A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do Domingo da Solenidade da Epifania do Senhor, ciclo B do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto bíblico de Mateus 2,1-11.
Epifania significa “manifestação”. No sentido original significa a primeira luz que aparece no horizonte, antes de sair o sol. Essa luz foi tomada como símbolo da iluminação espiritual em muitas religiões; por isso, a luz vem sempre do Oriente. Toda manifestação de Deus tem a marca da universalidade. Na relação com Deus estão excluídos os privilégios e exclusivismos. “Fora da Igreja há salvação!”
Na Epifania, não estamos celebrando a data de um acontecimento, mas a realidade de quem é Deus e a imensa alegria de poder descobri-Lo presente em tudo e em todos.
Se o Senhor não se manifestasse, sua Encarnação não teria chegado à toda a humanidade. Pois bem, a manifestação de Deus em Jesus tem um alcance universal, está destinada a toda humanidade.
É interessante que a tradição tenha interpretado que os Três Magos procediam dos três continentes até então conhecidos: África, Ásia e Europa. O mago negro aparece sempre. No Reino de Jesus Cristo não há distinção de raça ou de origem, não há diferenças nacionais, nem sociais, nem raciais. Todos somos filhos do mesmo Pai. Jesus Cristo une todos os povos e todas as pessoas, sem perder a riqueza de sua diversidade.
A tradição também relacionou os três reis com as três idades da vida do ser humano: a juventude, a idade madura e a velhice. Deste modo, todos podemos nos ver representados nos três magos que vão ao encontro do menino-Deus.
Mateus começa e termina seu evangelho dando a Jesus o título de “rei dos judeus”. Trata-se de um rei que nasce e morre rompendo todos os esquemas das realezas mundanas: nasce em uma gruta que acolhia animais e morre numa cruz. Em seu nascimento, os Magos vão em busca do “rei dos judeus”. Se estamos falando de um rei, compreende-se que eles o buscassem na cidade dos grandes palácios, ou seja, em Jerusalém. Equivocaram-se de caminho e de lugar, porque o rei que tinha nascido era tão diferente e tão novo que só podia nascer entre os pobres. O evangelista Mateus não se refere a nenhuma realeza que não seja a de Jesus. São as tradições populares posteriores que, usando muita imaginação, consideraram os Magos como “reis”. O evangelista só reconhece um rei, que é Jesus. Por isso os magos se prostram diante dele e o adoram.
Os Magos representam todos aqueles que vem dos confins da terra ao encontro do Menino, os estranhos ao povo judeu, os que não são da raça do recém-nascido, os afastados. Também para eles nasceu o filho de Maria. E também a eles deve chegar a boa notícia do Evangelho.
Os Magos representam também a humanidade inteira em busca de paz, verdade e justiça. Representam o desejo profundo do espírito humano, a marcha das religiões, da ciência e da razão humana ao encontro d’Aquele que se “humanizou” plenamente.
À luz do relato de Mateus podemos afirmar: o Reino de Deus não se limita aos contornos de uma religião. O amor, a entrega, a capacidade de sair de si e ir ao encontro do outro, a compaixão... são os melhores recursos e possibilidades presentes no interior de todo ser humano. O que celebramos hoje é a revelação de Deus a todos os homens e mulheres, não a submissão de todos à doutrina ou disciplina de uma determinada religião. Onde se encontra uma pessoa que cresce em humanidade, amando os outros, ali está se manifestando Deus; onde a compaixão, o cuidado e o serviço se revelam como atitudes gratuitas, ali Deus está revelando seu rosto. Não podemos entender a abertura aos pagãos como proposta para que se convertam à religião cristã. O importante é potencializar o que há de mais nobre e humano em cada pessoa, mesmo que não conheça Jesus.
Os Magos, discernindo os sinais da natureza, se depararam com o forte esplendor de uma “estrela”, e puseram-se a caminho. Talvez o relato dos Magos e a estrela tenha suas raízes na bonita tradição judaica que diz: quando uma criança nasce, “acende-se” uma estrela no céu. Por isso no céu há tantas estrelas. Quando nasce uma criança, acende-se uma luz, um mundo de possibilidades, um universo pessoal no espaço da comunidade humana.
Jesus Cristo como “estrela”, é guia da humanidade e por isso desce à terra. De fato, a estrela se deteve no presépio, onde estava Jesus. A estrela, portanto, é Jesus presente no cosmos; logo, o cosmos fala implicitamente de Cristo, embora sua linguagem não seja totalmente decifrável para o ser humano.
A Criação deixa transparecer os atributos do Criador: bondade, compaixão, verdade, justiça... Desperta também a expectativa, mais ainda, a esperança de que um dia este Deus se manifestará plenamente.
A partir de então, as verdadeiras estrelas da humanidade são as pessoas que nos mostram o novo caminho para o Deus encarnado.
Também hoje continuamos necessitados de estrelas que iluminem nossos caminhos e guiem nossos corações, porque a noite é escura, as certezas se debilitam ou se petrificam, os abusos de poder violentam, destroem e marginalizam, a esperança continua sendo um desafio para quem consentiu acreditar.
Essas estrelas são pessoas, gestos, conversações que iluminam nossa vida cotidiana e nos recordam a verdade salvadora que se encarna em Jesus. Mas também são acontecimentos, sinais dos tempos, mudanças que ajudam a crescer e a melhorar, porque guiam para esses lugares que nos fazem mais humanos, que nos ajudam a compreender que nem tudo está dito e nos recordam que Deus continua sendo surpresa e impulso, que sua salvação não é algo do passado ou de um futuro distante e enigmático, mas presente e atuante em cada geração e em cada pessoa.
Como Igreja e como cristãos temos de repensar muitas coisas, mas não a partir do poder (Herodes e Jerusalém), mas a partir da Luz. A revelação, a estrela, estão no fluxo da história da Igreja e da humanidade; precisamos procurar fazer nossa essa luz para que ilumine cada situação humana e eclesial.
A Boa Notícia de Jesus nos levanta, nos convida a caminhar com a certeza de que sempre haverá estrelas que alimentem nossa esperança, orientem nossos projetos, nos sustentem nos momentos vulneráveis, nos abram na obscuridade. Nem sempre é fácil pôr-se de pé, fugir das seguranças do poder e do êxito, começar de novo... Mas, aí está uma multidão de estrelas que continuarão comprometidas em acompanhar-nos em todos os nossos esforços.
Mais uma vez somos convidados(as) a ser “magos/as”, caminhantes e buscadores que sabem seguir a estrela sem medo a que nos leve a lugares desconhecidos, surpreendentes ou inesperados. Magos/as que presenteiem perdão, bondade e solidariedade sem esperar outra coisa em troca a não ser fraternidade e empatia. Magos(as), em definitiva, que coloquem a confiança naquilo que constrói e liberta, e abandonem tudo aquilo que é imposto, violento ou interesseiro. Não é um caminho fácil. Não basta escutar o chamado do coração; é preciso pôr-se em marcha, expor-se, correr riscos.
O gesto final dos magos é sublime. Não matam o menino, mas o adoram. Inclinam-se respeitosamente diante de sua dignidade; descobrem o divi-no no humano. Esta é a mensagem de sua adoração ao Filho de Deus encarnado no menino de Belém.
Como cristãos, devemos nos sentir capazes de acolher todas as expressões religiosas e culturais de todos os povos. Só nesse sentido se pode falar de “epifania”. Não se trata só de ir e levar aos outros o que temos. Trata-se de receber aquilo que os grandes “magos” dos povos também nos oferecem. Epifania não combina com preconceito, fundamentalismo, proselitismo...
- “Fazer memória” das pessoas que foram “estrelas” inspiradoras em sua vida.
- Situações em que você foi “presença iluminante”, apontando horizontes de sentido para muitas pessoas.