14 Abril 2023
Sempre presente nos discursos do papa durante a Semana Santa e a Páscoa, a guerra na Ucrânia desafiou profundamente os vínculos entre Roma e Moscou, construídos pacientemente ao longo de décadas.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 12-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dezenas de pinturas representando igrejas ortodoxas de toda a Rússia – Moscou, São Petersburgo, Rostov-on-Don, Yaroslavl… – há muito tempo adornam as paredes do Dicastério para as Igrejas Orientais.
Elas são obra de um casal chamado Leonid e Rimma Brailovskij, dois artistas católicos que fugiram da Rússia após a Revolução de 1917. Ao todo, a Santa Sé encomendou nada menos do que 130 obras deles na década de 1930, que desde então permaneceram como o sinal visível de uma ligação entre a Igreja Católica Romana e o Patriarcado Ortodoxo de Moscou.
Mas, desde o início da guerra na Ucrânia em fevereiro de 2022, essas pinturas também se tornaram o símbolo de uma relação sujeita a abalos muito fortes. E também significam um dos temores mais profundos do Vaticano – que esse vínculo, que foi pacientemente trabalhado ao longo dos séculos e culminou com o histórico encontro de 2016 entre o Papa Francisco e o Patriarca Kirill (o primeiro desde o cisma de 1054), possa ser definitivamente rompido.
“Podemos falar de um fascínio de Roma por Moscou porque o Patriarcado de Moscou representa uma chave para unir todos os cristãos do Oriente e do Ocidente”, explicou o Pe. Stefano Caprio, professor do Pontifício Instituto Oriental em Roma, que trabalhou como missionário católico na Rússia de 1989 a 2002.
Ele analisou o estado atual das relações entre o Vaticano e Moscou, que foram inauguradas pelo czar no início do século XIX. “Há 20 anos, estamos em um momento de abertura, que inclui a defesa comum dos valores morais, aos quais Bento XVI era muito sensível”, continuou o padre.
Foi em nome da preservação desse vínculo que Francisco pareceu tão relutante em desafiar diretamente o país agressor durante as primeiras semanas da guerra?
De fato, o conflito interrompeu aquilo que alguns no Vaticano não hesitaram em chamar de “uma fase muito promissora”. As relações entre Roma e Moscou estavam em alta, apesar dos russos terem interrompido o diálogo teológico em 2018 para protestar contra o reconhecimento da Igreja Autocéfala da Ucrânia.
Para continuar o diálogo, a Santa Sé e o Patriarcado de Moscou decidiram focar em outro aspecto: a cultura. Foi um diálogo posto sob a égide do Metropolita Tikhon Shevkunov, presidente da Comissão de Cultura do patriarcado. O bispo de 64 anos é comumente referido como o confessor pessoal de Vladimir Putin.
Apenas algumas semanas antes da guerra, Shevkunov apoiou a publicação de um livro muito imponente que apresentava as pinturas dos Brailovskijs. Ele também deveria inaugurar uma exposição das pinturas em Moscou, em junho de 2022, que, porém, foi cancelada devido ao conflito.
Era dentro do marco do diálogo cultural que os padres ortodoxos iam estudar em Roma e os clérigos católicos eram enviados para estudar em Moscou. Mas a Secretaria de Estado do Vaticano congelou esses intercâmbios em fevereiro de 2022, depois que a Rússia invadiu a Ucrânia. A guerra também proibiu o papa e o patriarca de realizarem seu segundo encontro, que havia sido planejado para junho passado em Jerusalém.
As relações diplomáticas da Santa Sé com a Rússia ainda não foram rompidas, longe disso. O equivalente ao ministro das Relações Exteriores do Patriarcado de Moscou, o Metropolita Anthony, foi prestar suas homenagens diante dos restos mortais de Bento XVI, um dia antes do funeral do falecido papa. O metropolita se encontrou com o Papa Francisco apenas alguns meses antes, em uma cúpula inter-religiosa no Cazaquistão.
O papa também se envolveu pessoalmente com o embaixador de Putin na Santa Sé, ajudando a facilitar a troca de prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia, e garantindo a passagem segura de comboios humanitários. E, quando a embaixada russa recentemente promoveu uma recepção de despedida para seu vice-chefe de missão, algumas autoridades vaticanas compareceram.
O La Croix soube que o atual embaixador da Rússia junto à Santa Sé se aposentará no fim deste mês e provavelmente será substituído pelo ex-representante do país no Conselho da Europa.
Enquanto isso, as autoridades vaticanas esperam que o revés nas relações com o Patriarcado de Moscou seja apenas temporário. No entanto, elas temem que uma verdadeira deriva continental esteja em curso.
“A guerra eclodiu há apenas um ano”, disse uma delas. “Isso significa que, nesta fase, ainda conhecemos as pessoas que eram nossos interlocutores do lado russo. Se o conflito parar rapidamente o suficiente, poderemos recomeçar sem muitos danos. Senão, perderemos os contatos pessoais, e isso será mais difícil”.
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O Vaticano e o Patriarcado de Moscou, uma relação provada pela guerra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU