09 Novembro 2022
Alguns anos atrás, o advogado David Tong (Nova Zelândia, 37 anos) escreveu uma curiosa carta ao seu banco, o BNZ, uma das maiores instituições bancárias daquele país. Nela, apresentava-se como alguém que após ter trabalhado junto com cientistas do clima, sabia que a única maneira de proteger os jovens e as gerações futuras era abandonar as energias fósseis. Por isso, pedia ao BNZ que desinvestisse todo o seu capital neste setor, caso contrário, deixaria de ser cliente, algo que não gostaria de fazer porque tinha aberto sua conta aos 18 anos e seu dinheiro, seus cartões e suas memórias estavam naquela entidade.
A resposta do banco, que chegou no mesmo dia, não o convenceu. A instituição dizia que, na realidade, o capital investido em petróleo e gás era muito pequeno e que a empresa já estava se esforçando para reduzir sua própria pegada de carbono. Tong encerrou a conta e mudou para o Kiwibank e o TSB, com “uma política mais sólida contra o financiamento das energias fósseis”.
A responsabilidade das empresas na luta contra a mudança climática protagonizou a arrancada da COP27, no Egito. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, exigiu impostos sobre os lucros extraordinários obtidos pelas companhias de energias fósseis para abordar os problemas derivados do aumento nos preços dos alimentos e da energia e os danos sofridos pelos países afetados pela mudança climática.
David Tong dirige as campanhas da organização Oil Change International, onde investiga as grandes companhias de petróleo e gás. Neste ano, publicou um estudo que analisa as medidas reais tomadas pelas maiores companhias mundiais destes setores – BP, Chevron, Eni, Equinor, ExxonMobil, Repsol, Shell, TotalEnergies – para manter o aumento da temperatura do planeta em 1, 5 grau, conforme estabelecido pelo Acordo de Paris.
O resultado de sua investigação é que nenhuma dessas corporações tem planos para interromper a extração e produção de energias fósseis. A coisa mais ambiciosa que estão fazendo, afirma, é vender seus ativos menos valiosos, aqueles que cada vez dão resultados piores e menos lucros. E isto, afirma Tong, é enganoso e bem pouco animador, pois sem a colaboração dessas empresas pouco pode ser feito para deter a mudança climática. Seus produtos são as principais causas do problema.
A entrevista é de Sara Acosta, publicada por El Diario, 07-11-2022. A tradução é do Cepat.
Quais são os planos reais das empresas de gás e petróleo?
As maiores empresas desses setores estão tentando extrair até a última gota de lucro possível da produção de petróleo e gás. Estão batendo recordes de lucros em um contexto de sofrimento da população devido à invasão da Ucrânia pela Rússia. Esta crise energética europeia está enchendo os bolsos dos grandes acionistas das empresas de petróleo. Não há nenhuma razão séria para acreditar que estão se alinhando com o objetivo de manter o aumento da temperatura da Terra em 1,5 grau.
Em 2021, a Agência Internacional de Energia, que foi criada em 1972 para estabilizar o fornecimento de petróleo bruto aos países ricos, após a crise do petróleo, disse que para alcançar o cenário de 1,5 grau não há caminho possível para novo petróleo, nem gás, para além dos projetos que já estão em curso.
No entanto, as grandes petroleiras, oito empresas no total, estão envolvidas em mais de 200 novos projetos que aguardam aprovação para os próximos três anos. Esta informação é de maio, mas se olharmos agora quais projetos estão aguardando aprovação, a foto é praticamente a mesma.
O que estamos vendo é que essas companhias tentam usar a crise energética para se manter sem mudar seu modelo de negócio, simplesmente obtendo lucros extraordinários.
Seu relatório avalia que para limitar o aumento da temperatura do planeta é crucial reduzir as emissões pela metade até 2030. E que o único caminho viável nessa direção é obstruir a produção de energias fósseis desde já.
Nenhuma empresa se comprometeu a parar a exploração, nem renunciou a novos projetos de extração. As previsões dessas companhias são de abandonar a produção nos próximos dez anos, mas não estão agindo, não estão cortando a produção, mas vendendo seus ativos com menor previsão de lucro para outras empresas. Isso não ajuda o clima.
É confuso quando você olha para as propagandas de empresas de petróleo e gás que se apresentam como investidoras em energias renováveis. Quanto há de verdade nisto?
Bem, usam a distração para dizer que investem em energias renováveis, mas quando você olha para os números do setor, o investimento total dessas empresas em energias renováveis é inferior a 5%. E querem que olhemos para esses 5% para não vermos para onde estão indo os outros 95%.
Os números são da Agência Internacional de Energia. Nós não conseguimos obter esses dados, empresa por empresa, porque seus relatórios não são transparentes, nem consistentes. Por exemplo, muitas companhias colocam o investimento em energias renováveis e em gás na mesma categoria, então, não é possível dizer o que vai para o gás e o que vai para as energias renováveis.
Incluem o gás como se fosse uma energia renovável?
Assinalam a informação como “investimento em tecnologias de baixo carbono” em uma única linha de seu balanço, dessa forma, não é possível saber o que é exatamente.
Conseguiram comparar o investimento dessas empresas em energias renováveis com o investimento em novos projetos de exploração ou de produção?
Não, e neste momento não conheço ninguém que tenha feito isso a nível de empresas, porque os dados não estão disponíveis. O que sabemos é que uma esmagadora maioria do capital dessas companhias está indo para o gás e o petróleo, concretamente, para infraestrutura em favor de nova produção.
Das oito companhias que vocês analisam, existe alguma medida sólida?
Seus objetivos são parciais, não há nenhum compromisso para deter novas explorações. Sua previsão para fazer a produção decrescer nos próximos dez anos é de 15%, mas isso é muito pouco, o que precisamos para limitar o aumento da temperatura em 1,5 grau é de 50%.
Como analisa o caso da Repsol?
Seu caso é muito confuso. Esta companhia tem um objetivo de alcançar emissões líquidas zero, mas usa uma metodologia muito estranha e única para fazer o cálculo, levando em consideração as emissões evitadas de carvão queimado e que é substituído pelas vendas de gás.
Assumem que quando você vende o gás, é comprado por alguém que, de outra forma, queimaria carvão. Atribui-se essa conquista e diz evitar emissões, mas o dióxido de carbono continua saindo de uma usina de energia. É contabilidade, não redução de emissões.
Há muita confusão sobre esse objetivo de zero emissões líquidas. Tornou-se um elemento vazio de significado?
Ninguém sabe exatamente o que significa exatamente esse objetivo. Usam esse termo para confundir, pois não existe uma definição padrão do que quer dizer e cada empresa tem uma metodologia diferente. Colocam coisas diferentes e muitas delas não incluem as emissões dos produtos que vendem.
Por exemplo, a Shell tem um objetivo de emissões líquidas zero, mas isso inclui apenas suas emissões corporativas diretas, não abarca os 85% ou 90% das emissões totais da empresa, que vêm do petróleo e do gás que seus clientes queimam. Ou seja, concentra-se nos 10% e ignora os 90%.
A invasão da Ucrânia pela Rússia pode mudar alguma coisa em favor do clima?
A invasão da Ucrânia pela Rússia alterou todo o sistema energético global e o europeu. Teve muitas consequências. Por um lado, as grandes petroleiras estão obtendo lucros sem precedentes, com um aumento extraordinário dos preços da energia. E isto está sendo feito à custa da segurança energética das pessoas em toda a Europa. Elas simplesmente querem que os lucros cheguem a tempo para este inverno.
Por outro lado, isso pode acelerar a transição do gás. A Europa não pode mais se apoiar no gás sujo da Rússia que chega pelos gasodutos e não poderá substituí-lo no mesmo nível. Se a Europa e se o mundo vão sustentar o objetivo do Acordo de Paris, ao menos para cumprir as promessas dos países no horizonte de 2030, precisará se desfazer do gás mais rápido que teria feito sem a invasão russa da Ucrânia.
Desde que a Rússia invadiu a Crimeia, em 2014, as empresas de gás e petróleo europeias e estadunidenses entregaram cerca de 100 bilhões de dólares estadunidenses ao governo russo.
Qual pode ser o papel do cidadão em toda essa confusão? É fácil se sentir sobrecarregado e com a sensação de que não é possível fazer muita coisa.
Todos nós temos poder como cidadãos, mas em uma economia que foi construída baseada em energias fósseis é muito difícil marcar uma diferença significativa. Como indivíduos, é muito complicado separar nossas vidas do gás e do petróleo. No entanto, nosso poder como cidadãos é enorme.
Em meu próprio país, a Nova Zelândia, vi triunfar uma campanha liderada por indígenas, pelos maoris, para que fosse proibida a produção de gás e petróleo em nossas águas. A Nova Zelândia é um país pequeno, mas nosso território de atuação é o sexto maior do mundo. Isso é significativo.
Algo similar aconteceu em outros países, como a Costa Rica. E as pessoas interromperam oleodutos como o Keystone XL, nos Estados Unidos, e vão pará-los no leste da África, ainda não, mas farão isto. Em todo o mundo, como cidadãos, temos o poder de acelerar a transformação do modelo de energia e parar a construção de novas infraestruturas poluentes. Acabar com os lucros dos ricos à custa do sofrimento das pessoas. Cruzo os meus dedos.
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“As empresas de energia buscam obter mais lucros com o petróleo e o gás, não deter o aquecimento global”. Entrevista com David Tong - Instituto Humanitas Unisinos - IHU