10 Outubro 2022
Quando a Comissão Independente sobre Abuso Sexual na Igreja Católica da França (CIASE) divulgou seu relatório de 2.500 páginas em 05 de outubro de 2021, o cardeal estadunidense Sean O'Malley disse que “desafia nossa compreensão de como pessoas inocentes podem ter sofrido tão terrivelmente e suas vozes serem ignoradas por tanto tempo”.
O cardeal capuchinho, chefe da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, disse: “A Igreja na França deu os primeiros passos necessários para enfrentar o flagelo dos abusos sexuais ao encomendar este relatório”.
Um ano depois, como o relatório e sua recomendação foram recebidos entre os católicos franceses – em particular entre as ordens e congregações religiosas? A irmã dominicana Véronique Margron, presidente da Conferência de Religiosos e Religiosas da França analisa o processo.
A entrevista é de Florence Chatel, publicada por La Croix, 07-10-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Um ano após a publicação do relatório da CIASE, ainda há um sentimento de negação entre as congregações religiosas?
Antes de mais nada, um ano depois do relatório da CIASE, ainda tenho uma sensação de imensa gravidade. Que esses crimes tenham sido cometidos com tanta impunidade, tanto silêncio e tal negação permanece incompreensível, apesar de tudo o que sabemos.
Com as comissões independentes e os centros de escuta, continuamos a ser abordados por muitas vítimas, incluindo pessoas que não se manifestaram durante o tempo da CIASE.
Uma mudança decisiva é que agora temos algo a oferecer a eles com a criação das duas comissões independentes de reconhecimento e reparação. Este era um campo inexplorado, então a implementação é lenta, infelizmente. Mas está sendo feito por pessoas extremamente atenciosas e competentes.
No momento, Antoine Garapon, presidente da Comissão de Reconhecimento e Reparação (CRR), destaca que há uma grande cooperação dos superiores das congregações religiosas envolvidas. Esperemos que esta seja a regra!
Deste lado, a negação parece marginal hoje, graças ao trabalho que realizamos há quatro anos em conscientização, treinamento sobre abuso, controle e agressão sexual.
Quanto às irmãs e irmãos desses institutos, só os superiores podem testemunhar se é difícil ou não internamente.
E na Igreja como um todo, qual é a sua percepção?
Durante as conferências que dou sobre este assunto, fico impressionada com a escuta e a seriedade dos participantes.
As pessoas entenderam – com o relatório da CIASE e talvez também a questão sinodal, porque há uma espécie de intersecção entre esses eventos – que as transformações necessárias não podem vir apenas da hierarquia.
No entanto, sempre há formas de negação. Acho que para um certo número de pessoas “basta é basta”.
Não muito tempo atrás uma pessoa me falou de um padre que era um agressor, dizendo: “A vida é feita de luz e sombras, porque, ao mesmo tempo, ele fazia coisas fantásticas”. Mas quando falamos de escuridão, de crime, não estamos nas sombras e na luz de uma pessoa, portanto não podemos separar as coisas.
Para outras pessoas, incluindo aquelas muito envolvidas na Igreja, “basta é basta” porque isso é muito pesado para integrar. Mesmo falando com muito cuidado para não magoar ou desanimar, seus ombros estão sobrecarregados.
Eu os entendo porque os relatos das vítimas sobre o que sofreram e as traições na Igreja são insuportáveis e os colocam à beira de um precipício.
E assim alguns colocam essa realidade à distância para poder continuar acreditando e vivendo na Igreja, para estar presente e ativo em sua comunidade cristã local. É aqui que reside a verdadeira questão.
Como podemos integrar esta realidade insuportável e permanecer na Igreja?
Acho que, para tentar integrar, devemos simplesmente decidir fazê-lo – dizer: sim, decidi que devo lidar com essa realidade para minha fé e minha vida na Igreja.
A crise de abuso e agressão sexual é indicativa de uma série de crises na Igreja que estavam lá, mas que todos estavam lidando da melhor maneira possível: crises de governança, questões financeiras, transmissão da fé, etc.
Estamos enfrentando uma infinidade de desafios.
Uma esperança para as comunidades cristãs locais pode ser olhar para o que elas querem conquistar ou como restaurar a dignidade dos batizados.
O que vai suscitar na sua paróquia o desejo de transformação, com as suas fragilidades e constituição sociológica, para viver melhor e tornar a Igreja mais saudável?
Para ser mais saudável, deve ser mais evangélico e proteger os mais vulneráveis.
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França. Irmã Véronique Margron diz que abuso sexual é apenas um de uma “multidão de desafios” enfrentados pela Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU