14 Janeiro 2020
Movimento contra as mudanças climáticas vem sendo alvo de leis que criminalizam protestos e de processos milionários na Alemanha e na Austrália. Críticos denunciam ataque aos direitos fundamentais de manifestação.
A reportagem é de Stuart Braun, publicada por Deutsche Welle, 13-01-2020.
Em 3 de dezembro último, dois ativistas climáticos do movimento Extinction Rebellion (XR) subiram sobre um trem de carvão em Brisbane, atrasando o tráfego da carga na capital do estado australiano de Queensland, no norte do país da Oceania.
Esses "rebeldes" do XR e uma mulher que observou a ação, mas não participou, foram presos e tiveram sua fiança negada por um tribunal local. A situação foi inédita, e somente a intervenção de advogados e da Suprema Corte do estado garantiu a libertação dos ativistas.
Esse foi o último ato de uma crescente batalha legal entre ativistas climáticos e o estado de Queensland, levando em conta, principalmente, o início dos trabalhos na mina de Adani, um dos maiores e mais controversos projetos carboníferos do planeta, e os incêndios florestais sem precedentes varrendo a Austrália.
Novas leis antiprotesto aprovadas pelo parlamento de Queensland em outubro – dias depois que os ativistas climáticos do XR foram às ruas de Brisbane – ameaçam com penas de até dois anos de prisão quem usar "dispositivos de bloqueio" para interromper o transporte ou impedir negócios em Queensland. As leis foram elaboradas em consulta com o principal lobby da indústria de mineração do estado.
"A criminalização do uso de dispositivos de bloqueio pacíficos foi uma reação brusca às pessoas que protestavam pacificamente contra a inação climática", disse à DW Alice Drury, advogada de Melbourne do Human Rights Law Center (Centro Legal dos Direitos Humanos – HRLC).
Antes da aprovação do projeto de lei, Drury coassinou uma petição da HRLC ao governo, apontando "um risco real" de que a legislação "não seja compatível com o direito à liberdade de expressão e o direito à reunião pacífica e à liberdade de associação", e declarando que "ativistas, incluindo sufragistas, têm usado dispositivos de bloqueio pacificamente há mais de um século na Austrália".
Tais leis antiprotesto estão se tornando um fenômeno global com a crescente resistência a projetos de combustíveis fósseis. O ponto de partida foi, sem dúvida, os grandes protestos contra a construção do oleoduto Dakota Access Pipeline (DAPL), perto da reserva da tribo sioux de Standing Rock, no estado americano da Dakota do Norte, em 2016.
Contra os manifestantes, foram empregados spray de pimenta e cães policiais. Vários estados americanos aprovaram, subsequentemente, leis de "infraestrutura crítica" que criminalizam invasões e, portanto, protestos, em torno de oleodutos como o Keystone XL.
Um ano depois, na Alemanha, ativistas climáticos que bloquearam uma termelétrica a carvão foram processados pelo proprietário, a gigante de combustíveis fósseis RWE, que exigiu inéditos 2 milhões de euros (9,2 milhões de reais) dos manifestantes.
No início de dezembro, os ativistas escaparam da condenação criminal por invasão e interrupção do fornecimento de eletricidade porque conseguiram, pela segunda vez, argumentar que estavam respondendo a um "estado justificável de emergência" (ou seja, a crise climática). Os 14 acusados receberam uma multa de 250 euros por resistir à prisão.
"Fiquei muito surpreso", observou Moritz, um ativista do grupo de protesto WeShutDown, que bloqueou a usina da RWE. Em conversa com a DW, o ativista explicou que a defesa argumentou com sucesso que a usina fechada pelos manifestantes estaria contribuindo para as mudanças climáticas.
Mas agora os ativistas enfrentam um processo civil de 2 milhões de euros da RWE por danos. Moritz disse chamar isso de "medida de intimidação".
Ele citou uma carta enviada pela polícia a estudantes no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, em junho último, alertando-os para não participarem de um protesto do movimento Greve Geral pelo Clima na enorme mina de carvão a céu aberto Garzweiler da RWE, pois eles também poderiam enfrentar uma ação de indenização.
A carta também alegava que alguns ativistas já haviam sido condenados a pagar 2 milhões de euros em danos, embora o caso ainda esteja tramitando.
Essas táticas são típicas da batalha de relações públicas que está sendo travada para subjugar o crescente ativismo climático – que está novamente crescendo à medida que a Austrália enfrenta incêndios apocalípticos, com protestos organizados ao longo de janeiro, por movimentos como o Extinction Rebellion, para exigir que o governo australiano declare emergência climática.
Durante o debate sobre as novas leis antiprotesto em Queensland, por exemplo, a governadora Annastacia Palszczuk alegou que os dispositivos de bloqueio usados por "manifestantes extremistas" estavam sendo "desativados" e seriam um perigo em potencial para os socorristas que tentassem desbloqueá-los.
Everyone has the right to conduct a peaceful protest but the activities of some are not. Blocking roads is dangerous, reckless, irresponsible, selfish and stupid. The sinister tactics some protesters are using are dangerous and designed to harm. pic.twitter.com/y7Izir3SuD
— Annastacia Palaszczuk (@AnnastaciaMP) August 19, 2019
Nenhuma evidência foi encontrada de que explosivos e objetos nocivos teriam sido colocados nos dispositivos. Andy, um ativista da Frontline Action on Coal (Ação de Linha de Frente contra o Carvão – FLAC), um grupo de justiça climática de Queensland que está protestando contra a construção da mina de carvão Adani, disse acreditar que a acusação foi motivada politicamente."
As leis foram uma peça de teatro político destinado a criar uma cortina de fumaça para a inação do governo sobre as mudanças climáticas", disse Andy à DW. A alegação da governadora também pode ajudar a conquistar os eleitores numa região onde a mina de Adani é popular.
Da mesma forma, a Tasmânia, outra linha de frente do ecoativismo australiano, planeja reformular uma lei antiprotesto que foi anulada pelo Supremo Tribunal ocultando a definição de "protesto" e destacando "proteção do local de trabalho". A nova lei pode prever penas de até quatro anos de prisão, além de uma multa de 10 mil dólares australianos (cerca de 28 mil reais) por desobediência civil.
O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, chegou ao ponto de exigir que grupos ambientalistas sejam punidos por incentivar "boicotes secundários prejudiciais à receita, por exemplo, instando bancos a retirar fundos para financiamento de projetos de mineração".
Isso ocorre ao mesmo tempo em que o Banco central da Suécia se despoja dos títulos australianos devido às altas emissões de CO2 do país, e 60 empresas já boicotaram o financiamento da mina de Adani.
Essas tentativas sem precedentes de criminalizar protestos pacíficos contribuíram para que a Austrália fosse rebaixada de uma democracia "aberta" para "reduzida" no relatório de 2019 sobre o estado da sociedade civil quanto aos Direitos Civis em 196 países.
Novas proibições de protesto também tiveram como alvo ativistas climáticos no Reino Unido.
Por volta de 1.500 manifestantes do movimento Extinction Rebellion foram presos em Londres durante as ações da "revolta do outono" em outubro, depois que a polícia impôs uma proibição de protesto que foi posteriormente anulada pela Suprema Corte. As acusações contra 105 manifestantes foram posteriormente arquivadas.
O Reino Unido deixará em breve a União Europeia (UE). Por outro lado, os cidadãos na Europa continuarão a desfrutar mais proteções ao direito de protestar de acordo com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE e outros tratados internacionais, observou Eva Simon, advogada da organização União das Liberdades Civis para a Europa (Liberties), sediada em Berlim.
"Para que o direito de protestar seja eficaz é necessário, em alguns casos, ofender e chocar", disse Mike Schwarz, consultor do escritório de advocacia londrino Bindmans, num painel de discussão após a prisão em massa de ativistas do XR em abril. Invocando os artigos 10 e 11 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que tratam de expressão e reunião, ele acrescentou que, em alguns casos, esse direito "precisa ser perturbador".
No entanto, o grupo Liberties apontou outras estratégias para minar o ativismo climático antes do início de protestos. Uma mudança na lei tributária alemã aponta que grupos de ação climática como o Campact, baseado em Berlim, serão agora considerados uma "corporação política", negando, assim, seu status de organização de caridade e a consequente isenção de impostos.
"Liberties acredita ser prejudicial retirar o status caritativo das ONGs por elas estarem envolvidas em trabalhos relacionados a políticas", disse Simon à DW sobre uma medida que pode limitar a viabilidade das ONGs climáticas que "são vitais nas sociedades democráticas."
Esses esforços para limitar o ativismo climático podem parecer relativamente sutis. No entanto, quando eles vêm aliados a leis mais críticas de infraestrutura ou antiprotesto, o quadro geral é alarmante para ativistas ambientais que, há décadas, confiam na desobediência civil e, às vezes, no distúrbio, para defender sua causa.
Andy, ativista australiano da FLAC, afirma que a emergência climática exige desobediência civil não violenta – sejam quais forem suas consequências legais. "Isso significa bloquear máquinas para imobilizá-las.".
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Ativismo climático na mira da legislação antiprotesto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU