O desafio da inteligência artificial (IA) é estudado sob diferentes aspectos: da antropologia à informática, da filosofia política à ética e ao direito, da linguística à metafísica.
A reportagem é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 05-04-2024.
As contribuições do volume Inteligência Artificial e Proteção da Pessoa Humana movem-se nestas frentes. Implicazioni etico-giuridiche, editado por Gregorio Piaia, Roberto Prete e Lucia Stefanutti. O livro é publicado na série digital de acesso livre Triveneto Theology Press da Faculdade Teológica de Triveneto, que com esta publicação inaugura a sua nova seção de Filosofia.
Os ensaios são assinados por Andrea Galluzzi, Giuseppe Goisis, Markus Krienke, Paolo Moro, Vittorio Possenti, Riccardo Pozzo, Leopoldo Sandonà, Luigi Vero Tarca e provêm da conferência Desenvolvimento e difusão da inteligência artificial e proteção da pessoa humana: implicações ético-jurídicas, realizada em Treviso a 20 de outubro de 2023, sob o patrocínio da Ordem dos Advogados e organizada pela Fundação Stefanini, em colaboração com a secção de Treviso da União dos Juristas Católicos. Um confronto entre especialistas de várias disciplinas, com o objetivo de estudar e avaliar a difusão da IA nos vários setores da sociedade atual.
"O desenvolvimento das tecnologias digitais comporta efeitos económicos, sociais e culturais muito significativos", escreve Roberto Prete, vice-presidente da secção de Treviso da UGCI, no prefácio do volume: "Na nossa sociedade, estas tecnologias são tão sofisticadas que estão a substituir a pessoa humana até nas funções que dizem respeito à sua entidade e consciência. As pessoas pensam sobretudo nas vantagens da tecnologia, subestimando os riscos que ela pode acarretar. Em vez disso, há questões concretas sobre a organização da economia, o modo de trabalhar, de comunicar, de viver e de se relacionar com os outros. Se estas perspectivas forem mal geridas, na ausência de regras adequadas, pode haver consequências negativas para a dignidade e os valores fundadores da pessoa, com referência aos deveres inderrogáveis e aos direitos invioláveis garantidos pela nossa Carta Constitucional".
Os receios associados à difusão das tecnologias digitais são reais, a começar pelo risco de perda maciça de postos de trabalho e pelos problemas associados ao respeito dos direitos de autor; depois, há o perigo de a tecnologia digital escapar ao controlo humano.
No quadro geral da relação entre tecnologia e ética e, por conseguinte, entre tecnologia e direito, "os conceitos de liberdade e de responsabilidade saltam para a ribalta", salienta Gregorio Piaia, professor emérito de História da Filosofia na Universidade de Pádua e presidente honorário da Fundação Stefanini, "com a consequente necessidade de regulamentar um campo vasto e sedutor, mas também traiçoeiro".
Perante esta realidade tão proteica que dá pelo nome de IA, é necessário evitar "tanto o entusiasmo acrítico daqueles que vêem nela a solução para problemas que até ontem pareciam insolúveis (uma espécie de panaceia universal), na perspetiva de uma sociedade "pós-humana", como a desconfiança ou a aversão aberta daqueles que sublinham sobretudo os efeitos negativos".
Não há dúvida de que a IA pode ser utilizada de forma negativa", continua Piaia, "mas precisamente por isso deve ser regulamentada de forma a responder a exigências éticas (em primeiro lugar, a salvaguarda da nossa liberdade de pensamento e de ação) e não apenas às exigências do mercado ou do poder político. Em primeiro lugar, há que dissipar a ideia de que a IA é uma inteligência absolutamente superior à inteligência humana. Na realidade, a chamada IA (o termo, ambíguo em si mesmo, já se impôs e não é fácil passá-lo para o uso corrente) não é mais do que uma 'máquina' altamente aperfeiçoada", sublinha, "que, como tal, tem de ser programada e, por isso, não é capaz de tomar decisões senão com base no programa e na informação de que dispõe.
A IA não só dispõe de uma memória muito mais potente e de uma velocidade de cálculo muito elevada, mas - eis a questão - tem um poder de manipulação da nossa visão do mundo e do nosso comportamento que ultrapassa largamente o âmbito da máquina enquanto mera ferramenta. No vasto leque de aplicações da IA, há que distinguir dois níveis: o primeiro inclui todos os sistemas automáticos capazes de agir de forma autónoma e "inteligente" para resolver problemas de vários tipos; o segundo nível diz respeito aos sistemas que reproduzem o comportamento humano e complementam a nossa forma de raciocinar e, por conseguinte, de tomar decisões, e aqui os efeitos comportamentais assumem um papel muito proeminente. De fato, uma coisa é estes sistemas ajudarem a pessoa entendida como sujeito ativo e responsável, outra coisa é substituírem-se ao sujeito humano de forma desonesta por uma rede de informação habilmente dirigida ou por notícias falsas, como temos vindo a verificar há já algum tempo no "mundo compósito da web".
Tudo em prol não de um crescimento da capacidade individual de raciocinar, julgar e escolher, mas "para fazer o jogo de um mercado já globalizado ou de grupos de poder que, por detrás da sua aparência exterior, pouco ou nada têm de democrático".
E mais: qual será o destino da própria democracia numa sociedade em que um sistema virtual subtilmente opressivo e impositivo acaba por prevalecer sobre as relações interpessoais, asfixiando a capacidade crítica? "Voltamos aqui à ideia de um desafio que nos envolve a todos", conclui Piaia, "e ao qual não nos podemos furtar, sob pena de renunciarmos ao nosso 'ser pessoa', ou melhor, à nossa relação com os outros (e com o Outro): uma relação certamente complexa, mutável e problemática, mas vital e essencial, na medida em que nos constitui como 'humanos', e que não deve ser substituída por uma relação pseudo-pessoal com um Super-Outro de natureza eletrônica.