13 Novembro 2023
"Ora, se os cristãos ainda querem desempenhar um papel cultural e político nessa tragédia, por onde começar a não ser pela gestão regional da presidência do martirizado, mas nevrálgico Líbano? Um presidente árabe de fé cristã poderia legitimamente solicitar sua participação na cúpula da Organização da Conferência Islâmica e dar a sua opinião".
O comentário é de Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 11-11-2023.
O fim de semana (11 e 12 de novembro) promete ser de absoluta relevância: na Arábia Saudita vão acontecer, na sequência, a Cúpula dos Chefes de Estado e de Governo Árabes e a Cúpula da Conferência para a Cooperação Islâmica, sobre Gaza, obviamente.
No entanto, o “mundo que importa” voou ou está voando para a capital do país vizinho, o Qatar, em Doha. Aí estão se realizando as negociações – bastante confidenciais – entre os emissários dos chefes de estado e de governo envolvidos na tragédia, para tratar – fala-se – dos reféns israelenses capturados no dia 7 de outubro.
Entre os presentes, destaca-se o nome de um cidadão libanês, que não exerce nenhuma função oficial, o Sr. Abbas Ibrahim. Por muito tempo chefe da Segurança Geral Libanesa indicado pelo Hezbollah: foi ele, nos anos decisivos da guerra síria – na qual o Hezbollah "jogou" com o seu aliado Assad – quem disse querer negociar com os jihadistas inimigos de Assad, com quem afirmou ter chegado a um acordo para a libertação de dois bispos sírios sequestrados, o sírio-ortodoxo Mar Gregorios Yohanna Ibrahim e o grego-ortodoxo Boulos Yazigi.
Notícia que depois desapareceu de todas as agendas e caiu no esquecimento como, infelizmente, o destino dos dois prelados. Tanto que, desde então, ficou a suspeita de que, na realidade, foram outros grupos que os sequestraram, talvez ligados ao próprio regime de Assad. Qual foi, naquele jogo de espelhos, o verdadeiro papel de Abbas Ibrahim? Não se sabe.
Certamente nos longos anos à frente da Segurança Geral Libanesa, com a importantíssima cobertura do Hezbollah, ele se tornou um interlocutor precioso para todo o mundo: passou longos períodos no Ocidente, especialmente na França e nos Estados Unidos, onde ficou por uma longa estada, impedido de viajar pela epidemia de Covid.
Naquele mesmo ano de 2020, esteve certamente em contato com os colaboradores mais próximos do presidente francês Macron, tanto políticos como militares. Mas, naquela oportunidade, era pelo menos chefe da Segurança Geral Libanesa, embora circulasse a ideia de que também, e sobretudo, falasse em nome do Hezbollah (portanto, talvez também do Irã): o título oficial lhe dava uma cobertura de legitimidade institucional.
Agora está em Doha, onde não representa mais a inteligência libanesa, porque justamente é apenas um simples cidadão. Também nessa qualidade – ou seja, nenhuma – foi o primeiro libanês a encontrar-se com o enviado dos EUA, Amos Hochstein. O encontro aconteceu em Beirute, há poucas horas, a caminho do Catar; mas Abbas Ibrahim estava com pressa: não podia adiar a sua partida para Doha.
“Amigo” de todos, muito ouvido, por exemplo, pela CIA, Abbas Ibrahim é a explicação viva do motivo pelo qual no seu recente, aguardadíssimo e comentadíssimo discurso proferido em Beirute, o chefe do Hezbollah, Hasan Nasrallah, deixou claro como, por enquanto, a extensão do conflito deve ser evitada, sem nunca mencionar o Líbano. No entanto, o Líbano é o país a partir do qual o Hezbollah realiza os seus ataques contra Israel e ao qual Israel responde com os seus tiros.
A escolha de Nasrallah de não falar do seu país e a “missão” do cidadão privado Abbas Ibrahim denotam claramente o estado de “ficção” em que o Líbano se encontra: a realidade que conta é o Hezbollah, ou seja, o que poderíamos definir como um Estado-sombra.
Anos atrás, Amin Gemayyel, o último Gemayyel a ser regularmente nomeado presidente do Líbano, pensou em intervir na cúpula da Organização de Cooperação Islâmica, dado que a maioria dos libaneses é de fé muçulmana. Ele, como se sabe, é cristão maronita, como todos os presidentes foram e serão, segundo o pacto libanês. Mas um presidente representa o país, não apenas a si mesmo ou à sua comunidade.
Se hoje existisse um presidente no poder, teria feito bem em recordar a ideia de Amin Gemayyel e acatá-la, participando na cúpula da Organização Islâmica que discute a guerra em Gaza. Teria sido a forma de trazer o Líbano de volta à gestão política de um conflito que lhe diz respeito, tal como diz respeito a todos os árabes cristãos, e não apenas aos libaneses.
Já mencionei isto muitas outras vezes: a presidência da República Libanesa está vaga há um ano, consequentemente o governo está atuando para a simples gestão dos assuntos correntes. Embora não haja sinais de uma possível reunião parlamentar para eleger o novo chefe de Estado, do lado de fora “da porta” – mas nem tanto – está a guerra.
Isso acontece, não apenas em violação aberta da Constituição, mas também além de todo bom senso. Assim, os trabalhos parlamentares no Líbano são realizados como decide o Hezbollah, o partido de Hasan Nasrallah que não tem pressa nem intenção de eleger um presidente, a não ser "o" cristão por ele escolhido: hoje, porém, os votos para a operação não existem, amanhã talvez.
Ora, se os cristãos ainda querem desempenhar um papel cultural e político nessa tragédia, por onde começar a não ser pela gestão regional da presidência do martirizado, mas nevrálgico Líbano? Um presidente árabe de fé cristã poderia legitimamente solicitar sua participação na cúpula da Organização da Conferência Islâmica e dar a sua opinião.
O assento do Líbano também estará vazio na Cúpula Árabe, também convocada para este fim de semana. Mas, pelo menos aí, o Hezbollah não poderá enviar o Sr. Abbas Ibrahim como seu representante, porque cidadãos privados não podem participar das cúpulas dos Chefes de Estado e de Governo. Basta a sua presença – nem mesmo secreta – entre os funcionários dos serviços (secretos) reunidos em Doha: muito significativa.
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Diário de guerra (5). Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU