05 Outubro 2024
“O que construirmos hoje será fundamental para que no longo prazo haja alguma possibilidade de sobrevivência das pessoas e da vida. A esperança não pode ser uma espera passiva, mas, sim, o ativismo das criações coletivas”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 04-10-2024. A tradução é do Cepat.
Dias atrás, o vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria da associação entre países BRICS, Samip Shastri, informou que “o volume de liquidações nas moedas nacionais dos países membros já supera ao de liquidações em dólares”.
A este dado é preciso acrescentar que 92% dos pagamentos transfronteiriços dos 26 países que integram a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) já são feitos sem dólares.
A velocidade das mudanças talvez seja o maior dado a ser considerado. Em 2022, a porcentagem de pagamentos em moedas nacionais entre os países da OCX era de 40%, chegando agora a 92%. Paralelamente, desde 2023, a China e a Rússia realizam comércio bilateral utilizando o yuan chinês.
Em 2010, o yuan era utilizado pela China em apenas 0,3% dos intercâmbios internacionais, mas este ano alcançou 52,9%, 10 pontos a mais do que o dólar. Este é um processo que tem uma década de desenvolvimento, mas que se intensificou nos últimos quatro anos e se acelerou com a guerra na Ucrânia.
Deve-se considerar que a China é a principal fábrica do planeta, que o seu comércio exterior se desloca do Norte Global para o Sul Global como forma de superar as barreiras comerciais impostas pelos Estados Unidos.
Independentemente do que acontecer na cúpula do BRICS, em Kazan (22-24 de outubro), que muitos consideram um momento fundamental para efetivar moedas alternativas ao dólar e meios de pagamento não controlados pelo Ocidente, os dados acima permitem algumas conjecturas e conclusões.
A primeira é o evidente declínio do uso do dólar, sobretudo na região mais dinâmica das economias atuais no mundo: a Ásia. Declínio da moeda que é paralelo ao descenso da potência hegemônica. No entanto, penso que é necessário fugir das análises simplistas que dão quase por derrotados o império militar mais poderoso da história e o Ocidente em seu conjunto.
Decadência não é sinônimo de derrota ou de fim da hegemonia. Penso que estamos diante de um processo real, mas muito lento, que se concretizará a longo prazo e não podemos cair em um determinismo que nos assegure que as mudanças hegemônicas são inevitáveis. O Ocidente ainda tem muito poder e recursos.
Em segundo lugar, é necessário relacionar a decadência imperial com a sucessão de guerras que impulsiona no mundo, utilizando ucranianos, israelenses, sauditas e outras nações dispostas a se submeter à sua vontade. A violência é o ponto forte do Ocidente, por isso conquistou o planeta nas guerras coloniais que aniquilaram povos inteiros.
As guerras são uma consequência da decadência do Ocidente, ou Norte Global, mas por sua vez podem acelerá-la dependendo dos resultados que alcançam, não necessariamente no campo de batalha, mas nas sociedades que as fazem.
As guerras são o caminho escolhido pelo capital para prolongar o declínio e tentar revertê-lo. Isto se inscreve na longa história do capitalismo, que só pôde se tornar o sistema dominante por meio da violência e o terrorismo. Aqueles que continuam pensando que existem “leis econômicas” que outrora explicaram a ascensão e agora explicam a queda do capitalismo cometem um grave erro.
O patriarcado, por exemplo, não obedece a nenhuma lei ou razão histórica, mas, sim, ao uso e abuso da violência e da força por parte dos varões dominantes. E não é possível acabar com o patriarcado, nem com o capitalismo, com as mesmas armas com que vem se impondo.
A terceira questão é que sem a hegemonia do dólar, os Estados Unidos serão uma nação frágil – devido à sua fragilidade produtiva e à sua guerra interna contra os setores populares –, incapaz de se impor no mundo. Mas, aqui, também não há o menor determinismo.
A quarta questão nos envolve. O que vamos fazer?
O que fizermos ou deixarmos de fazer nestes momentos decisivos, como povos e movimentos, terá consequências importantes a longo prazo. Resistir e construir as bases das autonomias coletivas parece ser o caminho mais adequado, olhando longe para não cair em provocações, nem em saídas impossíveis no curto prazo.
Pelo que conheço, apenas o EZLN e alguns povos originários do nosso continente traçaram planos para enfrentar as guerras de cima e a destruição do planeta. Quando membros da Teia dos Povos falam em 3.000 anos e os zapatistas em 120 anos ou sete gerações, não quer dizer que (se entendi bem) seja o caso de esperar passivamente.
O que construirmos hoje será fundamental para que no longo prazo haja alguma possibilidade de sobrevivência das pessoas e da vida. A esperança não pode ser uma espera passiva, mas, sim, o ativismo das criações coletivas. Devemos nos forçar a refletir sobre os tempos dos povos, não dos indivíduos, porque estes são os tempos curtos do capitalismo.
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Aceleração dos tempos geopolíticos. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU