04 Mai 2018
“‘Nenhum bispo seja imposto’, era o pedido do Papa Celestino. Talvez o ‘caso chileno’ abra as portas para uma Igreja mais democrática. A atual Igreja está se sufocando devido à reduzida participação de seus membros”. A reflexão é de Jorge Costadoat, teólogo jesuíta chileno, em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 30-04-2018. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
A esta altura dos acontecimentos, é mais que provável que Juan Barros deixará em breve de ser o bispo de Osorno. Os osorninos podem ter representado muitos católicos chilenos que pensam que nenhum bispo deveria ser-lhes imposto. Essa situação poderá ser possível novamente em casos similares e, embora indesejável, nos deixa muitas lições.
Neste momento em que os bispos chilenos se preparam para reunir-se com o Papa Francisco, para refletir juntos sobre os fatos e traçar um plano de ação, surgem duas perguntas. Uma diz respeito à idoneidade daqueles que serão nomeados bispos em substituição daqueles que eventualmente deixarem o cargo. Estes podem chegar a nove em um prazo de tempo relativamente curto. A preocupação está em quem serão os novos bispos. Que novos bispos poderão arcar com o peso da gigantesca desconfiança dos fiéis em suas autoridades? Estas, precisamente, perderam a autoridade. Hoje, a investidura por si só não é suficiente. O comum dos batizados é muito mais crítico. Ele espera que os sacerdotes deem conta de suas palavras e ações.
Para a escolha dos novos bispos, seria aconselhável elaborar um perfil dos candidatos de acordo com a realidade em que nos encontramos. Na minha opinião, os candidatos poderiam ter pelo menos as seguintes três características. Devem ser sujeitos com capacidade de se conectar emocional e culturalmente com todas as gerações. Essa empatia não tem que ser mera simpatia, mas aptidão para entender por dentro as pessoas deste tempo e de sua cultura, e compadecer-se com os mais diversos sofrimentos humanos. Pela mesma razão, a segunda característica exige que os sujeitos tenham uma sólida formação de modo a terem uma visão ampla que lhes permita usar o ensinamento tradicional da Igreja para ajudar as pessoas e não para oprimi-las com ele. Essas duas características devem andar entrelaçadas. Não é possível que os bispos se percebam tão distantes do sentir e pensar dos católicos.
A terceira característica necessária será a credibilidade. Os bispos devem ser confiáveis. Se não forem confiáveis aos católicos, nas atuais circunstâncias da crise de “fé”, lhes faltará um requisito indispensável. A fé no cristianismo é transmitida através do testemunho de pessoas que acreditam que Deus, que nunca falha, mudou suas vidas. A empatia e a formação intelectual, no caso das autoridades eclesiásticas, cumprem sua função quando estas têm algo a ensinar porque o aprenderam a partir de uma experiência do amor e do perdão de Deus.
A segunda pergunta de grande importância no presente e no futuro é quem escolherá os bispos e como se dará essa eleição. Atualmente, os bispos são escolhidos pelo Papa. Se Francisco tivesse ouvido os bispos chilenos, em vez de ouvir aqueles que o desinformaram, a situação de Barros não teria chegado a essa situação. Mas, independentemente deste erro grosseiro do Papa, o problema é a legislação eclesiástica que concede um poder quase absoluto aos pontífices. O fato é que Francisco, no momento, não tem a institucionalidade adequada para se informar sobre aproximadamente nove pessoas que poderiam ser bispos. Se na nomeação de Barros as pressões para mantê-lo e tirá-lo foram grandes, a escolha dos próximos nomes poderá ser caótica.
Poderá ser caótica porque o atual processo de informação necessário para nomear os novos bispos não dá conta. Em quem o Papa confiará para nomear os novos bispos? O atual núncio tem enorme responsabilidade na situação criada. É de se supor que Scapolo não intervenha em nada. Os bispos chilenos, em grande parte inocentes no “caso Barros”, também estão desacreditados. Francisco irá acreditar em alguns e não em outros? Quem é quem? O Papa pode resolver o problema “pessoalmente”, pelo que arrisca reincidir na prática que está na origem dessa crise.
Isso me faz pensar na possibilidade de Francisco nomear uma pessoa de suma confiança – como fez com Scicluna – para criar um mecanismo ad hoc para reunir as informações necessárias e ajudar a avaliá-las. Em muitas instituições existem comitês de busca que cumprem essa função. Conheço os mecanismos da Universidade Católica e da Universidade Alberto Hurtado. Eles funcionam muito bem. A autoridade máxima da universidade faz a nomeação dos reitores depois de ter ouvido todas as partes e reunido todos os tipos de antecedentes. Os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, os leigos e as leigas não terão nada a dizer sobre a eleição dos próximos novos bispos chilenos? Os jovens não poderiam ajudar a forjar o perfil do bispo de que se tem necessidade?
‘Nullus invitis detur episcopus’, defendia o Papa Celestino, isto é, “nenhum bispo seja imposto”. Talvez o “caso chileno” abra as portas para uma Igreja mais democrática. A atual Igreja está se sufocando devido à reduzida participação de seus membros.
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A próxima eleição de bispos. "Nenhum bispo seja imposto". Artigo de Jorge Costadoat - Instituto Humanitas Unisinos - IHU