A crise ética e a ruína do direito internacional representadas na interceptação ilegal da Flotilha. Destaques da Semana no IHUCast

Arte: Mateus Dias | IHU

Por: Cristina Guerini e Lucas Schardong | 04 Outubro 2025

Em um quadro internacional cuja geopolítica trepida, as guerras não encontram paz. No Oriente Médio, a prisão ilegal dos ativistas da Flotilha Global Sumud é mais um ataque de Israel às leis que sustentam os pilares do direito internacional. Em resposta, uma greve geral paralisa a Itália e parte da Europa está nas ruas. Nos Estados Unidos, o sagrado e o profano criam laços para fazer emergir a truculência. Enquanto o shutdown coloca o país em suspenso e Trump aproveita para desmontar o Estado. No Brasil, Congresso se verga aos anseios da população e aprova a isenção de Imposto de Renda sobre salários de até R$ 5 mil. Frente às insanidades de líderes políticos, a ousadia de desafiar a tirania.

Flotilha interceptada

A caminho de Gaza, a Flotilha Global Sumud foi interceptada por Israel. Às 19h50min do dia 01 de outubro, no horário local do largo de Gaza, uma voz feminina sai do rádio. Ela avisa que os ativistas estão violando o direito internacional e oferece o porto de Ashdod para descarregar as ajudas após a inspeção do exército. Ela afirma que os membros da Flotilha são uma ameaça aos cidadãos israelenses e responsáveis pelas consequências de suas ações "em violação da lei".

O tempo acabou

Thiago Ávila responde em nome da Flotilha Global Sumud: "Não reconhecemos vocês como entidade legítima capaz de prestar ajuda à população palestina de Gaza. Pedimos que não cometam outro crime de guerra, entre os muitos que cometeram, e que não interfiram com a nossa missão de solidariedade pacífica, não violenta e humanitária para as pessoas palestinas em Gaza. O mundo inteiro está vendo e está se levantando contra seus crimes. O tempo de suas violações acabou."

Crônica ilegalidade

A missão humanitária, que levava ajudas aos massacrados, extenuados e famintos moradores de Gaza, buscava não só entregar dignidade ao povo palestino, como evidenciava a crise ética e a crise do direito internacional, que foram conceitos jogados às favas por Israel e pela inércia política dos governantes mundo afora. Nas palavras do ex-senador italiano, Franco Mônaco, “os ativistas estão se colocando em risco para afirmar e defender a legalidade contra a mais descarada e crônica ilegalidade”.

Desmantelamento do direito internacional

Massimo Cacciari é taxativo na sua análise sobre a Flotilha Sumud: “Do ponto de vista da justiça, ela está toda do lado daqueles que estão tentando levar ajuda para aliviar a condição dos palestinos em Gaza. Se existe justiça, está toda de um lado”. Seguindo sua avaliação, o filósofo ainda assinala que “estamos assistindo ao desmantelamento completo de todas as formas de direito internacional, pois ainda não foi estabelecido que as águas ao largo de Gaza pertencem a Israel, portanto, o estado judeu não teria o direito de parar os barcos”. 

Mundo às avessas

E, “no mundo às avessas em que estamos completamente imersos, parece-nos completamente normal chamar as tripulações da Flotilha Global Sumud à responsabilidade para que não forcem o bloqueio naval israelense, não coloquem suas vidas em perigo, não criem uma crise internacional”, alertou o padre italiano Tonio Dell'Olio.

Sciopero generale (greve geral)

Cerca de duas horas após a interceptação à Flotilha, as ruas pela Europa estavam lotadas. Palavras de ordem ecoaram da Itália, Alemanha, Espanha, Turquia, Bélgica e Grécia. Em a apoio à Flotilha, mais de 40 barcos carregados de civis saíram da Tunísia rumo à Faixa de Gaza. Na sexta feira, 3 de outubro, nova greve geral foi convocada na Itália. No momento em que escrevemos este texto, um milhão de pessoas estão nas ruas. Transporte, escolas e assistência médica estão fechados. Os portos de Nápoles e Livorno estão bloqueados, assim como rodovias e anéis viários em toda a Itália.

Paz colonialista

A semana ainda ficou marcada pela proposta de um plano de paz articulada na Casa Branca por Donald Trump e Benjamin Netanyahu. Segundo Antonio Martins, do portal Outra Palavras, “os termos, esboçados num plano de vinte pontos, ignoram as resoluções da ONU e o apoio internacional cada vez mais amplo a um Estado palestino. Ao invés disso, propõem a formação de um “governo tecnocrático” em Gaza. Seria comandado por ninguém menos que o próprio Trump – com assessoria do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, um dos grandes responsáveis pela invasão do Iraque, que matou mais de um milhão de pessoas, e ignorou igualmente a comunidade internacional, mas terminou num fracasso humilhante para os EUA.

Império trumpiano

"Apagada a tocha na Estátua da Liberdade como paradigma da mãe que acolhe os viandantes da Terra, redimensionado o dólar como moeda de reserva que rege o comércio do mundo, o Império trumpiano por fim encontrou um novo símbolo para impor ao planeta. É a cruz com rodinhas, que estreou no funeral solene e megapop do protomártir Charlie Kirk, em meio a cantos gregorianos e hambúrgueres texanos, fogueiras bíblicas e fogos de artifício. A imagem plástica e fiel de um Cristo portátil, pronto para o uso e de fácil consumo." Assim Massimo Giannini descreveu os acontecimentos nos Estados Unidos nas últimas semanas.

Sagrado e profano

Depois do funeral de Kirk, Trump e seu ministro da guerra, Pete Hegseth, misturaram novamente religião e política em um encontro com os comandantes das forças armadas. Como se estivesse profetizando em um culto, Pete Hegseth dá saltos, grita e gesticula ameaçando os militares. E ainda avisa: "preparem-se para a guerra".  O encontro incomum com as lideranças militares em Quântico, convocada pelo Pentágono, tinha como objetivo a apresentação da visão de Trump e de seu secretário de Defesa de como as Forças Armadas dos Estados Unidos deveriam ser: um exército composto de "guerreiros" e não de "defensores".

Shutdown

Após o encontro, no entanto, os Estados Unidos pararam de vez. Shutdown. Uma paralisação geral nos serviços públicos por conta da reprovação do orçamento no congresso americano. Uma brecha para Trump passar a motosserra dos cortes. Russell Vought, seminarista fracassado e ideólogo da luta contra os burocratas, decidirá quem sobreviverá e quem sucumbirá ao peso da paralisação em Washington. Por trás de seu rosto nerd esconde-se muito mais: o verdadeiro arquiteto da estratégia que visa demolir a burocracia federal e afirmar a primazia do poder executivo, Donald Trump, sobre os outros dois poderes da república americana. 

Tentáculos imperialistas

Os tentáculos do imperialismo estadunidense tentam se agarrar cada vez mais na América Latina. Inspirando-se na subserviência da Argentina aos EUA, protagonizada por Javier Milei, líderes do Centrão e do bolsonarismo no Congresso querem facilitar intervenções estrangeiras no BrasilFoi aprovado o requerimento de urgência para votação do PL 1283/2025. Conhecido como “projeto de lei antiterrorismo”, que visa classificar organizações criminosas como terroristas. Desse modo, milícias, facções, organizações paramilitares e grupos criminosos, como o Primeiro Comando da Capital - PCC, e o Comando Vermelho seriam enquadrados no crime de terrorismo. O grande problema é que o governo Trump está utilizando de forma recorrente a classificação de organizações criminosas como terroristas para justificar intervenções militares na América do Sul. Os principais exemplos disto são a Colômbia e Venezuela.

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