As Folias de Reis são festas populares muito difundidas no Brasil. São viagens rituais em que devotos saem na noite de Natal ou na do Ano Novo e, vestidos de roupas coloridas, percorrem estradas, anunciando de porta em porta, por meio de canto e dança, o nascimento do Rei menino. Oferecem bençãos e pedem auxílios para os pobres. As famílias recebem os foliões com uma refeição e fazem sua oferta, esmola para os pobres e algo que será preparado e servido na grande festa que marca o final da peregrinação. Tendo como inspiração a narrativa bíblica, esta festa é um exercício festivo de caridade e hospitalidade.

Liturgicamente, integrando o tempo do Natal, a Festa dos Santos Reis tem muito que ver com o poema de Cora Coralina que nos convida a ser Natal e, como os Reis Magos, oferecermos às pessoas o que temos de melhor: Natal, diz em poema a poeta, “somos nós quando decidimos nascer de novo, a cada dia, nos transformando. (...) Somos presépios do natal quando nos tornamos pobres para enriquecer a todos. (...) Somos estrelas do natal quando conduzimos alguém ao Senhor. (...). Somos os Reis Magos quando damos o que temos de melhor, não importando a quem.(...) Somos sim, a Noite Feliz do Natal, quando humildemente e conscientemente, mesmo sem símbolos e aparatos, sorrimos com confiança e ternura na contemplação interior de um natal perene que estabelece seu Reino em nós. Obrigada Jesus! Por vossa luz, perdão e compreensão!” (De coração de Natal).

Referências

MAGGI, Alberto. Jesus, hebreu por parte de mãe: o Cristo de Mateus. São Paulo: Paulus, 2023.
PAGOLA, José Antonio. O caminho aberto por Jesus. Petrópolis, RJ: Vozes, 2-13.

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