28 Fevereiro 2025
Uma Quaresma sem IA é uma forma de resistir ao paradigma tecnocrático, como pede o Papa Francisco em Laudato Si'. Seja criativo! Pense fora da caixa! Melhor ainda, pense fora do chatbot: não peça ao ChatGPT para gerar ideias. O cérebro que Deus lhe deu é muito mais eficiente.
O artigo é de Scott Hurd, publicado por National Catholic Reporter, 26-02-2025.
Scott Hurd é vice-presidente de desenvolvimento de liderança na Catholic Charities USA e presidente do conselho do Catholic Climate Covenant. Ele é autor de cinco livros, incluindo Forgiveness: A Catholic Approach, e seus escritos foram publicados em diversos jornais e revistas.
Quando eram pequenos, meus filhos assistiram tanto ao Barney na TV que até hoje uma de suas melodias ainda aparece na minha cabeça quando estou na pia do banheiro: "Mas enquanto escovo os dentes / E me divirto tanto / Nunca deixo a água correr / Não, nunca deixo a água correr".
Graças a esse dinossauro roxo animado, lembro-me de fechar a torneira durante minha rotina matinal porque, como alerta o Papa Francisco na Laudato Si', "as repercussões ambientais" da escassez de água podem em breve "afetar bilhões de pessoas".
A canção alegre do Barney me vem à mente ainda mais nos dias de hoje, em meio a um tsunami de anúncios promovendo novas ferramentas e brinquedos movidos por IA. A inteligência artificial até invadiu a escovação dos dentes: a Oral-B lançou uma escova de dentes elétrica com IA que "acompanha onde você escova e fornece feedback em tempo real para seus melhores resultados diários". Basta conectar-se ao aplicativo da Oral-B!
Se esse aparelho de alta tecnologia não lembra os usuários de fechar a torneira, deveria, considerando o consumo de água associado à IA. E deveria nos lembrar também das crescentes ameaças ambientais da inteligência artificial. Se você está preocupado como eu, tenho uma proposta: que tal abrir mão da IA desnecessária e supérflua durante os 40 dias da Quaresma?
Digo "desnecessária e supérflua" porque a IA oferece possibilidades empolgantes para o avanço da ciência, da medicina, do comércio e da gestão de dados. Seus defensores insistem que ela ajudará até no combate às mudanças climáticas. Pode ser, mas há muitas aplicações desperdiçadoras e dispensáveis de IA cujo impacto ambiental torna difícil justificá-las.
Os anúncios do novo Motorola Razr ostentam acesso ao Gemini — a "família de modelos de inteligência artificial multimodal" do Google. E o que pode ser feito com essa tecnologia revolucionária? O anúncio sugere o seguinte: "Me ajude a escrever uma nota de agradecimento para o tosador do meu cachorro." Sério? Qualquer pessoa capaz de escrever esse comando é perfeitamente capaz de expressar gratidão pelo corte de Fido sem a ajuda de uma máquina.
Um trailer do mais recente filme dos Minions, exibido no Super Bowl do ano passado, mostrou uma sala gigantesca repleta de travessos bonequinhos amarelos gargalhando freneticamente enquanto mexiam em computadores, gerando imagens grotescas de pessoas com corpos deformados e dedos em excesso — uma sátira irônica às 34 milhões de imagens criadas diariamente por IA. Muitas são apenas para diversão pessoal. Um número considerável é pornografia.
Em 2023, a Amazon ficou preocupada com a enxurrada de "livros" gerados por IA que inundaram sua plataforma Kindle Direct Publishing, sufocando publicações autênticas e de qualidade feitas por humanos. Para conter essa avalanche, a empresa limitou novos lançamentos em contas individuais a três por dia. O que ainda permite que cada autor publique mais de 1.000 títulos por ano, muitos com conteúdo pirateado ou roubado.
Essa proliferação de conteúdos gerados por IA considerados "desnecessários e supérfluos" foi apropriadamente apelidada de slop — uma das finalistas na escolha da palavra do ano do Oxford English Dictionary. Slop está impulsionando as mudanças climáticas, que o Papa Francisco descreveu como "um caminho para a morte". Como alguém preocupado com o meio ambiente, isso me enfurece. Porque está ajudando a queimar o planeta.
Até 2027, a água necessária para fornecer energia à IA, resfriar seus centros de dados e fabricar seus chips de computador será de quatro a seis vezes o volume anual de "retirada de água" da Dinamarca. E, para a IA, apenas água doce e limpa é suficiente.
Pedir ao ChatGPT para gerar um e-mail de 100 palavras equivale a desperdiçar uma garrafa de 500 ml de água. Se um em cada dez trabalhadores americanos fizesse isso toda semana durante um ano, o consumo de água seria equivalente ao que Rhode Island utiliza em apenas um dia e meio: 435.235.476 litros.
Além disso, o consumo de água da IA prejudica comunidades e fazendas nos Estados Unidos quando centros de dados são construídos em regiões com escassez hídrica ou propensas à seca, como Arizona, Iowa, Carolina do Sul, Oregon e Califórnia — onde o próprio Vale do Silício continua afundando devido ao esgotamento dos lençóis freáticos.
Dinâmicas semelhantes estão ocorrendo no Sul Global. Economias em desenvolvimento que atraíram centros de dados com incentivos financeiros enfrentam agora crises hídricas, gerando resistência e oposição. Na Índia, o setor tecnológico em expansão consome milhões de litros de água, enquanto 500 crianças pequenas morrem todos os dias por não terem acesso a água potável suficiente.
O impacto ambiental da IA vai além do uso de água. No próximo ano, a energia necessária para alimentar a IA será comparável ao consumo anual de eletricidade do Japão — sobrecarregando redes elétricas, aquecendo o planeta e poluindo o ar com a queima intensificada de gás natural e carvão por usinas envelhecidas que, até recentemente, estavam programadas para fechar.
Além disso, os centros de dados são constantemente atualizados com novos equipamentos e chips mais potentes para suportar aplicações de IA cada vez mais avançadas, gerando uma quantidade massiva de lixo eletrônico com materiais tóxicos e perigosos. Até 2030, esse desperdício será equivalente a descartar 13 bilhões de iPhones por ano, contribuindo para a "imensa pilha de sujeira" do nosso planeta, como lamenta a Laudato Si'.
Abrir mão da IA desnecessária durante a Quaresma pode ajudar a reverter essa tendência. Pense nisso como uma das "pequenas ações diárias" que, segundo Francisco em Laudato Si', podem "mudar o mundo", "beneficiar a sociedade", "restaurar nossa autoestima", "nos ajudar a sentir que a vida na Terra vale a pena" e "despertar uma bondade que... inevitavelmente tende a se espalhar". Elas fazem diferença. E uma declaração ainda maior.
Para fazer essa declaração nesta Quaresma, aqui estão 10 sugestões:
Uma Quaresma sem IA é uma forma de "resistir" ao "paradigma tecnocrático", como pede o Papa Francisco em Laudato Si'. Seja criativo! Pense fora da caixa! Melhor ainda, pense fora do chatbot: não peça ao ChatGPT para gerar ideias. O cérebro que Deus lhe deu é muito mais eficiente.
A IA consome muita energia e está ganhando poder sobre a sociedade e a vida individual. Nesta Quaresma, temos a chance de economizar parte dessa energia e recuperar um pouco do nosso próprio poder.
Mesmo que você não adote minha proposta de um detox de IA nesta Quaresma, lembre-se de fechar a torneira ao escovar os dentes. E, por favor — pelo amor de Deus e do planeta que todos compartilhamos — use apenas uma escova de dentes comum.