Vozes de Emaús: Um pouco de teoria para aprimorar nossas lutas. Artigo de Pedro A. Ribeiro de Oliveira

Arte: Laurem Palma | IHU

18 Novembro 2025

"Dentre esses quatro objetivos destaco um, que merecia ter recebido grande destaque nesta COP-30, realizada na Amazônia: a relação entre o Socialismo e o Bem Viver tendo no horizonte a Esperança do Reino de Deus."

O artigo é de Pedro A. Ribeiro de Oliveira, doutor em Sociologia, Professor aposentado dos PPGCR da UFJF e PUC-Minas.


Pedro A. Ribeiro de Oliveira (Foto: Tiago Miotto | Cimi)

Eis o artigo.

Acabo de fazer a inscrição para o 13º Encontro Nacional de Fé e PolíticaENFP –, que se realizará em São Bernardo do Campo, no último final de semana de abril de 2026. Estarei lá porque é uma ótima oportunidade para encontrar gente que, por todo esse Brasil, tem na Fé cristã uma luz que ilumina sua prática política. Essa Fé que se concretiza politicamente direciona-se para construir um mundo onde Justiça e Paz se abraçarão, englobando nesse abraço toda a comunidade de vida da Terra. Para quem, como eu, tem a sensação de ser minoria numa sociedade que se deixa guiar pela política do ódio e se congratula quando a polícia mata na periferia, o 13º ENFP será um bom momento para sentir que somos muitos e que nossa Esperança é bem fundamentada.

Para isso, é importante reencontrar companheiros e companheiras de outros lugares e conhecer gente nova, mas a necessária dimensão afetiva não é suficiente para fundamentar a Esperança de “outro mundo possível” tão proclamada pelos Fóruns Sociais Mundiais. É preciso também conhecer “a razão da nossa Esperança” (1Pe 3, 15). Isso requer estudo e reflexão em grupo e para estimula-los o Encontro tem como objetivos (i) enfrentar a extrema direita em 2026 fortalecendo a Democracia com candidaturas comprometidas com as causas da Justiça e da Paz; (ii) fortalecer os trabalhos de base para construir um projeto viável de Socialismo e Bem Viver, que já antecipem o Reinado de Deus; (iii) manter viva a memória das lutas sociais e políticas, em especial das mulheres, movimentos negros, Povos Originários e Comunidades Tradicionais; e (iv) realçar o papel da Arte e da Cultura para o êxito na luta social e política, com destaque para as periferias e as juventudes.

Dentre esses quatro objetivos destaco um, que merecia ter recebido grande destaque nesta COP-30, realizada na Amazônia: a relação entre o Socialismo e o Bem Viver tendo no horizonte a Esperança do Reino de Deus.

A carta de princípios do MNFP faz clara opção pelo socialismo, embora tenha sido escrita quando o socialismo soviético já estava desmoronando. Depois foi incorporado ao seu ideário o Bem-viver, sem resolver uma inevitável ambiguidade: sendo pouco conhecida a luta política dos povos andinos pelo Sumak Kawsay, o Bem Viver foi interpretado como receita de vida saudável, fundada em relações amorosas dos humanos entre si e com a natureza, sem afetar o modo de produção que rege as estruturas econômica, social e política. Consequência dessa ambiguidade é que para muitos de nós Socialismo parece ser uma coisa e Bem viver, outra.

E a questão é mais séria. Pelo lado do socialismo, é clara nossa crítica ao modelo implantado na antiga URSS – especialmente a partir do comando de Stalin – mas muitos de nós admiramos outras experiências, como as de Cuba e especialmente a do sandinismo autêntico na Nicarágua. Hoje fala-se de Ecossocialismo, e essa perspectiva tem boa aceitação em nosso meio. Pelo lado do Bem Viver, é preciso corrigir aquela concepção equivocada que não vê nele o fundamento das lutas de povos originários de Nossa América: a proposta de um modo de produção capaz de superar o modo de produção capitalista, feita a partir de um pensamento decolonial.

Explico: enquanto o projeto de Socialismo foi elaborado na Europa, a partir do moderno paradigma cartesiano, que é racional e antropocêntrico, a Sabedoria do Bem Viver é o produto da luta de povos originários – Quitchua e Aymara – a partir de sua Tradição ancestral revista no contexto das lutas contra o capitalismo neoliberal no final do século XX. Ela tem paralelo com os Caracóis do povo Maia em Chiapas, que faz a síntese entre sua Sabedoria ancestral e a experiência histórica do Exército Zapatista de Libertação Nacional, inspirada nas lutas de outras organizações populares pelo Socialismo.

O problema dessa ambiguidade não é mera elocubração teórica. Ele se refere à nossa práxis, isto é à prática de luta que fundamenta nossa concepção da história mas que, num movimento dialético, nela se inspira. Optar pelo Socialismo e optar pelo Bem Viver é ou não é a mesma coisa? Mudam apenas as palavras, ou estamos no caminho de superar o Socialismo da modernidade europeia pelo Bem Viver da ancestralidade do Novo Mundo?

Enfim, a questão se complica quando se coloca em pauta o projeto do Reino de Deus como projeto a ser construído já na História, como o apresentam os Evangelhos. A referência explícita ao Reino de Deus está presente desde a fundação do MNFP, mas sua articulação com o socialismo e o Bem-Viver raramente é explicitada. Explicitar essa articulação com sólida fundamentação teórica pode ajudar muito a tornar mais claro o projeto do nosso Movimento.

Tudo isso é o tema de apenas uma das 13 mesas temáticas programadas! Teremos em São Bernardo do Campo uma oportunidade única de reflexão e aprofundamento de temas práticos e teóricos que vão nortear nossas ações imediatas e nossos projetos de longo prazo. Por isso, recomendo:

Inscreva-se logo para participar do 13º ENFP!

Acesso disponível aqui.

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