Israel ataca a Flotilha em águas internacionais. Artigo de Lorenzo D'Agostino

Foto: Aniol/Wikimedia Commons

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03 Outubro 2025

"Na escuridão, ouvem-se cantos vindos das embarcações. "Palestina Livre", ouve-se gritar e, em seguida, cânticos de luta. Notícias de mobilizações e estações bloqueadas vêm da Itália: informo isso aos meus companheiros de viagem, e eles se comovem. Meia hora depois, no barco Hio, somos atingidos por um forte feixe de luz", escreve Lorenzo D'Agostino, jornalista investigativo especializado em políticas de fronteira, em artigo publicado por il manifesto, 02-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Nosso correspondente a bordo da Hio nos manteve atualizados ao vivo até a interrupção das comunicações. Até o fechamento desta edição, não voltamos a ter notícias dele.

Eis o artigo.

"Tenho vontade de gritar, não de medo, mas de tristeza." Vocês já conhecem Manuela Bedoyo: Gustavo Petro dedicou seu último tuíte a ela, na noite anterior à nossa captura. Manuela diz que sente vontade de gritar porque esta é a terceira vez que tenta entrar em Gaza. A última vez foi em junho: ela participou da Marcha Global de Gaza, no Egito, que foi parada pelas autoridades do Cairo. É triste porque talvez não tinha deixado de acreditar.

Às 19h50 de ontem, chegou o aviso do bloqueio naval israelense: uma voz feminina sai do rádio, dizendo que estamos violando o direito internacional e oferece o porto de Ashdod para descarregar as ajudas após a inspeção do exército. Ela diz que somos uma ameaça aos cidadãos israelenses e responsáveis pelas consequências de nossas ações "em violação da lei". Em seguida, fala do 7 de outubro, o número de pessoas mortas e sequestradas no ataque do Hamas no sul de Israel. Em nome da Flotilha Global Sumud, responde Thiago Ávila: "Não reconhecemos vocês como entidade legítima capaz de prestar ajuda à população palestina de Gaza. Pedimos que não cometam outro crime de guerra, entre os muitos que cometeram, e que não interfiram com a nossa missão de solidariedade pacífica, não violenta e humanitária para as pessoas palestinas em Gaza.

O mundo inteiro está vendo e está se levantando contra seus crimes. O tempo de suas violações acabou."

Às 20h, os primeiros barcos são interceptados pela Marinha israelense. Os botes disparam pelo mar escuro, chegando ao nosso lado, mas não param; é evidente que estão seguindo uma ordem pré-estabelecida nas abordagens.

Na escuridão, ouvem-se cantos vindos das embarcações. "Palestina Livre", ouve-se gritar e, em seguida, cânticos de luta. Notícias de mobilizações e estações bloqueadas vêm da Itália: informo isso aos meus companheiros de viagem, e eles se comovem. Meia hora depois, no barco Hio, somos atingidos por um forte feixe de luz.

Poucos barulhos, mas eles também nos alcançam. Canhões de água atingem algumas embarcações; só tenho tempo de enviar a matéria para o jornal.

Uma hora antes, quando os navios militares israelenses apareceram no horizonte, contra um céu que já escurecia, começamos a nos preparar para a interceptação. Cada um por sua conta, vestindo as coisas que se pensa possam ser úteis em uma captura, porque nunca se sabe como será ou quanto tempo durará.

Enchemos o compartimento de popa com provisões, garrafas de água, maçãs, biscoitos. Até analgésicos e cigarros: mais de um a bordo voltou a fumar.

Recolhemos as facas, mesmo as de cozinha sem lâmina, para passar chocolate no pão. Jogamos tudo no mar dentro de um saco: é uma missão pacífica e desarmada; eles não tinham nenhum pretexto para nos considerar uma ameaça. Vestimos nossos coletes salva-vidas. Alguns abraços entre pessoas que, depois de um mês neste espaço apertado, se tornaram família. Compartilhamos o prazer e a honra de navegar juntos, depois cada um se concentrou em se comunicar com seus entes queridos em terra, aproveitando os últimos minutos de conexão com a internet. Isso aconteceu com todas as interceptações anteriores: as autoridades israelenses bloquearam a rede. Anna está no timão, destemida como sempre.

A noite anterior à abordagem foi de intimidação. Só conseguimos dormir algumas horas depois do amanhecer. Depois, às 11, todos acordados para a reunião geral: Thiago Ávila resumiu o ocorrido e discutiu como proceder. Decidiu-se reagrupar e aumentar a velocidade para cinco nós e meio, a máxima velocidade que a flotilha já sustentou. Contra todas as expectativas, ontem de manhã ainda estávamos navegando. Além de todas as expectativas, porque o falso alarme pareceu verdadeiro para todos: um navio militar com as luzes apagadas cercou o navio líder, o Alma, e perdemos contato com sua tripulação e a do Sirius.

Foi ativado o protocolo que aconselha desfazer-se de todos os dispositivos eletrônicos: cerca de trinta pessoas, entre o Sirius e o Alma, jogaram telefones e computadores ao mar. Foi o ensaio geral da interceptação. Talvez o exército israelense queria estudar as reações da Flotilha.

Na reunião, tentou-se corrigir o curso: no rastreador, observávamos uma tendência a nos colocar em fila. Um grupo muito desorganizado; era importante manter a formação. Outra decisão também foi tomada: a Flotilha teria continuado mesmo que o Alma fosse interceptado, ou se o Sirius fosse interceptado, ou um dos cinco barcos que lideraram a navegação, entre os quais aquele dos veteranos do Exército dos EUA. Continuaríamos a navegar enquanto fosse fisicamente possível, salvaguardando a segurança de todas as pessoas a bordo. Esse era o propósito das 50 embarcações: aumentar as chances de chegar a Gaza.

Sofremos um fortíssimo condicionamento psicológico, vindo da terra, da Itália, onde se insistia muito sobre o limite das 150 milhas como uma espécie de linha vermelha, uma fronteira de águas territoriais.

As 150 milhas não correspondem à demarcação de nenhum direito internacional nem de bloqueio ilegal.

À tarde, se instalou uma calma surreal: o Alma retornou à frente da flotilha. Um pássaro pousou na proa do Hio: significa que a terra está próxima. Luna reuniu os melhores ingredientes que restavam a bordo e montou um pequeno bufê na mesa central da cabine. Alguns tentaram dormir, outros prepararam um último café, outros aproveitaram para tomar as últimas anotações. As malas estavam todas prontas, o barco estava impecável.

Vai saber por que queríamos ser encontrados limpos pelos soldados israelenses. As últimas horas de navegação da Global: partimos em 1º de setembro, um mês inteiro de uma ponta a outra do Mediterrâneo.

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