28 Março 2023
“Os bispos escandinavos dizem que a percepção dos limites do ensino tradicional dependeria de uma consideração parcial de tal ensino, enquanto os limites da leitura laica seriam objetivos. Aqui falta totalmente o recurso, que eu considero necessário, à noção de ‘sinais dos tempos’. A transformação do sexo em sexualidade, que ocorreu na ‘sociedade laica’ dos últimos 200 anos, pôs em movimento uma reavaliação positiva da tradição cristã.”
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, publicado em Come Se Non, 27-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um breve texto, escrito pelos bispos escandinavos [disponível em inglês aqui], apresenta a sexualidade humana com grande precisão. Reproduzo o texto integral, sublinhando, depois, alguns elementos que permanecem em discussão, sem negar a bondade da tentativa de sair das contraposições nítidas demais entre a doutrina cristã e a cultura comum.
Carta pastoral sobre a sexualidade humana
Quinto Domingo da Quaresma de 2023
Queridos irmãos e irmãs,
Os 40 dias da Quaresma lembram os 40 dias em que Cristo jejuou no deserto. Mas isso não é tudo. Na história da salvação, os períodos de 40 dias marcam várias etapas da obra de redenção de Deus, que continua até hoje. Uma primeira intervenção ocorreu nos tempos de Noé. Tendo visto a destruição provocada pelo homem (Gn 6,5), o Senhor submeteu a terra a um batismo purificador. “Choveu sobre a terra durante 40 dias e 40 noites” (Gn 7,12). O resultado foi um novo começo.
Quando Noé e seus parentes retornaram a um mundo limpo pela água, Deus fez sua primeira aliança com toda a carne. Ele prometeu que o dilúvio nunca mais destruiria a terra. Ele pediu justiça ao gênero humano: reverenciar a Deus, construir a paz, ser frutífero. Somos chamados a viver abençoados sobre a terra, a encontrar alegria uns nos outros. Nosso potencial é maravilhoso contanto que nos lembremos de quem somos: “pois Deus fez o homem à sua imagem” (Gn 9,6). Somos chamados a realizar essa imagem por meio das escolhas de vida que fazemos. Para ratificar sua aliança, Deus colocou um sinal no céu: “Ponho meu arco nas nuvens e este será o sinal da aliança entre mim e a terra. Quando aparecer o arco nas nuvens, eu me lembrarei da aliança eterna que há entre mim e todos os seres vivos de toda espécie que estão sobre a terra” (Gn 9,13.16).
Esse símbolo da aliança, o arco-íris, é reivindicado no nosso tempo como o símbolo de um movimento que é ao mesmo tempo político e cultural. Reconhecemos o que há de nobre nas aspirações desse movimento. Nós as partilhamos na medida em que falam da dignidade de todos os seres humanos e de seu desejo de serem vistos. A Igreja condena a discriminação injusta de qualquer tipo, também baseada no gênero ou na orientação sexual. Discordamos, porém, quando o movimento propõe uma visão da natureza humana que se abstrai da integridade encarnada da pessoa, como se o gênero físico fosse acidental. E nos opomos quando tal visão é imposta às crianças como se fosse uma verdade comprovada, e não uma hipótese ousada, e imposta aos menores como um fardo pesado de autodeterminação para o qual eles não estão preparados. É curioso: nossa sociedade, intensamente consciente do corpo, de fato o leva pouco a sério, recusando-se a vê-lo como significativo da identidade, pressupondo que a única individualidade consequente é aquela produzida pela autopercepção subjetiva, enquanto construímos a nós mesmos à nossa própria imagem.
Quando professamos que Deus nos fez à sua imagem, a imagem não se refere apenas à alma. Ela está misteriosamente hospedada no corpo também. Para nós, cristãos, o corpo está intrinsecamente ligado à personalidade. Cremos na ressurreição do corpo. Naturalmente, “todos seremos transformados” (1Cor 15,51). Não podemos imaginar ainda como serão nossos corpos na eternidade. Mas cremos na autoridade bíblica, fundamentada na tradição, de que a unidade de mente, alma e corpo durará para sempre. Na eternidade, seremos reconhecidos por quem somos agora, mas os conflitos que ainda impedem o desenvolvimento harmonioso de nosso verdadeiro eu terão sido resolvidos.
“Pela graça de Deus sou o que sou” (1Cor 15,10). São Paulo teve que lutar consigo mesmo para fazer essa declaração na fé. Portanto, muitas vezes, nós também temos. Estamos cientes de tudo o que não somos; focamos nos dons que não recebemos, no afeto ou na afirmação que falta em nossas vidas. Essas coisas nos entristecem. Queremos consertar isso. Às vezes, isso é razoável. Muitas vezes, é inútil. O caminho para a autoaceitação passa pelo nosso engajamento com aquilo que é real. A realidade de nossas vidas abraça as nossas contradições e feridas. A Bíblia e as vidas dos santos mostram que as nossas feridas podem, pela graça, tornar-se fontes de cura para nós mesmos e para os outros.
A imagem de Deus na natureza humana se manifesta na complementaridade do masculino e do feminino. O homem e a mulher foram criados um para o outro: o mandamento de serem fecundos depende dessa reciprocidade, santificada na união nupcial. Nas Escrituras, o matrimônio de um homem e de uma mulher torna-se uma imagem da comunhão de Deus com a humanidade, a ser aperfeiçoada nas bodas do Cordeiro no fim da história (Ap 19,6). Isso não significa que tal união seja fácil ou indolor para nós. Para alguns, parece ser uma opção impossível. De modo mais íntimo, a integração dentro de nós mesmos de características masculinas e femininas pode ser difícil. A Igreja reconhece isso. Ela deseja abraçar e consolar todas aquelas pessoas que experimentam essa dificuldade.
Como seus bispos, queremos enfatizar isto: estamos aqui para todos, para acompanhar a todos. O anseio de amor e a busca pela integridade sexual tocam intimamente os seres humanos. Nesse âmbito, somos vulneráveis. É preciso paciência no caminho para a integridade e alegria a cada passo à frente. Dá-se um salto quântico, por exemplo, na passagem da promiscuidade à fidelidade, quer a relação estável corresponda ou não plenamente à ordem objetiva de uma união nupcial sacramentalmente abençoada. Toda busca de integridade é digna de respeito e merece encorajamento. O crescimento em sabedoria e virtude é orgânico. Ele ocorre gradualmente. Ao mesmo tempo, para ser frutífero, o crescimento deve prosseguir em direção a uma meta. A nossa missão e a nossa tarefa como bispos é apontar para o caminho pacificador e vivificante dos mandamentos de Cristo, estreito no início, mas que se alarga à medida que avançamos. Nós falharíamos com vocês se oferecêssemos menos; não fomos ordenados para pregar pequenas noções de nossa própria autoria.
Na fraternidade hospitaleira da Igreja, há lugar para todos. A Igreja, diz um texto antigo, é “a misericórdia de Deus que desce sobre o gênero humano” (do midrash siríaco do século IV “A Caverna dos Tesouros”). Essa misericórdia não exclui ninguém. Mas estabelece um alto ideal. O ideal está explicitado nos mandamentos, que nos ajudam a crescer em relação às autoconcepções muito estreitas. Somos chamados a nos tornar homens e mulheres novos. Em todos nós, há elementos de caos que precisam ser ordenados. A comunhão sacramental pressupõe um consentimento coerentemente vivido com os termos estabelecidos pela aliança selada no Sangue de Cristo. Pode ocorrer que as circunstâncias tornem impossível para um católico receber os sacramentos por um certo período. Não é por isso que ele ou ela deixa de ser membro da Igreja. A experiência de exílio interior abraçado na fé pode levar a um sentimento de pertença mais profundo. Os exilados nas Escrituras muitas vezes nos revelam isso. Cada um de nós tem um êxodo a fazer, mas não caminhamos sozinhos.
Em tempos de provação, o sinal da primeira aliança de Deus nos envolve. Ele nos chama a procurar o sentido da nossa existência, não nos fragmentos da luz do arco-íris, mas na fonte divina do espectro pleno e maravilhoso que é de Deus e que nos chama a ser como Deus. Como discípulos de Cristo, que é a imagem de Deus (Col 1,15), não podemos reduzir o sinal do arco-íris a nada menos do que à aliança vivificante entre o Criador e a criação. Deus nos deu “promessas preciosas e mais importantes, a fim de que assim nos tornemos participantes da natureza divina” (2Pe 1,4). A imagem de Deus gravada em nosso ser lembra a santificação em Cristo. Qualquer consideração do desejo humano que estabeleça um nível mais baixo do que isso é inadequada do ponto de vista cristão.
Ora, as noções do que significa ser humano e, portanto, ser sexual estão em fluxo. O que é dado como certo hoje pode ser rejeitado amanhã. Quem aposta muito em passar teorias corre o risco de ficar terrivelmente ferido. Precisamos de raízes profundas. Procuremos, pois, apropriar-nos dos princípios fundamentais da antropologia cristã, aproximando-nos com amizade e respeito daqueles que se sentem afastados por eles. Devemos ao Senhor, a nós mesmos e ao nosso mundo prestar contas daquilo em que acreditamos e por que acreditamos que é verdade.
Muitas pessoas ficam perplexas com o ensino cristão tradicional sobre a sexualidade. A elas oferecemos um conselho amigo.
Primeiro: procurem se familiarizar com o chamado e a promessa de Cristo, para conhecê-lo melhor por meio das Escrituras e em oração, por meio da liturgia e do estudo de todo o ensinamento da Igreja, não apenas por meio de fragmentos aqui e acolá. Participem da vida da Igreja. Assim se alargará o horizonte das questões de onde vocês partiram, assim como sua mente e seu coração.
Segundo, considerem as limitações de um discurso puramente secular sobre a sexualidade. Ele precisa ser enriquecido. Precisamos de termos adequados para falar sobre essas coisas importantes. Teremos uma valiosa contribuição a fazer se resgatarmos a natureza sacramental da sexualidade no plano de Deus, a beleza da castidade cristã e a alegria da amizade, que nos permitem ver que uma grande e libertadora intimidade pode ser encontrada também nos relacionamentos não sexuais.
O objetivo do ensino da Igreja não é reduzir o amor, mas capacitá-lo. No fim de seu prólogo, o nosso Catecismo da Igreja Católica de 1992 repete uma passagem do “Catecismo Romano” de 1566: “A finalidade da doutrina e do ensino deve fixar-se toda no amor, que não acaba. Podemos expor muito bem o que se deve crer, esperar ou fazer; mas, sobretudo, devemos pôr sempre em evidência o amor de nosso Senhor, de modo que cada qual compreenda que qualquer ato de virtude perfeitamente cristão não tem outra origem nem outro fim senão o amor” (Catecismo da Igreja Católica, n. 25; cf. Catecismo Romano, Prefácio 10; ver 1Cor 13,8).
Foi por esse amor que o mundo foi feito e que a nossa natureza se formou. Esse amor se tornou manifesto no exemplo de Cristo, em seu ensinamento, em sua paixão salvífica e em sua morte. Ele triunfou em sua gloriosa ressurreição, que celebraremos com alegria durante os 50 dias da Páscoa. Possa a nossa comunidade católica, tão multifacetada e colorida, testemunhar esse amor na verdade.
+Czeslaw Kozon, Copenhagen, presidente
+Anders Cardeal Arborelius, Estocolmo
+Peter Bürcher, Reykjavik
+Bernt Eidsvig, Oslo
+Berislav Grgić, Tromso
Pe. Marco Pasinato, Helsinki
+David Tencer, Reykjavik
+Erik Varden, Trondheim
As quatro páginas do texto redigido pelos bispos da Região Escandinava têm o mérito de concentrar em um curto espaço um raciocínio acurado, do qual gostaria agora de evidenciar e comentar algumas afirmações centrais. Prossigo retomando o texto com algumas ênfases em negrito, sobre as quais, depois, vou me deter para comentar.
a) Abençoar as núpcias e abençoar uma união: é possível distinguir?
“É preciso paciência no caminho para a integridade e alegria a cada passo à frente. Dá-se um salto quântico, por exemplo, na passagem da promiscuidade à fidelidade, quer a relação estável corresponda ou não plenamente à ordem objetiva de uma união nupcial sacramentalmente abençoada. Toda busca de integridade é digna de respeito e merece encorajamento. O crescimento em sabedoria e virtude é orgânico. Ele ocorre gradualmente. Ao mesmo tempo, para ser frutífero, o crescimento deve prosseguir em direção a uma meta. A nossa missão e a nossa tarefa como bispos é apontar para o caminho pacificador e vivificante dos mandamentos de Cristo, estreito no início, mas que se alarga à medida que avançamos. Nós falharíamos com vocês se oferecêssemos menos; não fomos ordenados para pregar pequenas noções de nossa própria autoria.
Na fraternidade hospitaleira da Igreja, há lugar para todos. A Igreja, diz um texto antigo, é “a misericórdia de Deus que desce sobre o gênero humano” (do midrash siríaco do século IV “A Caverna dos Tesouros”). Essa misericórdia não exclui ninguém. Mas estabelece um alto ideal. O ideal está explicitado nos mandamentos, que nos ajudam a crescer em relação às autoconcepções muito estreitas. Somos chamados a nos tornar homens e mulheres novos. Em todos nós, há elementos de caos que precisam ser ordenados. A comunhão sacramental pressupõe um consentimento coerentemente vivido com os termos estabelecidos pela aliança selada no Sangue de Cristo. Pode ocorrer que as circunstâncias tornem impossível para um católico receber os sacramentos por um certo período. Não é por isso que ele ou ela deixa de ser membro da Igreja.”
Entre as coisas que parecem ser mais oportunas no texto certamente está a compreensão de uma “gradualidade” de condições que os sujeitos vivem em sua experiência pessoal e sexual. Mas parece igualmente claro que esse “esforço de discernimento”, conduzido com grande linearidade, não corresponde a “formas eclesiais” capazes de reconhecer essas condições diversas.
Assim como não existe apenas a “comunhão eucarística”, mas muitas outras formas de “expressão cultual” na vida do cristão, assim também não existe apenas a “bênção nupcial”, mas também uma ação de “abençoar” que reconhece outras formas de vínculo, de união e de projeto de vida comum.
Uma noção estreita demais de sacramento e uma certa exclusão da valorização de um “sacramental” como a bênção criam uma forte tensão entre um regime verbal de acolhida e um regime litúrgico e sacramental de exclusão. Acredito que isso depende de um uso rígido e estereotipado demais da tradição litúrgica, que é mais elástica do que se pensa.
Se é verdade que, no percurso da vida, é possível cair em experiências de “indignidade” em relação à comunhão eucarística, é igualmente verdade que, nessa visão, a eucaristia se torna apenas o prêmio para os perfeitos e não consegue assumir a figura do “remédio para quem está a caminho”.
Aqui, como é evidente, a linguagem dos bispos escandinavos, embora alimentado profundamente pelo espírito da Amoris laetitia em seu regime expressivo, continua usando apenas as categorias fundamentais da Familiaris consortio e se limita a afirmar uma comunhão eclesial que não consegue encontrar expressão no nível litúrgico-sacramental. Esse é um ponto fraco do texto.
b) A identidade pessoal e o papel da sexualidade
“Ora, as noções do que significa ser humano e, portanto, ser sexual estão em fluxo. O que é dado como certo hoje pode ser rejeitado amanhã. Quem aposta muito em passar teorias corre o risco de ficar terrivelmente ferido. Precisamos de raízes profundas. Procuremos, pois, apropriar-nos dos princípios fundamentais da antropologia cristã, aproximando-nos com amizade e respeito daqueles que se sentem afastados por eles. Devemos ao Senhor, a nós mesmos e ao nosso mundo prestar contas daquilo em que acreditamos e por que acreditamos que é verdade.”
O desenvolvimento das noções de ser humano e de ser sexuado é uma admissão de grande importância, que honra o documento. A aposta em teorias passageiras certamente é sempre arriscada, mas também é arriscado apostar cegamente em teorias fundamentadas em uma cultura e em uma ordem social que não é mais a nossa.
Por isso, é fundamental, como diz o texto, “apropriar-nos dos princípios fundamentais da antropologia cristã”. Mas como ocorre essa “apropriação”?
Essa passagem não parece implicar um diálogo profundo com a cultura ambiente. Os princípios fundamentais da antropologia cristã vêm não principalmente do Catecismo, mas da luz que a Palavra e a experiência dos homens e das mulheres lançam sobre a tradição (segundo o claro ditado da GS 46).
Nenhuma “teoria passageira”, assim como nenhuma “visão clássica” garante tudo. Seria unilateral pensar que o desenvolvimento das noções de ser humano e de ser sexuado permanecem externas a uma “compreensão da tradição”, que funcionaria por conta própria, quase fora do espaço e do tempo.
A pretensão de defender o “evangelho da sexualidade” junto com a sociedade fechada, que interpretou suas evidências de modo unilateral, é um risco ao qual o texto continua exposto. Crer no evangelho não pode ser confundido com crer em uma sociedade ordenada segundo uma leitura unilateral do sexo apenas como “função da geração”.
A insuficiência dos “tria bona” clássicos mostra um lado descoberto da tradição que temos a tarefa de superar, também mediante a escuta da experiência contemporânea, precisamente em sua mais dura laicidade, da qual não só temos de nos distinguir, mas também de aprender.
c) A tensão com a cultura e os “sinais dos tempos”
“Muitas pessoas ficam perplexas com o ensino cristão tradicional sobre a sexualidade. A elas oferecemos um conselho amigo. Primeiro: procurem se familiarizar com o chamado e a promessa de Cristo, para conhecê-lo melhor por meio das Escrituras e em oração, por meio da liturgia e do estudo de todo o ensinamento da Igreja, não apenas por meio de fragmentos aqui e acolá. Participem da vida da Igreja. Assim se alargará o horizonte das questões de onde vocês partiram, assim como sua mente e seu coração. Segundo, considerem as limitações de um discurso puramente secular sobre a sexualidade. Ele precisa ser enriquecido. Precisamos de termos adequados para falar sobre essas coisas importantes. Teremos uma valiosa contribuição a fazer se resgatarmos a natureza sacramental da sexualidade no plano de Deus, a beleza da castidade cristã e a alegria da amizade, que nos permitem ver que uma grande e libertadora intimidade pode ser encontrada também nos relacionamentos não sexuais.”
Com toda a refinada delicadeza das formas expressivas, a consideração paralela da “doutrina cristã sobre a sexualidade” e do discurso laico sobre o sexo, porém, não parece reconhecer um aspecto decisivo, que qualificaria melhor todo o discurso.
Os bispos dizem que a percepção dos limites do ensino tradicional dependeria de uma consideração parcial de tal ensino, enquanto os limites da leitura laica seriam objetivos.
Aqui falta totalmente o recurso, que eu considero necessário, à noção de “sinais dos tempos”. A transformação do sexo em sexualidade, que ocorreu na “sociedade laica” dos últimos 200 anos, pôs em movimento uma reavaliação positiva da tradição cristã.
A personalização do matrimônio e do sexo não é apenas um mérito da tradição cristã, mas vem também da contribuição da leitura laica. Por que não se deveria reconhecer, por exemplo, que a atenção ao indivíduo não é apenas uma “queda individualista”, mas também uma “descoberta de autenticidade”?
Certamente, tanto a tradição cristã quanto a cultura laica também estão cheias de “preconceitos” que devem ser superados. Mas, se é justo reconhecer que a Igreja tem riquezas que merecem ser conservadas em favor também de quem não crê, é igualmente importante dizer que a cultura laica pode ensinar a Igreja a compreender e a expressar seus próprios tesouros de modos e formas mais profundos e mais adequados.
A cultura laica também tem uma contribuição profunda a oferecer à doutrina cristã, libertando-a de alguns curtos-circuitos, que tendencialmente a identificaram com uma “sociedade fechada”. Uma maior clareza sobre esse aspecto de reciprocidade, na relação entre cultura cristã e cultura laica, teria beneficiaria ainda mais o documento e sua positiva recepção.
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A doutrina cristã e o devir da sexualidade humana. Uma carta dos bispos escandinavos. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU