Epifania do Senhor – Subsídios Exegéticos

05 Janeiro 2024

"A tradição da Epifania (manifestação luminosa) é exclusiva do Evangelho segundo a comunidade de Mateus. Por que esta comunidade manteve esta tradição? Para responder isso devemos lembrar que este Evangelho reflete a destruição de Jerusalém em 70 d.C. e a fuga do resto da comunidade para a Ásia Menor (oriente), onde redigem esta narrativa. O Império Romano, responsável pela total destruição do Templo, afirmava seu domínio universal. Assim, na narrativa da Epifania há um contraponto a este poder."

 

O subsídio é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:

- Dr. Bruno Glaab
- Me. Carlos Rodrigo Dutra
- Dr. Humberto Maiztegui
- Me. Rita de Cácia Ló

Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno

 

Leituras do dia

Primeira Leitura: Is 60,1-6
Salmo: 71,1-2.7-8.10-13
Segunda Leitura: Ef 3,2-3a.5-6
Evangelho: Mt 2,1-12

 

O Evangelho


A tradição da Epifania (manifestação luminosa) é exclusiva do Evangelho segundo a comunidade de Mateus. Por que esta comunidade manteve esta tradição? Para responder isso devemos lembrar que este Evangelho reflete a destruição de Jerusalém em 70 d.C. e a fuga do resto da comunidade para a Ásia Menor (oriente), onde redigem esta narrativa. O Império Romano, responsável pela total destruição do Templo, afirmava seu domínio universal. Assim, na narrativa da Epifania há um contraponto a este poder.

 

O texto em si


A narrativa pode ser esquematizada da seguinte forma:

a. Apresentação dos “magos” (magoi) de oriente e do Rei Herodes e seu propósito evidenciado na pergunta: “onde está o recém-nascido rei dos judeus? ” (v.1-2).

b. Reação de Herodes e “toda Jerusalém” (v.3).

c. A consulta aos sacerdotes, escribas do povo e a citação da profecia de Mq 5,2. (v. 4-6)

b’. O “acordo secreto” de Herodes com os magos e o achado da estrela (v.7-10)

a’. O achado do menino com a mãe, entrega dos “presentes” e advertência da falsidade do “acordo” de Herodes (v.12).

 

Esta estrutura nos revela que:

 

a. A simbologia dos magos está diretamente ligada a Herodes, numa oposição simbólica entre o Império do Ocidente que dominava e matava e a esperança do Oriente que apontava para um novo tempo universal (v.3 e 12).

b. Jerusalém (destruída em 70 d.C. pelo Império Romano que também assassinou apóstolos e apóstolas), é igual a Herodes, temendo um novo tempo onde o Império não seja mais sua “segurança” e para isso recorre à mentira (v.3 e 7-10).

c. No centro, no entanto, não está a adoração ao menino, nem os presentes, geralmente enfatizados pela tradição, mas o cumprimento da profecia que era conhecida pelas autoridades religiosas, que se omitem (v. 4-6).

 

A referência ao “oriente” (anatole) aparece três vezes (vs.1,2 e 9), Herodes também (vs.1,3,7 e “o rei”v.9), “Belém da Judéia” (denominação romana) três vezes (vs.1,5,8) e “Belém da terra de Judá” (denominação judaica) aparece na citação profética (v.6) sendo que uma vez aparece “Belém” (v.8). “Estrela” aparece três vezes (vs.2,7 e 9), e o termo “magos” (a ênfase tradicional) aparece apenas duas vezes (v1 e 7).


O “Oriente”, é a direção oposta do Império Romano e permite ver o que o Império não enxergava (a estrela que está acima do seu poder), e os magos, de fora da religião permitem ver a periferia (“a menor entre as principais cidades”). Os magos e seus presentes (ouro – riqueza; incenso - santidade) são o símbolo da superação poder opressor (Herodes), que passa a ser acolhedor, adorador e doador (quem sabe por isso a tradição também lhes chamou de “reis-magos”).

 

Relacionando com as outras leituras

A leitura de Trito Isaías (60,1-6), reflete o retorno do Exílio Babilônico. Em um mundo tensionado pela queda de um Império (Babilônico) e a ascensão de outro (Persa) havia uma oportunidade para o povo cativo, deslocado, refugiado, apenas devia, através da fé, ter a capacidade de ver essa luz que resplandece no meio das trevas da opressão e da violência de quem domina, mata e destrói.

A Carta aos Efésios (Ef 3,2-3a.5-6) reafirma que aquelas pessoas e povos antes excluídos, as gentes esquecidas pelos poderes opressores dos impérios, as gentes rejeitadas pelas religiões aliadas a esses poderes, agora são incluídas “com” (em grego sun): participação (sunkleronómos - participantes); no mesmo corpo, na mesma dignidade (sunsoma – incorporados); com a mesma posse/herança (sunmétokos). Este é o novo poder da Epifania, da nova luz que nasce de uma nova perspectiva, de um novo lugar, de um novo poder.

 

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