01 Fevereiro 2023
Na última semana, o confronto da Rússia com as principais potências da OTAN sofreu uma escalada de grandes proporções e com consequências imprevisíveis com o envio para o território ucraniano dos tanques Leopard 2, de origem alemã, e M1 Abrams, de fabricação estadunidense.
A reportagem é de Daniel Kersffeld, publicada por Página/12, 01-02-2023. A tradução é do Cepat.
A transferência de unidades blindadas não apenas abre a possibilidade de mais países aderirem ativamente ao conflito (como seria o caso da Polônia), como também favorece a intervenção de modernos aviões de combate pertencentes à aliança atlântica.
Mas a escalada que está ocorrendo não deve ser interpretada apenas em termos de novas armas e equipamentos militares. As pressões que atualmente vários governos da região começam a perceber para contribuir com o envio de armas criaram um cenário inédito desde o início do conflito que em breve completará um ano.
Com efeito, e numa jogada de várias frentes, a OTAN pretende, ao mesmo tempo, fornecer armas à Ucrânia e deslocar a Rússia do mercado regional de armas. Enquanto isso, em termos políticos, se buscaria provocar uma nova frente de conflitos entre as nações que optariam por se alinhar ao pedido ou, ao contrário, optariam por manter sua neutralidade e, sobretudo, sua dispensa diante do conflito que acontece longe de casa.
Para a cúpula militar da OTAN, um dos principais problemas enfrentados pelos combatentes ucranianos é o baixo nível de conhecimento sobre o manejo do sistema de armas atualmente utilizado nas nações da aliança.
Assim, dada a falta de tempo para treinar os soldados e a possibilidade concreta de a Rússia enfrentar uma ofensiva mais bem-sucedida nos próximos meses, o novo fornecimento de máquinas de guerra fabricadas na Rússia tornou-se uma necessidade, máquinas com as quais os ucranianos estão muito mais familiarizados.
Em suma, acredita-se que os sistemas de armas de origem russa atualmente em uso na América Central e do Sul poderiam ser usados pelo exército ucraniano quase imediatamente. E sabe-se também que alguns desses países teriam reservas significativas.
Por fim, supõe-se que para alguns governos poderia ser lucrativo, econômica e politicamente, livrar-se desse material bélico para, em seu lugar, dotarem-se de armas e veículos militares fabricados nos Estados Unidos, em uma política de compensação que, justamente, visa deslocar a presença militar russa na região.
O primeiro apelo veio da chefe do Comando Sul, Laura Richardson, quando em 19 de janeiro admitiu em uma conferência do Conselho do Atlântico que o Pentágono estava em negociações com seis governos latino-americanos para a transferência de armas para a Ucrânia, sem entrar em mais detalhes sobre o assunto.
Obviamente, estariam descartados os três países da região que têm laços militares mais estreitos com Moscou – Venezuela, Nicarágua e Cuba – e que, como no caso da Rússia, também estão sujeitos a vários tipos de sanções econômicas e militares.
Obviamente, estariam descartados os três países da região que têm laços militares mais estreitos com Moscou, Venezuela, Nicarágua e Cuba, e que, como no caso da Rússia, também estão sujeitos a vários tipos de sanções econômicas e militares.
De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, haveria cerca de sete governos na região com estoques significativos de armas de fabricação soviética ou russa: Peru, Brasil, Equador, Colômbia, México, Uruguai e Argentina.
Destes últimos, o caso mais chamativo pelo nível de compras nas últimas décadas foi o do Peru, mesmo sob a ditadura pró-americana de Alberto Fujimori. Por outro lado, a atual governante Dina Boluarte poderia se tornar uma das principais fornecedoras de armas de origem russa para garantir sua sobrevivência até que um novo governo tome posse no Peru em 2024.
Até agora, a resposta mais precisa ao pedido da OTAN veio do governo colombiano. No marco da recente cúpula da CELAC realizada em Buenos Aires, o presidente Gustavo Petro afirmou que "não gostou" da proposta do Norte. E para não deixar dúvidas, o governante colombiano afirmou que "nenhuma arma russa, mesmo inútil em nossa terra, será usada no conflito russo".
Mas as pressões para incorporar a América Latina ao conflito não partiram apenas dos Estados Unidos.
Nos últimos dias, houve também sinais eloquentes do governo alemão na mesma direção, no que poderia ser uma estratégia combinada entre as duas potências que mais contribuições militares e econômicas fizeram à Ucrânia entre o ano passado e o atual. A oferta da Alemanha se materializaria no marco da viagem que o chanceler Olaf Scholz está realizando atualmente por vários países da região.
Nesse sentido, e segundo o jornal Folha de S.Paulo, o presidente Lula da Silva rejeitou um pedido do governo alemão para que o Brasil forneça munição para os tanques que Berlim enviará à Ucrânia para lutar contra a Rússia. Segundo a reportagem, o governo teria recebido 5 milhões de dólares por um lote de munição para seus tanques Leopard 1. Lula, por sua vez, rejeitou a oferta, argumentando que "não valia a pena provocar os russos".
A este respeito, o presidente argentino Alberto Fernández também expressou seu repúdio à iniciativa do governo alemão, após seu encontro com o chanceler Scholz. Nesse sentido, afirmou que "a Argentina e a América Latina não pensam em enviar armas para a Ucrânia ou para qualquer outro país onde haja conflitos".
O giro de Scholz continuou pelo Chile e culminará no Brasil. Sem resultados concretos, o chanceler insistiu no Chile em sua política de reabastecimento de armas, sobretudo pela existência ali de cerca de trinta unidades do tanque Leopard 1. Da mesma forma, Scholz leva em conta que no Brasil existem tanques antiaéreos Cheetah, também de fabricação alemã, cuja munição se torna mais preciosa a cada dia.
Fica claro, portanto, que, com o desenrolar do conflito na Ucrânia, crescerá o interesse das grandes potências da OTAN em trazer diferentes governos latino-americanos à sua própria aliança contra a Rússia.
Consequentemente, estão por se ver os interesses em jogo, a margem de ação e a capacidade de manobra dos governantes da região diante de todas as pressões e iniciativas que vão contra a ideia, que surgiu na cúpula da Celac em Havana, em 2014, que estabelece a América Latina como uma "zona de paz".
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OTAN pressiona América Latina para enviar armas para a Ucrânia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU