03 Dezembro 2019
“Existe um escândalo da palavra, mas há também um escândalo de silêncio: não está decidido, de uma vez por todas, nem mesmo para o teólogo, se é mais prudente permanecer calado ou falar. Em alguns casos, uma palavra muito ousada pode realmente ser motivo de escândalo e desorientação. Mas em outros casos, é precisamente um silêncio que não se quebra a criar escândalo, desconforto, desorientação. É verdade, de fato, que em certos casos são os teólogos que "trazem perguntas" ao povo. Mas, em outros casos, são as pessoas que levam as perguntas aos teólogos, que são obrigados a falar e não podem ficar calados”, escreve Andrea Grillo, em artigo publicado por Come se non, 30-11-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Andrea Grillo é teólogo italiano, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua.
"O teólogo deve oferecer esclarecimentos e salvar os fenômenos" (E. Juengel)
Por ocasião do 50º aniversário da Comissão Teológica Internacional, dois textos, do Papa Francisco e de Joseph Ratzinger, bispo emérito de Roma, em comemoração do evento, abordaram alguns pontos sensíveis da visão católica sobre a relação entre teologia e magistério. Acredito que seja útil revisar algumas afirmações importantes dos dois breves documentos.
Como a própria Comissão Teológica havia escrito, em um documento de 2012 (Comissão Teológica Internacional, Teologia hoje: perspectivas, princípios e critérios, Il Regno, 57 (2012), 269-289), existe uma relação estrutural entre magistério e teologia. Aliás, a própria teologia exerce um "magistério da cátedra magistral", que colabora estruturalmente com o "magistério da cátedra pastoral". Existe, portanto, uma missão "geradora" dos teólogos, que nunca deve ser subestimada:
"Vocês têm em relação ao Evangelho uma missão geradora: vocês são chamados a trazer à luz o Evangelho. De fato, vocês se colocam à escuta do que o Espírito diz hoje às Igrejas nas diferentes culturas para trazer à luz aspectos sempre novos do inesgotável mistério de Cristo, no qual ‘todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão escondidos’ (Col2.3). E depois ajudam os primeiros passos do Evangelho: preparam os caminhos, traduzindo a fé para o homem de hoje, para que cada um possa senti-la mais perto e se sentir abraçados pela Igreja, segurado pela mão ali onde se encontra e acompanhado para provar a doçura do kerygma e sua inesgotável novidade. A isso a teologia é chamada: não é uma discussão catedrática sobre a vida, mas uma encarnação da fé na vida" (Francisco, Discurso à CTI).
Essa tarefa de "tradução da fé" é constitutiva da missão da Igreja e exige competência, estudo, audácia e, ao mesmo tempo, paciência. As virtudes do teólogo colocam à prova seu trabalho e às vezes até o tornam muito difícil. Mas continua sendo uma passagem de que a Igreja e o magistério pastoral não podem prescindir. Com estas palavras, Francisco destaca o valor exemplar do trabalho teológico, realizado à luz de dois princípios:
"A Comissão cumprirá sua vocação de ser também um modelo e estímulo para aqueles - leigos e clérigos, homens e mulheres - que desejam se dedicar à teologia. Porque apenas uma bela teologia, que tenha a dimensão do evangelho e não se contente em ser meramente funcional, atrai. E para fazer uma boa teologia nunca se deve esquecer duas dimensões que a constituem. A primeira é a vida espiritual: somente na oração humilde e constante, na abertura ao Espírito, pode-se entender e traduzir a Palavra e fazer a vontade do Pai. A teologia nasce e cresce de joelhos! A segunda dimensão é a vida eclesial: sentir na Igreja e com a Igreja, segundo a fórmula de Santo Alberto, o Grande: ‘In dulcedine societatis, quaerere veritatem’ (na doçura da fraternidade, buscar a verdade). Não se faz teologia como indivíduos, mas na comunidade, ao serviço de todos, para espalhar o gosto bom do Evangelho aos irmãos e irmãs de nosso tempo, sempre com doçura e respeito". (Francisco, Discurso à CTI)
Se possível, Francisco acentuou ainda mais essa vocação, pedindo para "arriscar na discussão". No entanto, delimitou esse "risco" para as "questões entre os teólogos", enfatizando que ao povo deve ser reservada a "refeição sólida da fé". Aqui está o texto do papa:
"E eu gostaria de reiterar no final algo que eu lhe disse: o teólogo deve continuar, deve estudar sobre o que vai além; ele também deve enfrentar coisas que não são claras e trazem riscos na discussão. Isso, no entanto, entre os teólogos. Mas ao povo de Deus deve ser dada a ‘refeição’ sólida da fé, não alimentar o povo de Deus com questões controversas. A dimensão de relativismo, digamos assim, que sempre haverá na discussão, deve permanecer entre os teólogos - é a vossa vocação -, mas nunca levar isso para as pessoas, porque então as pessoas perdem a orientação e perdem a fé. Para o povo, sempre a refeição sólida que alimenta a fé" (Francisco, Discurso à CTI).
A degeneração conflituosa do debate teológico, de fato, constitui um perigo sempre aberto e muito arriscado. Por outro lado, também devemos reconhecer que o caso nem sempre ocorre de acordo com a descrição oferecida pelo discurso papal. Às vezes, de fato, são as pessoas que apresentam as perguntas, e a teologia demora, tarda, hesita a aceitá-las. Por esse motivo, não é arriscado ampliar essa visão com mais uma advertência. E eu diria da seguinte maneira:
a) há o caso em que as problemáticas teológicas, que se desenvolvem "entre especialistas", devem preservar aquela confidencialidade que só pode ser tirada quando a solução é obtida e assumida, aconselhando o "silêncio público" como estratégia profissional e eclesial a ser preferida;
b) há o caso em que as questões mais urgentes já vêm do povo, se impõem de forma direta à atenção comum, preocupam corações e vidas, e a teologia, justamente por calar, determina o escândalo e a desorientação da comunidade.
Eu diria, portanto, que existe um escândalo da palavra, mas há também um escândalo de silêncio: não está decidido, de uma vez por todas, nem mesmo para o teólogo, se é mais prudente permanecer calado ou falar. Em alguns casos, uma palavra muito ousada pode realmente ser motivo de escândalo e desorientação. Mas em outros casos, é precisamente um silêncio que não se quebra a criar escândalo, desconforto, desorientação. É verdade, de fato, que em certos casos são os teólogos que "trazem perguntas" ao povo. Mas, em outros casos, são as pessoas que levam as perguntas aos teólogos, que são obrigados a falar e não podem ficar calados.
Para expressar isso com uma bela fórmula, cunhada pelo teólogo E. Juengel, "o teólogo deve oferecer esclarecimentos e salvar os fenômenos". Há casos em que o fenômeno pode ser salvo apenas na medida em que se sabe como esclarecê-lo de uma nova maneira. Precisamente a "obra teológica" que o Papa Francisco realiza continuamente em várias "frentes escaldantes" - matrimônio, ecumenismo, instituições de governo, diálogo inter-religioso - mostra como as perguntas, mais que colocadas por teólogos, são colocadas por fenômenos, e se impõem "comunitariamente": não é possível se calar!
Com singular "providência", para a mesma ocasião, também J. Ratzinger, com sua experiência eclesial e magistral, escreveu uma "Saudação" à CTI, na qual , além de muitas anotações autobiográficas, anexou, na primeira nota do curto texto, uma consideração que deve ser avaliada como preciosa exatamente no que diz respeito às questões da relação entre teologia e magistério. Aqui está o texto, que se refere a um documento produzido pela CTI sobre a "atribuição às mulheres do diaconato feminino":
"Uma exceção é de alguma forma constituída pelo documento sobre o diaconato publicado em 2003, elaborado a pedido da Congregação para a Doutrina da Fé e que deveria fornecer uma orientação sobre a questão do diaconato, em particular com relação à questão de saber se esse ministério sacramental também poderia ser conferido às mulheres. O documento, elaborado com muito cuidado, não alcançou um resultado unívoco em relação a um possível diaconato para as mulheres. Decidiu-se encaminhar a questão aos Patriarcas das Igrejas Orientais, dos quais, no entanto, apenas poucos responderam. Viu-se que a questão colocada, como tal, era de difícil compreensão devido à tradição da Igreja Oriental. Assim, esse amplo estudo se concluía com a afirmação de que a perspectiva puramente histórica não permitia chegar a nenhuma certeza definitiva. Em última análise, a questão devia ser decidida no plano doutrinal" (Joseph Ratzinger, bispo emérito de Roma, Discurso de saudação, nota 1).
As breves anotações aqui relacionadas sinalizam, com grande clareza, uma tarefa teológica inevitável: sobre o diaconato feminino a história não tem condições de conduzir a um "resultado unívoco". Reconhecer que a questão é posta, essencialmente, no plano sistemático e doutrinal significa que nela a Igreja pode e deve fazer uso de sua própria autoridade, com a prudência da ousadia. Não pode jogar sobre o passado a responsabilidade que lhe diz respeito no seu presente e no seu futuro. Também nessa frente a colaboração entre o magistério magistral e o magistério pastoral não é apenas possível, mas também necessária. Porque o reconhecimento magistral da autoridade permite que a autoridade pastoral assuma novas decisões. Nesse caso, se for analisado pela perspectiva correta, a obstinação no silêncio pareceria muito mais imprudente e escandalosa do que uma tomada de palavra de ampla visão.
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A palavra e o silêncio: 50 anos da Comissão Teológica Internacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU