23 Junho 2023
Conferência poderia ter feito muito mais para preparar COP28, sinalizando que nova fase de implementação do Acordo de Paris impõe conversas mais concretas e difíceis.
A reportagem é publicada por Laclima e republicada por Observatório do Clima, 16-06-2023.
Cada vez mais a Conferência de Bonn se mostra menos uma reunião técnica e sim uma reunião política em que tentativas de trade-offs, ameaças e bloqueio de discussão já começam a atravancar o processo, começando pelos embates na adoção da própria pauta da reunião. Isso tem feito desta uma reunião com decisões mais procedimentais e que não chegam a consensos sobre aspectos técnicos que vão facilitar as coisas lá nas 2 semanas de negociação em Dubai. Infelizmente. Mas em muitos itens da agenda de negociação é possível ver a discussão avançar com as partes expressando suas posições e os elementos de uma decisão de COP um pouco mais alinhavados em um texto de “nota informal”, que é uma forma de registrar uma “memória da reunião”, para perdermos menos tempo ouvindo discursos repetidos na COP.
A Conferência de Bonn poderia ter feito muito mais para pavimentar a estrada para a COP 28, mas talvez isso seja também sinal dos tempos, de que as discussões climáticas estão cada vez mais complexas e politizadas. Nesta nova fase de implementação do Acordo de Paris, as conversas passam a ficar reais e difíceis: o que fazer com NDCs que não funcionam para o nível de ambição necessário? Quem vai pagar a conta da implementação do Acordo de Paris? Essas são as discussões que estão permeando todas as instâncias e todas as salas das negociações, e dos workshops aos diálogos técnicos.
Mais uma vez a Conferência de Bonn tem briga de agenda! Desta vez as consequências quase foram desastrosas, podendo tornar as 2 semanas de trabalho em Bonn praticamente inúteis. Como vocês sabem, para se começar uma reunião de trabalho a primeira coisa a ser feita é todo mundo concordar com a agenda, a pauta dos assuntos que vão ser discutidos. A União Europeia pediu que fosse incluída na agenda discussão sobre o Programa de Trabalho de Mitigação, embora não houvesse claramente um mandato da COP anterior para que o tema fosse tratado nesta reunião intermediária de Bonn, e sim apenas diretamente na COP 28 e em outros workshops ao longo do ano. Para a UE, contudo, discutir o assunto desde já, em preparação para a COP, era fundamental. Já o grupo dos países em desenvolvimento (G77) argumentou que há outras agendas prioritárias, e, em resposta a isso, propôs trazer um novo item de agenda de financiamento, reclamando que também o tema do financiamento é fundamental e não estava devidamente para a agenda. Somente na véspera do final da conferência é que as partes resolveram ceder e acabaram adotando a agenda sem os novos itens de mitigação e financiamento. Apesar de não haver uma concordância dos países sobre qual seria a agenda da reunião, foram realizadas quatro rodadas de negociação sobre o Programa de Mitigação. O tema da mitigação também foi abordado de forma incidental em outros itens de agenda, como a transição justa, medidas de resposta e balanço global do Acordo de Paris.
Dentro do tema de adaptação havia pelo menos 4 itens de agenda, mas o destaque mesmo foram as discussões no item sobre a meta global de adaptação. Um programa iniciado na COP de Glasgow estabeleceu prazo até 2024 para definição de uma Meta Global de Adaptação. No entanto, os avanços em se chegar a esta definição, as métricas a serem consideradas e como mensurar o alcance desta meta ao longo do tempo andaram muito lentamente. Na Conferência de Bonn, os países em desenvolvimento trouxeram propostas mais concretas sobre como metrificar esse objetivo de adaptação, mas encontraram muita resistência pelos países desenvolvidos. Foi apenas no dia de fechamento da Conferência que as partes conseguiram chegar a um acordo no sentido de aceitar levar para a COP 28 um documento informal que contém as visões expressadas pelos países durante a reunião, para ser ponto de partida das conversas em Dubai. Neste texto informal, entre outras coisas, constam propostas sobre como elaborar a meta de global de adaptação, seus indicadores e métricas, e as prioridades globais em adaptação.
O único item da agenda formal de negociação sobre perdas e danos na Conferência de Bonn era a operacionalização da chamada Rede de Santiago sobre Perdas e Danos, uma plataforma que vai conectar e catalisar assistência técnica de diferentes stakeholders para auxiliar países e comunidades sofrendo perdas e danos climáticas. O maior ponto de discussão dentro desta agenda foi a questão sobre quem assumiria o secretariado desta iniciativa, que vai ter o papel de coordenar a Rede. Os candidatos eram, de um lado, a proposta apresentada pelo Banco do Desenvolvimento do Caribe – pleito da região da América Latina e Caribe, que não costuma receber ou hospedar órgãos e agências vinculados a ONU ou a UNFCCC especificamente – , e de outro, a proposta do consórcio entre duas organizações do sistema ONU: UNDRR e UNOPS. Também era esperado que as partes discutissem sobre os arranjos necessários para operacionalização da Rede, e definissem caminhos a serem seguidos a partir disso. Até o último minuto literalmente este foi um tema de muita divisão e infelizmente não foi possível chegar a um consenso, tendo sido postergada para a COP 28 a continuação dessa discussão e tomada de decisão, com referência ao documento rascunho que reflete essas discussões na nota de rodapé.
A discussão sobre o recém-criado Programa de Trabalho de Transição justa foi produtiva, com muito engajamento das partes, mas ainda com posições muito distintas sobre a própria definição e escopo dos trabalhos de transição justa dentro da UNFCCC. O tema acaba se confundindo um pouco com a agenda de “medidas de resposta” (response measures), que trata dos impactos decorrentes da implementação de políticas, programas e ações de mitigação pelas Partes para combater as mudanças climáticas, que muitas vezes podem causar prejuízos econômicos e comerciais a países em desenvolvimento. Assim, esta é uma agenda que também poderia ser entendida como relacionada a um direito dos países em desenvolvimento a uma transição justa, reconhecendo a gradualidade do seu processo de diversificação econômica. Nesta agenda, entram questões como as recentes iniciativas para impostos de carbono de fronteira, como o CBAM da União Europeia. No item de agenda sobre Medidas de Resposta, inclusive, ficou decidido que eventuais sobreposições entre as atividades relacionadas ao tema de medidas de resposta – inclusive dentro do Comitê de Medidas de Resposta de Katowice – e das atividades no Programa de Trabalho em Transição Justa serão tratadas dentro da agenda do plano de trabalho de medidas de resposta na COP 28. No final, as discussões foram registradas em uma nota informal, que vai servir de base para o começo das negociações para adoção de uma decisão na COP. Além disso, será realizado mais um workshop na semana anterior à COP28, envolvendo partes e observadores.
Os itens de agenda sobre transparência na Conferência de Bonn diziam respeito às necessidades dos países em desenvolvimento para realizar seus relatos no âmbito da Convenção do Clima e do Acordo de Paris. O objetivo era promover uma discussão sobre a necessidade de melhorar o apoio financeiro, capacitação e transferência de tecnologia para que os países em desenvolvimento consigam apresentar seus relatórios, em especial o Relatório Bianual de Transparência (BTR), que é a nova modalidade de relato trazida pelo Acordo de Paris, mais robusta e desafiadora para os países em desenvolvimento, e que deve ser apresentada até o final de 2024. Na Conferência de Bonn, discutiu-se sobretudo como melhorar o acesso, fluxos e procedimentos de financiamento para garantir acesso rápido e contínuo a esses recursos. Não houve nenhuma conclusão sobre o tema na Conferencia de Bonn, e o assunto foi remetido para a COP 28 sem nenhum avanço formal.
As discussões sobre o artigo 6 do Acordo de Paris na Conferência de Bonn focaram ainda em aspectos muito técnicos de se desenhar o processo de autorização, transferência, registro e rastreabilidade dos ITMOs e Reduções de Emissões do Artigo 6.4; bem como o processo de relato dessas transações e realização dos ajustes correspondentes, e sobre como essas informações serão revisadas e transparentes. No Mecanismo do artigo 6.4 especificamente – que deve suceder o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – a discussão técnica está mais contida nos trabalhos do Órgão Supervisor, que aprova os projetos, metodologias e emissão de Reduções de Emissões do Artigo 6.4. Este órgão realizou sua 3ª reunião do ano alguns dias antes do início da Conferencia de Bonn, e deverá apresentar para a COP no final do ano suas recomendações sobre elaboração de metodologias e consideração das atividades de remoção de GEE. A conclusão dos trabalhos em Bonn se deu com a definição de uma série de atividades técnicas adicionais em preparação para a adoção de decisões na COP, incluindo relatórios técnicos que serão produzidos pelo Secretariado, um workshop online e submissões aceitas de partes e observadores sobre esses temas, além da elaboração de um manual de orientação de preenchimento dos relatórios e do progresso das atividades do programa de capacitação no artigo 6 que está sendo desenvolvido pelo Secretariado da UNFCCC. Considerando as relações entre os instrumentos de mercado do artigo 6.2 e 6.4 – o processo de autorização, que acontece em ambos os instrumentos; e a conexão entre o registro do artigo 6.2 e o registro do artigo 6.4 –, foi definido que haverá sessões conjuntas para se discutir esses temas sob o ponto de vista tanto do artigo 6.2 quanto do artigo 6.4, antes e durante a COP 28. As diversas opiniões dos países sobre como devem funcionar esses fluxos e conteúdo dos relatos e atividades de revisão foram incorporados a uma nota informal. Com base nesta nota e nos resultados de todos esses trabalhos técnicos, foi solicitado ao presidente do SBSTA que elabore um documento informal com rascunho de uma proposta de decisão a ser adotada na COP. Ou seja, na COP 28 o assunto já deverá ser retomado com um grande avanço no sentido de haver uma minuta base de decisão para negociação entre as partes.
O único item da agenda de negociação envolvendo especificamente financiamento climático foi a segunda revisão das funções do Comitê Permanente de Finanças, cuja função principal é auxiliar a Conferência das Partes em matéria de financiamento climático, buscando o fortalecimento do órgão e a identificação de oportunidades de melhoria. O Secretariado da UNFCCC havia ficado encarregado de elaborar um relatório com uma avaliação sobre a estrutura do Comitê e os trabalhos realizados até o presente momento. As discussões em Bonn foram no sentido de considerar eventuais recomendações adicionais para o trabalho que será conduzido pelo Secretariado. Algumas recomendações adicionais incluíram a consideração sobre representatividade de gênero e geográfica dos membros do Comitê; a carga de trabalho e tempo de entrega; a interação do Comitê com demais órgãos constituídos e stakeholders, assim como a transparência nos processos de tomada de decisão. Em paralelo, ocorreu o 6° Diálogo Técnico da Nova Meta Global Quantificada de financiamento climático, cujo objetivo é identificar elementos para estabelecer o montante de financiamento climático necessário para os objetivos do Acordo de Paris. Um resumo das discussões será relatado e encaminhado à COP 28 em Dubai para avaliação dos trabalhos. Um dos principais pontos de divergência nesses diálogos foi se a meta deve considerar volume de recursos financeiros oriundos do setor privado, com clara oposição entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. De um lado, argumentou-se que o setor privado não é parte signatária do Acordo de Paris, que atribui exclusivamente aos países desenvolvidos a obrigação de arcar com o financiamento climático. De outro, enfatizou-se o poder regulatório do Estado de mobilizar o setor privado para que contribua com os esforços internacionais de financiamento climático.
O Balanço Global de implementação do Acordo de Paris (Global Stocktake) é um tema de destaque na agenda da UNFCCC este ano, pois na COP 28 será concluído o primeiro Balanço Global, uma experiência ainda inédita nas negociações. O objetivo é fazer um balanço da situação em que os países se encontram coletivamente na implementação dos seus compromissos e compreender o que mais é necessário. Os resultados devem informar as futuras ações pelos países dentro do Acordo de Paris, inclusive a atualização das suas NDCs. Em Bonn, foi concluído o último diálogo técnico. Esses diálogos acontecem por meio de mesas redondas, workshops, e diversas formas de engajamento. Ao mesmo tempo, o Balanço Global foi um item de agenda das negociações, para se definir qual será o formato do resultado deste processo e como ele deverá ser operacionalizado para efetivamente garantir que as Partes vão considerar os resultados do Balanço Global na atualização de suas NDCs. Um dos maiores pontos de divergência foi como o financiamento deveria ser refletido nesse esboço, trazendo links com o objetivo do Artigo 2.1.c do Acordo de Paris, que trata de uma forma mais ampla sobre transformação dos fluxos financeiros voltados para a descarbonização e resiliência climática. No fim, as partes concordaram em reconhecer um documento com uma estrutura preliminar indicativa para a decisão a ser adotada na COP 28, inclusive contendo opções sobre como o tema de financiamento poderia ser tratado.
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O que aconteceu (e o que não aconteceu) na Conferência do clima de Bonn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU