22 Outubro 2022
Após o sucesso esmagador de Viral, o cientista asturiano Juan Fueyo aprofunda, em Blues para un planeta azul (Ediciones B), sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde. Fueyo (Oviedo, 1957), que vive em Houston (Texas) com sua esposa Candelaria Gómez Manzano e seus três filhos, é uma referência mundial em virologia e pesquisa biomédica. Há mais de vinte e cinco anos, pesquisa novos tratamentos contra o câncer nos Estados Unidos.
A entrevista é de Tino Pertierra, publicada por El Periódico de España, 16-10-2022. A tradução é do Cepat.
Como a sociedade pode ser conscientizada sobre o perigo das mudanças climáticas?
Bem, um jornalista do New York Times, Thomas Friedman, considera que se você conscientiza as pessoas, os cidadãos acabam trocando as lâmpadas e as lixeiras. Contudo, não são as lâmpadas ou as lixeiras que precisam ser substituídas, mas os líderes. Se os governos quiserem, a crise climática será mitigada. E a “geração Greta” está empurrando. Mas, obviamente, os mandatários não estão na labuta.
O lobo está vindo... Acabará chegando?
Chegou. Nós nos esquecemos do urso polar que fica sem o gelo, as mudanças climáticas aterrissaram em seu bairro. A crise climática se tornou um fantasma cotidiano. Onde quer que você olhe, vê seus efeitos. O lobo está comendo as ovelhas em seu curral.
Como as mudanças climáticas afetam a saúde?
É uma pergunta que María Neira já respondeu várias vezes. Pela primeira vez, a morte de uma pessoa, de uma criança com asma, foi atribuída à poluição do ar. A poluição, gerada pelo consumo de combustíveis fósseis, é responsável por doenças respiratórias e cardiovasculares. Mais de sete milhões de mortes prematuras se devem à poluição.
Mas há outros perigos que ainda não estão bem detalhados, como o consumo de microplásticos, encontrados por exemplo nos peixes (alguém disse que o mar é uma sopa de plástico). Não sabemos como afetará a saúde dos seres humanos.
O câncer tem um grande aliado nas mudanças climáticas?
Sim. Não há dúvida que corremos o perigo de que as mudanças climáticas aumentem a incidência e a mortalidade por câncer. Os três tipos de câncer cujos casos mais aumentarão com as mudanças climáticas são o câncer de pulmão (poluição), o câncer de pele (maior exposição aos raios ultravioleta) e o câncer gastrointestinal (poluição dos alimentos e das águas).
A covid é uma prévia do que nos espera?
Com a aceleração da crise climática, as pandemias se intensificam. A Covid foi ruim, mas lá fora, nas florestas e nas áreas que arrasamos para perfurar em busca de petróleo ou instalar fazendas, monstros muito piores nos esperam.
Existe uma estreita relação entre as mudanças climáticas e as pandemias. Quanto mais essa crise avançar, maior será a possibilidade de novas e piores pandemias. Não podemos permitir que os micróbios tenham a última palavra.
Que mundo espera a quem nasce hoje?
Temos a grande oportunidade e a grande responsabilidade de decidir. A crise climática é um problema intergeracional. Se deixarmos que a temperatura da Terra aumente 4, 5 ou 6 graus, antes de 2100, a civilização, como a conhecemos hoje, desaparecerá.
Se medidas forem tomadas e os governos decidirem parar a crise, poderemos deixar um mundo mais justo e uma sociedade mais igualitária. Crise na língua chinesa é a soma de duas palavras: perigo e oportunidade. E a climática nos oferece essas duas opções.
O que passa na cabeça de um negacionista?
Existem dois tipos de negacionistas. Na cabeça dos negacionistas interessados, que são a maioria, como as companhias de petróleo ou os partidos políticos, está o poder e o dinheiro. Seus neurônios e sinapses só se excitam com os lucros.
No grupo daqueles que não acreditam de coração, podemos separar aqueles que não sabem e, portanto, podem ser educados, daqueles que acreditam em teorias da conspiração. Neste último, penso que ninguém sabe o que passa em suas mentes, e o que é pior: ninguém sabe como convencê-los a mudar de opinião.
O ser humano não tem poder suficiente para influenciar no clima, dizem os céticos.
Os céticos são o produto de uma manipulação que vem ocorrendo há décadas. A desesperança, no mínimo, mente tanto quanto a esperança. Claro que ainda estamos a tempo! As energias renováveis são a solução. Só é preciso que agora se some, de uma vez por todas, a vontade política.
As guerras pela água logo serão uma realidade?
Sim. Há um blues Howlin’ Wolf que diz: “Peço água e ela me traz gasolina”. A seca e a poluição estão tornando a água potável cada vez mais escassa. A competição por recursos tem sido uma razão muito comum para o desencadeamento de guerras.
E o problema da água não está longe de nós. Em breve, o Saara, com sua imensidão e profundidade, cruzará o Estreito de Gibraltar. A Arábia Saudita não poderá saciar a sede de seus cidadãos com gasolina, nem poderá irrigar seus campos com petróleo.
O Principado das Astúrias tem alguma vantagem nessas guerras?
Viver no norte é melhor do que viver no sul. Mas as mudanças climáticas são um problema global. O Principado das Astúrias acabará sofrendo ondas de calor e frio, as ondulações serão maiores e causarão danos; e não estará a salvo de pandemias. Das geleiras ao mar, O Paraíso está em perigo.
Paradoxalmente, agora que não produzimos carvão, vamos pagar o pato porque outros continuam produzindo. Quero dizer aqui que Blues para un planeta azul é dedicado ao meu tio Donato Montero, que foi um mineiro e um sábio.
Como sua filha inspirou este livro?
A crise climática inspirou a revolução de nossos dias. E esta revolução, que pode ser a mais importante da história da humanidade, é liderada por jovens e crianças. Minha filha soube, antes de mim, que as mudanças climáticas são, na verdade, uma crise ambiental com efeitos sociais muito importantes.
São eles, quase crianças, que retiraram a venda dos olhos dos adultos e estão nos obrigando a ver, entre outras coisas, o custo social do mercado. Blues para un planeta azul deve muito à minha filha e sua geração.
Há mensagens otimistas sobre a cura do câncer ou sobre sua cronificação. Você concorda?
Claro que sim. O ritmo do progresso da medicina e da pesquisa foi muito rápido nos últimos vinte anos. Se as mudanças climáticas não atrapalharem, faremos do câncer uma doença controlável nos centros de atenção primária. Mas, atenção, o que está chegando pode colocar tudo a perder.
A ciência pode ser contada como se fosse um blues?
No prólogo de Blues para un planeta azul, María Neira diz que sim. O blues é uma música triste, e essa é a música que inspira a realidade de um planeta que está perdendo aceleradamente sua biodiversidade e está a caminho da sexta extinção. Eu gosto muito de blues, de alguma forma cresci com B.B. King, e há muitas citações de blues no livro.
É possível evitar a sexta extinção?
A sexta extinção já começou. Os trópicos estão sofrendo mais do que qualquer outra região do mundo. A questão agora é evitar que a sexta extinção elimine o ser humano, que nossa espécie se extinga. E ainda não está claro que seja possível conseguirmos.
Chegamos muito tarde para salvar o mundo?
Bem, o mundo sobreviverá a nós, disso não há dúvida. A Terra continuará girando em torno do Sol, mas não haverá ninguém para contar os anos. O que não se sabe é se a humanidade e a civilização sobreviverão. Mas ainda estamos a tempo.
Como será o fim da humanidade?
Se não impedirmos o progresso acelerado das mudanças climáticas, todos iremos direto para o inferno nesta vida. Mad Max, O conto da Aia e a A estrada buscaram aprofundar as possíveis distopias. Um inferno de fogo e um de gelo combinados.
A guerra na Ucrânia abala todos os planos?
Não todos, mas muitos. A guerra na Ucrânia é uma guerra mundial com repercussões em países muito distantes da Europa. Na América do Sul, a nova crise do petróleo pode levar ao aumento do desmatamento da Amazônia para perfurar em busca de petróleo. Os movimentos indígenas já estão denunciando como a guerra na Ucrânia afeta seus países e suas regiões de mata.
O gás russo está mostrando que a União Europeia precisa ter alternativas a esses combustíveis, caso queira ser independente do ponto de vista energético. Esta guerra também está demonstrando os papéis que a energia nuclear pode desempenhar para fins pacíficos e bélicos.
Em quais escritórios são tomadas as piores decisões?
Bem, aqui em Houston, provavelmente, muitas delas são tomadas. Houston é uma das grandes capitais mundiais do petróleo. As decisões são tomadas pelos governantes, em muitos casos influenciados pelas companhias que administram o petróleo e o carvão. E não são apenas companhias privadas como nos Estados Unidos e na Europa.
É preciso levar em consideração que o petróleo está nacionalizado em muitos países, incluindo os países árabes, China, Venezuela e Rússia. Há uma corrente submersa de países, que poderíamos chamar de “petrotiranias” – onde a riqueza não aumenta as liberdades –, que são o autêntico motor da crise climática.
O que fazemos com o gado?
O gado não tem culpa de nada. Os ruminantes são a principal causa da produção de metano, mas isso se deve ao manejo industrial das fazendas que multiplicou enormemente o problema.
Não é o gado, mas sua exploração industrial que causa o problema. Muitos jovens se tornaram vegetarianos ou veganos para evitar que o gado continue sendo maltratado e, ao mesmo tempo, para que as emissões diminuam.
O que os jovens podem fazer?
Penso que não se pode pedir mais para eles. Talvez que unifiquem seu voto, que o direcionem a partidos que tenham uma parte real em seus programas dedicada aos temas verdes. E que desmascarem o greenwashing (uso do marketing verde de forma enganosa) que muitos partidos praticam hoje, que são ambientalistas apenas da boca para fora. Há uma resistência política, econômica e cultural à “economia verde”. A sociedade do esbanjamento não quer se adaptar a uma “economia circular”.
O progresso é um monstro?
Em nome do progresso, usamos a atmosfera como lixeira e transformamos os rios em esgotos. O progresso é um monstro viciado em petróleo. O cheiro das fábricas de produtos químicos e refinarias é a mistura do cheiro do dinheiro e o da morte. Em nome do progresso, 30 campos de futebol de florestas são desmatados a cada minuto.
Continuará sendo um monstro enquanto aqueles que buscam fazer fortuna não compreenderem que o dinheiro não compra a vida. Os conceitos de progresso e cataclismo estão deixando de ser uma dicotomia antagônica.
Uma sociedade que transforma Tamara Falcó em um trending topic está doente?
Tamara Falcó é uma mulher simpática e uma boa cozinheira. Estou certo que, assim como as Kardashians, é a favor de interromper a aceleração das mudanças climáticas.
“A desesperança mente tanto quanto a esperança”, você escreveu. O que nos resta?
Resta-nos a esperança. Michael Mann pensa que a desesperança é promovida pelas companhias de petróleo. É outra forma de parar os protestos contra elas, de atenuar as medidas de substituição por energia limpa e renovável.
O futuro da Humanidade passa pela procura de um lar fora deste planeta?
Não. Não existe planeta B. A Terra é nosso lar. Ninguém explicou isto melhor do que o Papa Francisco, em sua histórica encíclica Laudato Si’. Nosso planeta é o único lugar no universo onde sabemos que existe vida. Devemos defendê-la, não existe outra alternativa.
É preciso zerar as emissões até 2050. Logo, quando políticos e empresários entenderem que as energias verdes são a salvação do capitalismo e da economia de mercado, será mais fácil...
Se fosse possível realizar apenas uma ação, qual seria a melhor pelo mundo de amanhã?
Votar. Quando sopram ventos de mudança, alguns constroem muros e outros moinhos. O ato mais decisivo é votar em partidos cujos programas deem prioridade a medidas destinadas a evitar a sexta extinção.
Se o Apocalipse viesse, o que você faria nas últimas horas?
Cande (Candela, sua esposa) e eu gostaríamos que o fim do mundo nos alcançasse depois de passar o dia na praia – a que estiver mais próxima – com a família, ouvindo "La Traviata” no La Scala de Milão.
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‘O progresso é um monstro viciado em petróleo’. Entrevista com Juan Fueyo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU