12 Abril 2023
Como ensinou Ghislain Lafont, dizer a fé católica fideliter significa, necessariamente, dizê-la também aliter.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado por Como Se Non, 10-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A morte de Ghislain Lafont, renomado teólogo e monge beneditino, ocorrida em maio de 2021, deixou um vazio que a iniciativa de três instituições acadêmicas romanas (Gregoriana, Lumsa e Santo Anselmo) tentou desde logo mitigar e tornar, por assim dizer, suportável.
Assim, por iniciativa das três instituições, foi instituída a “Lectio Ghislain Lafont”, ou seja, um dia de “memória ativa” sobre o pensamento e sobre a obra do Pe. Ghislain. A jornada prevê sempre dois momentos: uma conferência de um estudioso de “clara fama” e um trabalho de seminário realizado por jovens doutorandos. Ambos os momentos são unidos pela referência a um texto escrito por Gh. Lafont.
Na primeira edição, realizada em 2022 na Universidade Lumsa, o texto que uniu a conferência de Jean-Luc Marion e o trabalho de seminário foi tirado de um dos últimos livros de Lafont, “Che cosa possiamo sperare?” [O que podemos esperar?], um volume de 2011.
A segunda edição da Lectio será realizada neste ano, no dia 18 de maio, no Ateneu Santo Anselmo, e contará, pela manhã, com uma conferência de Christoph Théobald, enquanto à tarde, sempre em diálogo com o estudioso jesuíta, inúmeros doutorandos falarão sobre o último livro publicado pelo Pe. Ghislain, ou seja, “Un cattolicesimo diverso” [Um catolicismo diferente] (2019).
(Imagem: Divulgação)
A conferência de Ch. Théobald, do Centre Sèvres, terá como título: “Entrer dans une nouvelle phase de l’histoire de l’Eglise. Diagnostic et prognostic de Ghislain Lafont en débat” [Entrar em uma nova fase da história da Igreja. Diagnóstico e prognóstico de Guislain Lafont em debate]. Será uma reflexão a partir do livro de 2019. Sem antecipar os conteúdos da conferência e do debate que se seguirá, pode ser útil considerar brevemente o esquema do pequeno volume de 81 páginas, que em francês tem um ponto de interrogação no título: “Le catholicisme autrement?”.
Se nos perguntarmos de que trata esse livro, podemos ficar desorientados: por um lado, ele apresenta um “catolicismo diferente”, ou seja, uma visão abrangente do catolicismo que se move “diferentemente” sobre quatro pontos-chave da própria identidade: ou seja, sobre a concepção do sacrifício, da eucaristia, do ministério e do nome de Deus que é “amor em excesso ou Misericórdia”.
Esses pontos, muitas vezes capturados em sua desconexão, são recuperados na sequência que a estrutura do volume oferece à meditação:
a) O primado do amor na visão de Deus muda a ideia de sacrifício e, por isso, também a compreensão da eucaristia e do sacerdócio. Culto e autoridade são transformadas por uma visão de Deus como amor e misericórdia.
b) Para entender melhor a novidade sistemática oferecida no primeiro capítulo, em um segundo capítulo o autor apresenta novamente a “visão clássica” do catolicismo, da qual a visão reformulada, por um lado, confirma os elementos essenciais, mas só pode fazer isso, por outro lado, por meio de uma transformação profunda.
c) O terceiro capítulo tenta traduzir as evidências amadurecidas nos dois primeiros em “boas práticas”: em vista de um “bom uso da eucaristia” e de um “bom uso da autoridade”.
O caminho do texto atravessa, per transennam, diria eu, todo o imaginário católico do segundo milênio. E elabora, com fineza profética, as formas da reavaliação teórica e de um novo exercício prático. Ele faz isso sobre os dois ápices decisivos do “sentir católico”: sobre a eucaristia e sobre o sacerdócio, isto é, sobre o sacrifício e sobre a autoridade.
Não por acaso, todo o percurso conduz a um simples apêndice no qual se tematiza aquela que Lafont considerou como a reviravolta mais decisiva do Concílio Vaticano II: ou seja, a reunificação do “poder de ordem” e do “poder de jurisdição” na teologia do episcopado.
A oferta ao leitor, em sequência, de um discurso de Pio XII de 1957 sobre o apostolado dos leigos, de uma intervenção de um Padre conciliar e, por fim, do texto da Lumen gentium 21 diz, com extrema clareza, o caminho já percorrido e o que ainda falta percorrer ao se pensar, unitariamente, uma teologia da eucaristia e uma teologia do ministério.
Para Lafont, esse é o desafio fundamental para sair das malhas do clericalismo, como uma doença que ataca pela raiz não apenas a ação dos pastores e o pensamento dos teólogos, mas também o imaginário e a prática dos católicos individuais. Em torno desse límpido “canto do cisne” do nosso caro colega e amigo, com um ato de memória e de abertura, escutaremos as leituras que estudiosos e estudantes saberão oferecer ao caminho da elaboração teológica. Para poder dizer a fé católica fideliter e, por isso, necessariamente, também aliter.
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Dizer o catolicismo fielmente, ou seja, diferentemente. A segunda edição da “Lectio Ghislain Lafont”. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU