04 Janeiro 2019
Os Magos encontram o menino somente com Maria. É, portanto, o Cristo na Igreja que os Magos encontram. Uma Igreja pobre, sem poder, próxima dos pequenos e dos rejeitados... Uma Igreja que nos diz a pobreza, a impotência e a presença desconcertantes do nosso Deus.
A reflexão é de Raymond Gravel (1952-2014), sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do Domingo da Epifania do Senhor. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O texto foi publicado por Instituto Humanitas Unisinos - IHU, 04-01-2019.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Is 60, 1-6
2ª leitura: Ef 3,2-3a.5-6
Evangelho: Mt 2,1-12
Natal e Epifania são, assim como a Páscoa e a Ascensão, uma única festa. Do nascimento de Cristo ao Natal, passamos agora à sua manifestação (epifania) para todos, sem exceção. Hoje, diz-se que a Epifania é a segunda festa de Natal, mas, sem dúvida, foi a primeira, por ser celebrada no tempo pela Igreja Oriental no dia 6 de janeiro, para dizer que Deus se manifestou ao mundo através do menino e da sua mãe em Belém a todos os povos da terra, através dos Magos que vêm do exterior. No entanto, assim como para o Natal, não é preciso fazer do relato dos Magos, que só Mateus conta, um relato histórico que se referiria a um acontecimento que efetivamente ocorreu no tempo. Fazer tal leitura reduziria a beleza do relato e o porte da mensagem que o evangelista Mateus quis deixar à sua comunidade composta por judeus, certamente, mas também por pagãos, até o fim do século I.
Acima de tudo, Mateus conhecia o profeta Isaías. Compondo o relato, quis nos mostrar que o que havia sido anunciado pelo 3º Isaías, no fim do Exílio, finalmente se realizou com a vinda de Jesus Cristo para o mundo. Com efeito, o profeta Isaías convida Jerusalém a se levantar, porque chegou a luz com o retorno dos exilados à Cidade Santa (Is 60, 1-2). Mas, ao mesmo tempo, não há judeus só judeus que voltam para Jerusalém; todas as nações para lá afluem e trazem as suas riquezas e os seus tesouros, porque todos reconhecem o Deus de Israel, que faz a unidade entre os povos. Esse Deus acolhe a diversidade e a pluralidade... É uma abertura à universalidade verdadeiramente surpreendente, se levarmos em conta que estamos no século VI antes de Cristo.
O evangelista Mateus, retomando o texto de Isaías, quer mostrar que é Jesus Cristo aquela luz que se elevou para todas as nações. O povo de Israel não é mais o único povo de Deus; os pagãos de todas as origens também são escolhidos por Deus, que se revela antes a eles.
São Paulo diz explicitamente em sua carta aos Efésios, no trecho da segunda leitura de hoje: "Eis o mistério: os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo e beneficiários da mesma promessa, no Cristo Jesus, por meio do evangelho" (Ef 3, 6). Portanto, Mateus retoma de Isaías a imagem da peregrinação dos povos à Cidade Santa, para adaptá-lo ao estábulo de Belém, através dos magos do Oriente que seguem a luz, a estrela, o astro de Jacó que anuncia a vinda do Messias a Israel, segundo o livro dos Números (Nn 24, 17). Portanto, há um deslocamento: de Jerusalém, se passa a Belém. Deus não habita mais no templo de Jerusalém. Toma um caminho novo, desconhecido para os grandes, e habita no coração dos pobres, dos oprimidos e dos excluídos. Segundo Mateus, Deus nasce em uma família pobre, em um lugar escuro, longe da cidade grande, em uma aldeia onde encontramos os excluídos, os pastores.
Aos dois presentes – ouro para a realeza e incenso para a divindade – oferecidos pelos gentios de Sabá (Is 60, 60), Mateus acrescenta a mirra, símbolo da humanidade de Deus que se diz e que se expressa através do menino da manjedoura. O teólogo belga Claude Sélis, escreve: "Os magos usam de sabedoria humana prestando homenagem ao Deus que se manifestou a todos. Eles oferecem o ouro, atributo real, o único e verdadeiro Rei do único e verdadeiro Reino. Eles oferecem o incenso, atributo sacerdotal, ao único e verdadeiro Sacerdote do novo culto em espírito e em verdade. Mas eles também oferecem a mirra, atributo mortuário, porque Mateus sabia que essa realeza e esse sacerdócio deviam passar pela morte".
Além disso, a tradição que interpretou Mateus fez dos magos, reis, sem dúvida por causa do profeta Isaías que diz: "As nações caminharão à tua luz, os reis, ao brilho do teu esplendor" (Is 60, 3). E ainda mais, para significar a universalidade, a tradição também identificou os magos com todos os povos da terra: um branco, um negro, um amarelo; as três fases da vida: a juventude, a idade adulta e a velhice, que correspondem à novidade, à maturidade e à sabedoria. Finalmente, a tradição até lhes deu nomes: Gaspar, Melchior e Baltazar.
O relato de Mateus também se inspira no livro do Êxodo, porque, para Mateus e sua comunidade, Jesus é o novo Moisés (o Messias), e o que aconteceu com Moisés na tradição e na lenda judaica também deve necessariamente acontecer com Jesus. Não é por nada que Mateus nos apresenta a crueldade do rei Herodes que tenta matar o menino de Belém, assim como o malvado Faraó do livro do Êxodo tentava matar Moisés. No evangelho de Mateus, vemos até mesmo a sagrada família se estabelecer no Egito (Mt 2, 13-23) por um certo período, como Moisés fez no seu tempo.
Os Magos se dirigem antes a Jerusalém para consultar os especialistas da religião judaica, porque é a Palavra de Deus que pode conduzir até Jesus, que se tornou Cristo, Senhor, rei, messias, salvador, para os cristãos de Mateus. Os Magos reconhecem a competência das autoridades judaicas que interpretam corretamente a Escritura, mas que são incapazes de atualizá-la. Pior ainda, o rei Herodes procurará se servir dos Magos para suprimir o Salvador da humanidade. Para o evangelista Mateus, trata-se justamente do novo Moisés perseguido desde o nascimento.
Quando os Magos chegam ao lugar onde se encontra o menino "sentiram uma alegria muito grande" (Mt 2, 10). Só uma outra vez Mateus irá falar de uma "alegria muito grande", quando as mulheres, no túmulo, na manhã da Páscoa, ficam sabendo de um anjo que Jesus ressuscitou (Mt 28, 8). Assim, os Magos encontram o menino somente com Maria (Mt 2, 11). É, portanto, o Cristo na Igreja que os Magos encontram. Uma Igreja pobre, sem poder, próxima dos pequenos e dos rejeitados... Uma Igreja que nos diz a pobreza, a impotência e a presença desconcertantes do nosso Deus.
O evangelista Mateus nos apresenta três tipos de pessoas que se encontravam em seu tempo e que também podem ser encontradas hoje:
1) Há aqueles que detêm o poder: esses são representados por Herodes e pela sua corte. Quem detém o poder não aceita facilmente ser incomodado, interpelado pelo evangelho. Quer controlar tudo, até Deus, impedindo-lhe de se manifestar no mundo. O poder, segundo Mateus, está em oposição ao Cristo do evangelho. Por quê? Porque o poder favorece a desigualdade, a injustiça e a opressão. E o evangelho é totalmente o contrário. Ser fiel ao evangelho significa reconhecer o menor como o maior, o mais pobre como aquele que Deus prefere, e o mais ferido pela vida como aquele a quem se deve dar mais espaço, a fim de que reencontre a sua dignidade. Nos homens de poder, tanto no tempo de Mateus quanto nos nossos tempos, encontram-se as mesmas características.
2) Há aqueles que sabem: os escribas, os sacerdotes, os profissionais da religião, os especialistas que interpretam corretamente a Bíblia: anunciam a novidade de Deus... mas não se movem, se sentam sobre as suas doutrinas e sobre o seu saber e dizem que não podem mudar nada, porque não têm autoridade para isso. O problema, portanto, não é de interpretação, mas sim de atualização da Palavra. Além disso, assim como a fé cristã se expressa e se explica na história, assim a Palavra de Deus – se não se atualizar no tempo e no lugar em que é proclamada – não é mais a Palavra de Deus, mas sim uma palavra morta, palavras que são continuamente repetidas, mas que não dizem mais nada. Palavras ao vento que não tocam ninguém. Os especialistas de hoje se assemelham muito aos do tempo de Mateus.
3) Há aqueles que buscam Deus e que se põem a caminho para descobri-lo e encontrá-lo. Há incerteza nessa aventura; não se sabe com antecedência onde isso vai nos levar e não se sabe nem onde iremos descobrir e encontrar o Deus da história. É preciso confiança e esperança. Podemos e devemos nos inspirar na Palavra de ontem, mas essa Palavra deve ser interpretada e atualizada para que hoje se diga e se escreva uma Palavra nova de Deus que interpele as mulheres e os homens do nosso tempo. Mas atenção! Também é possível que nós também devamos tomar um caminho diferente do proposto por aqueles que sabem e por aqueles que dirigem: "Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, passando por outro caminho" (Mt 2, 12).
Terminando, podemos dizer hoje, com uma quase certeza, que o Deus da história é único. A sua presença e o seu poder são desconcertantes. O importante é buscá-lo, pôr-se a caminho para descobri-lo, encontrá-lo e deixar-se transformar por esse encontro. É preciso admitir, ao mesmo tempo, que os nossos encontros com Deus nunca são definitivos: Deus não se deixa possuir por ninguém. Santo Agostinho havia compreendido isso muito bem quando escreveu: "Por toda a vida buscamos Deus e, quando o encontramos, devemos buscá-lo mais uma vez".
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Epifania do Senhor: Ainda é Natal! Comentário de Raymond Gravel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU