05 Janeiro 2024
O emprego de termos ambíguos no cenário brasileiro, como “racismo reverso”, “cidadão de bem”, “identitarismo”, “ideologia de gênero”, e outros propagados pela ultradireita, receberam atenção específica no “Pequeno Dicionário que você não sabia que existia”, lançado no fim do ano em sua segunda edição, pelo Observatório de Sexualidade e Política (SPW) em parceria com o Programa Interdisciplinar de Pós-graduação em Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A reportagem é de Edelberto Behs.
O dicionário explica, na linguagem mais simples possível, em duas versões, uma para jovens do Ensino Médio e outra para a cidadania em geral, como e por que essas expressões foram criadas e como são usadas politicamente. Ele surgiu a partir de uma insatisfação e de uma autocrítica nas eleições de 2018 e 2020, quando candidatas e candidatos do espectro político se mostraram incapazes de responder satisfatoriamente as acusações de propagarem “ideologia de gênero” e “marxismo cultural”.
A ambiguidade também é explorada. O que é um patriota? O dicionário Aurélio o define como um adjetivo que se refere a quem “ama, protege e guarda a pátria”. No Brasil atual, se declaram “patriotas” pessoas que fazem ameaças às instituições democrática, pedem intervenção militar.
Quem não se lembra do uso que o falso messias brasileiro aplicou na denúncia da “cristofobia”? O dicionário explica que em 2003 esse termo foi aplicado de três diferentes formas. Na primeira, o teólogo e pastor Thomas Bohache usou-o para descrever a rejeição que a comunidade LGBTQIA+ sentia nos Estados Unidos em relação às igrejas.
Numa segunda versão, o jurista conservador Joseph Weiler escreveu livro no qual defendeu que a Europa precisava abraçar suas “origens cristãs” e abandonar a “cristofobia”, criada pelo iluminismo. Numa terceira vertente, a ONU o aplicou num informe, intitulado Difamação das Religiões e esforços globais para combater o racismo: islamofobia, antissemitismo e cristianofobia.
O dicionário pergunta se faz sentido denunciar a “cristofobia” num país como o Brasil, onde a maioria da população é cristã – 50% se declaram católicos e 31% evangélicos? “O Brasil é um dos países do mundo com maior índice de assassinatos de transexuais, mas não temos notícia de violência letal e deliberada contra pessoas cristãs. O uso de "cristofobia" no Brasil mascara o extremismo religioso de determinadas correntes cristãs e preserva privilégios”, como os postos ocupados por forças ultraconservadoras católicas e evangélicas em postos chaves no aparato de Estado no governo passado, descreve o dicionário.
O “cidadão de bem” ganhou notoriedade no cenário político brasileiro neste século. Se no período imperial ele definia pessoas “não criminosas”, no Brasil de Bolsonaro ele passou a nomear também condutas políticas. No Brasil pós-2013, o termo, ligado à ascensão da extrema-direita ao poder, também está relacionado à privatização da esfera pública, quando valores privados e particulares passaram a orientar a vida pública.
“Uma das manifestações disso é a defesa de que a Bíblia (representando uma crença da vida privada) deveria substituir a Constituição (que diz respeito à vida coletiva). E é aqui que reside o perigo da categoria ‘cidadão de bem’ - um projeto de sociedade que impõe seus valores de condutas, ameaçando com isso a igualdade, a liberdade e pluralidade fundamentais à democracia”, alerta o dicionário de termos ambíguos.
Os dicionários estão disponíveis em Pequeno Dicionário.
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Dicionário explica termos ambíguos usados pela extrema-direita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU